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domingo, 29 de agosto de 2010

Cândida Florinda Ferreira

Prestou provas perante a Universidade de Lisboa «a primeira senhora portuguesa que tentava obter as insígnias doutorais», como então proferiu o presidente do júri, de 13 a 16 de Janeiro de 1937. Foi brilhante, verdadeiramente brilhante, e os jornais, que noticiavam diariamente as sucessivas sessões do acto académico, iam tecendo um relato elogioso. Contudo, os examinadores reprovaram-na. Seria interessante investigar os porquês desta circunstância. Talvez um dia. Mas o que nos traz aqui hoje é determo-nos um pouco sobre quem era esta mulher.


Estamos a viver naquele que vai sendo conhecido como “o século das mulheres”. Um pouco por todo o lado, há cada vez mais protagonismo feminino. Em todos os sectores. Seria injusto não lembrar, por isso mesmo, aquelas que foram pioneiras. Aquelas que, de algum modo, se foram da lei da morte libertando muito tempo antes deste tempo que é o nosso.

Evocamos hoje, especialmente, uma das mais inteligentes e cultas pessoas que nasceu no nosso concelho e que foi uma figura nacional. De facto, Cândida Florinda Ferreira foi uma mulher notável, com uma capacidade intelectual acima da média e com qualidades humanas que, para os que a conheceram de perto, dela fizeram uma senhora inesquecível.

A sua origem foi muito humilde. Nasceu em Talhinhas, concelho de Macedo de Cavaleiros, pelas cinco horas do dia 26 de Junho de 1893, tendo sido baptizada na igreja desta aldeia a 9 de Julho pelo Padre Manuel António Teiga. Era filha de António Augusto, de Talhinhas, e de Perpétua da Assunção, de Izeda. Os seus pais e avós eram jeireiros. O apelido herdou-o de seu avô materno, Vicente Ferreira.

Descoberta a sua argúcia e capacidade intelectual, foi mandada estudar aos dez anos para um colégio em Lisboa e depois, aos quinze, noutro colégio no Porto. Nestes colégios não aprendeu só a ler, escrever e a contar mas também a adquirir uma formação de sólidas qualidades morais e éticas que a plasmaram para toda a vida. Com dezasseis anos fez exame de admissão em Bragança para a Escola Normal de habilitação ao Magistério Primário, tornando-se professora em 1912 com dezoito valores! Exerceu o magistério em Talhas, em Caçarelhos (três anos) e em Bragança onde também foi professora interina na Escola de Habilitação ao magistério primário e, posteriormente, na Primária Superior. Durante este período fez, ao mesmo tempo, os exames do curso liceal em Vila Real e Bragança e ainda o da Escola Industrial!

Em 1927 foi frequentar a Universidade de Lisboa mas mantendo-se a trabalhar, regendo uma escola primária. A sua tenacidade, força de vontade e capacidade intelectual eram notáveis. Fazia tudo com brilho e distinção e todos os anos, como professora, apresentava um elevado número de alunos bem preparados a exame. A sua folha de serviços foi exemplar.

No fim desta década de vinte alargou consideravelmente os seus horizontes, influenciada pelo espírito universitário. Fez um curso de Literatura Italiana e publicou os seus primeiros trabalhos de investigação: A guerra da sucessão no distrito de Bragança. Em Agosto de 1930 obteve uma bolsa de estudo concedida por Itália (a única nesse ano), que lhe permitiu frequentar a Universidade de Perugia. Simultaneamente foi agente do governo português para o qual fez um relatório sobre o estudo e o ensino primário em Itália. Esta actividade não a fez descurar os seus outros pontos de interesse e continuou a investigar e a publicar uma obra com uma profusão e regularidade notáveis: Talhinhas e as guerrilhas liberais – Notícias monográficas inéditas; A Mulher na Família e na Sociedade Contemporânea; Carrazeda de Ansiães – Notas monográficas; A função educadora da História.

Para o público em geral e, especialmente, para as mulheres, de quem sentia o pulsar social de uma época que foi de charneira (e em que, no estrangeiro, que conheceu bem porque também frequentou a Sorbonne de Paris em Literatura, brotavam novas tendências), escreveu numerosas páginas cheias de sabedoria: A mulher portuguesa contemporânea – artigos publicados na revista Modas e Bordados, Lisboa, 1935; A Marquesa de Alorna, D. Leonor de Almeida Portugal; Da necessidade do conhecimento da História e da Literatura pátrias; Castros e castelos – A mulher nesses centros guerreiros; A guerra dos cem anos – Seus reflexos em Portugal.

Escreveu também um livro de contos: Os sete pecados mortais, que publicou em 1936.

Depois do seu percalço grave na Universidade de Lisboa, foi directora e proprietária do Colégio D. Teresa Afonso, em Algés, a partir de 1941. Dava também aulas em casa, tendo sido explicadora de uma das pupilas de Salazar (e este, como reconhecimento, ofereceu-lhe uma colecção das Obras Completas do Padre António Vieira).

Sobre o chumbo no doutoramento, o Abade de Baçal escreveu: seria por “não atingir a bitola? por antifeminismo? Por a ciência oficial andar sempre atrasada? Não sei, e somente que Nicolau Tolentino foi reprovado num concurso de literatura; Pasteur num de química; Galois num de matemática, e tantos outros que espargiram glória bastante para imortalizar a ciência oficial de seus examinadores condenados, sem a coragem de tais reprovações, ao olvido da História”.

Nunca descurou o seu contacto com a terra natal, onde viria a protagonizar a construção do edifício da escola primária, movendo para isso as influências políticas necessárias e estando na sua inauguração em 28 de Julho de 1968. A fotografia aqui reproduzida que foi tirada neste evento (a Doutora Cândida Florinda Ferreira é a sétima a contar da direita de quem vê a foto) e resume bastante bem o seu círculo de amizades mantidas em Macedo de Cavaleiros, onde a família Brás conserva a sua memória ainda hoje.

Viveu na Rua de S. Marçal, ao Rato, tendo aqui morrido, na freguesia de S. Mamede, em Lisboa, em 8 de Março de 1978.

Ao longo da vida de trabalho intenso e de publicação de trabalhos, Cândida Florinda Ferreira encontrou ainda tempo e espaço para a poesia. Para a dar a conhecer usou um pseudónimo:

“Ninguém”.