sábado, 26 de fevereiro de 2011

A ARCA DE MÚSICA

©Manuel Cardoso


Numa velha arca, no meio de papéis ratados,

Apareceu uma folha de música.

Muito antiga, manchada dos anos, de sangues, de tintas,

Com pautas de quatro linhas, vermelhas, riscas à mão.

Só de se olhar nela se ouvia o cantochão,

Forte, profundo, de lentos hinos cantados,

Ecos nas pedras da abóbada, nas colunas gémeas dos claustros.

Sons que iluminavam vitrais doutros tempos de conversão.

Tapando a folha, parava o canto.

Seria feitiço ou coisa de santo,

Sortilégio assim?

Dizia-se que essa velha arca fora um dia,

Tirada do coro, (antes servia de baú de pergaminhos de músicos),

Relegada para um canto, desprezada!,

Para um canto escondido da abadia.

Dizia-se que nela um noviço se sentara,

Num ensaio de canto de horas esquecidas,

E se distraíra na surpresa de um perfil

De uma dama que a ouvi-lo se detera.

- De onde vem tão bela voz? Dissera ela.

- Da arca! respondeu ele, emudecendo.

Ficando roxo de tal presença, preso de tamanho encanto.

E aflito. Que dizer ou que fugir?!

Mas ficara. E ela, aproximando-se, acreditando na palavra tonsurada,

Deu alguns passos, olhou para ele e a abriu.

Um canto celeste então se ouviu,

Em latim, a voz dos anjos que há cá na terra.

Fugindo, o noviço não mais parou até ao pátio,

Deixando atrás de si caída a folha.

Ela a tomou, a enrolou e a guardou.



Que ali há bruxa, que ali há demo, que ali há…

Sufocando, não mais atinou nem com o canto nem com ela.

Para sempre gago.

Ninguém viu a senhora do perfil,

Nem então, nem nunca mais.

Diziam ao noviço que atarantava:

- Foi visão, foi das horas do jejum, nada demais!

Mas ele teimava em que não, que em carne e roupa a vira ali.

E apontava, olhando o coro, de cá de baixo, com mui temor.

Levaram-no de braços até lá acima: lá estava a arca.

Fechada e muda.

Levantaram a tampa pela dobradiça. Silêncio e pó.

Cheiro de tinta, de ceras de pergaminho.

E então ele, pegando a folha, pautas escarlates, ali pousada,

Depressa pensou, coisa tão louca!

Que alguém tivera que a trazer, que a arrecadar.

Fez o gesto de a desenrolar, seria um cabelo?!

Um hino celeste então se ouviu,

Em latim, a voz dos anjos que há cá na terra, um canto belo.

Fugiram todos sem mais parar.



(É então que jogral ou bufo pega em barrete,

Com ele na mão o estende à gente,

Sorriso franco e voz de falsete:

Uma moedinha, senhores, uma moedinha…)



E recomeça:

Numa velha arca, no meio de papéis ratados…

3 comentários:

Isabel Serra disse...

Apeteceu-me afastar-me desta capital en/fartada de chuva,carnavais travesti,más/caras tristonhas que passam..
Entrei no carro..e..como que clicando..aventurei-me.Numa tabuleta em frente,lia-se A DRIVE IN MY COUNTRY!Por que não aventurar-me..em cliques/passeios,talvez desconhecidos?O que me atraía tanto..naquela tabuleta?
Cliquei passeios de idas e ficares.De sentires e aprenderes. De gostares.
Encontrei
Vidas Idas/Ecos que Ficam
Espaços Esquecidos/Encontros Agora.
Gentes e Terras/Vozes que Chegam
Histórias de Arca/Magias de Escritas
Artes em Voos/Sonhos em Cores.

PASSEIO FANTÁSTICO,Manuel!
Mala feita,papel e lápis..VOLTAREI!

Isabel Serra disse...

Apeteceu-me afastar-me desta capital en/fartada de chuva,carnavais travesti,más/caras tristonhas que passam...
Entrei no carro...e,como que clicando,aventurei-me.Uma tabuleta,tão perto,olhava-me e dizia:A DRIVE IN MY COUNTRY..Por que não aceitar o seu convite,e aventurar-me em cliques espaços e passeios,talvez desconhecidos?
Viajei...Encontrei
Vidas Idas/Ecos que Ficam
Espaços de Outrora/Encontros Agora
Gentes e Terras/Imagens que Chegam
Histórias e Arcas/Magias de Escrita
Voos de Artes/Sonhos em Cores.

Que passeio fantástico,Manuel!
Voltarei!
isabel Serra

Isabel Serra disse...

Apeteceu-me afastar-me desta capital en/fartada de chuva,carnavais travesti,más/caras tristonhas que passam...
Entrei no carro...e,como que clicando,aventurei-me.Uma tabuleta,tão perto,olhava-me e dizia:A DRIVE IN MY COUNTRY..Por que não aceitar o seu convite,e aventurar-me em cliques espaços e passeios,talvez desconhecidos?
Viajei...Encontrei
Vidas Idas/Ecos que Ficam
Espaços de Outrora/Encontros Agora
Gentes e Terras/Imagens que Chegam
Histórias e Arcas/Magias de Escrita
Voos de Artes/Sonhos em Cores.

Que passeio fantástico,Manuel!
Voltarei!
isabel Serra