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domingo, 22 de agosto de 2010

Insecticida com penas

Desde o princípio do Verão que as vespas começaram a importunar – superchatas! – na varanda. Mas como temos um refúgio dentro de casa desde que há um ano pusemos redes mosquiteiras nas janelas por causa das moscas (aqui não há mosquitos), foi-se atrasando a aplicação de insecticida que de vez em quando, ao serem insuportáveis, se costuma fazer. O resultado foi surpreendente: apareceu por aqui um bando de abelharucos, uns sete ou oito, que todos os dias fazem razias de caça em volta da casa, à espera que elas volitem para longe e para o alto, a partir das frinchas das telhas. São lindíssimos, os abelharucos.

Estão empoleirados em grupo no fio do telefone, mas afastados, grandes bicos tortos para baixo, e de repente levantam voo um após outro, como uma formação de caças de guerra, um voo engraçado como se estivessem a boiar nas ondas, depois da rebentação. Batem as penas duas ou três vezes e depois planam rapidamente com um “krriuut, krriuut, krriuut” que parece fazer eco pelo ar fora, onde espalham flashes de arco-íris com as suas cores, nos abrires de asa.

Durante meses foram os estorninhos a ocupar-se do movimento e dos sons por aqui. Fazem imensos ninhos sob as telhas e ouvem-se nos seus afãs naturais de ciclo reprodutivo. A acrescentar que esgaravatam com as unhas pelos zincos dos ângulos do telhado e fazem esse ruído de estar a esgueirar-se por frinchas e buracos incríveis. O seu vaivém é incessante e deixam a fachada, a antena parabólica, os corrimões das varandas, as cumieiras das janelas e do telhado pintalgados dos seus dejectos em variadíssimos traços. Piam imenso e os pequenitos fazem um ruído de sofreguidão e impaciência quando se chega um dos pais com a comida no bico. Por isso foi estranho quando aqui há dias desapareceram. Assim. Sem deixar bilhete nem dizer uma despedida. Sumiram misteriosamente. Ficou um grande silêncio, apenas quebrado por um pardal ou por alguma folecra. Andam por aqui águias, milhafres e tartaranhões mas não foi isso. Por vezes ainda aparece um ou outro estorninho, escuro de bico amarelo, depois de dias de ausência total. E parece-me vê-los lá ao longe, de vez em quando, forrando a decalque os ramos sem folhas de um castanheiro seco ou no extremo dos cabos de alta-tensão, no poste mais alto. Não sei se serão os mesmos. Não me parecem. Os de cá de casa levavam educação para, pelo menos, dizer boa-tarde.

Que é o que nos fazem sempre as perdizes, sós, acompanhadas ou com filhotes, cumprimentam sempre antes de se afastarem, cheias de pressa e presunção.

Ainda há imensos mais, mas dão menos nas vistas: um picanço-real muito orgulhoso que não sei se anda perdido ou resolveu exilar-se; uns noitibós discretíssimos que levantam da frente dos faróis claramente para me mostrarem que querem saber a que horas chego a casa; umas poupas que têm a mania que são as mais importantes; rolas e pombos torcazes que fizeram ninho no pinhal e que estão evidentemente a escapulir-se aos caçadores; umas corujas que voam da mata todas as tardes e que nos dão as boas-noites, polidíssimas como tias-avós, logo que o sol se põe. Os gaios devem ter ido a banhos, por agora. E uns amarelantes e cotovias, que andaram por aqui, sumiram desde que os centeios foram ceifados. E a lista continuaria.

Não devem tardar por aí outros pássaros, que vêm com o fim do Verão. Por agora, ficámos sem estorninhos e esperamos não ficar sem abelharucos, senão terei de ir saber de insecticida.