domingo, 9 de novembro de 2008

não há dias iguais










Há uns dias acabei de escrever um livro. Desde então que tenho estado a revê-lo e hoje, 9 de Novembro, acabei essa primeira revisão. Tem sido um dia especial, por várias razões. Por muitas razões. Tenho estado no sótão diante do écran com música da RFM pela net e de vez em quando pisca o gmail com as mensagens a que vou respondendo. É uma sensação incrível estar aqui no recôndito e on-line com Manhattan, com o Pedro e a Giulia a dizerem-me que vão a um lanche! Mas o especial prende-se com um e-mail que recebi há bocado e que já aguardava há uns dias: tinha logo que ser hoje que o meu editor me comunicaria para lhe mandar o original para apreciação. Tal como tinha logo que ser hoje que um amigo meu de que aguardava notícias sobre um projecto comum – um giríssimo projecto comum! depois lhes conto! – me diria também que desde há dias tinha uma avaria no servidor e só agora me respondia… Já da minha irmã Guida recebi uma sms com um apontamento deste dia, um dia de que todos os irmãos nos lembramos. O nosso Pai hoje faria anos.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

CRISIS ? WHAT CRISIS ? THIS ONE ?

A crise do materialismo triunfante


A actual crise financeira que assola o mundo não é apenas mais uma crise do capitalismo financeiro. É a crise do capitalismo financeiro. A que vai fazer com que, por muitos e bons anos, nada vá ficar como dantes.
Surpreendidos? Nem por isso, ou não tivéssemos tido durante um longo período o Papa João Paulo II, que nos alertou para a inevitabilidade deste momento e para a necessidade de evitar os erros que a ele nos conduziram e também Bento XVI, por diversas vezes.
De facto, os anos de progresso e de riqueza que impregnaram o modo de vida dos países desenvolvidos tornaram cada cidadão um agente dum materialismo triunfante que reduz o êxito e o sucesso à capacidade de cada um gerar lucro. Mesmo os fins científicos das descobertas e as suas aplicações técnicas, até as questões da ecologia e da conservação da natureza, desde há anos que vêm estabelecendo para si uma meta algo equívoca, escondida sob o suave rótulo de “sustentabilidade”: gerar lucro. Como se toda a política, toda a acção humana, tudo o que não gere um certo lucro, seja considerado insustentável pelo homem, relegado para segundo plano, recusado como desnecessário ou impossível.
Onde nos levou isto? A aqui e hoje: a uma crise da e na abundância, a uma crise que não vai deixar nada como dantes. E ainda bem.
Desde há gerações que o materialismo, seja o materialismo dialéctico seja qualquer outro, se tornou no pensamento dominante dos quadros dirigentes. Polvilhado de preocupações sociais, para embrulho (o Jacinto, o nosso da Cidade e as Serras já se dizia socialista, lembram-se?) dos quadros dirigentes em termos políticos, científicos, quaisquer outros. De tal modo que os programas de ensino, os programas de governo, os programas de gestão de empresas, de autarquias, de quase tudo, são programas feitos com essa informação materialista e com a medida da ambição de um dólar ou de um euro.
Mas acontece que o homem necessita de muito mais do que dólares e euros investidos em bens materiais. O homem necessita de respirar muito acima e de aspirar a muito para lá do que sejam as contas de dólares e euros. O homem necessita viver.
Esta crise, com lições a muitos níveis, deve merecer-nos mais do que uma reflexão. Mas uma é já evidente: a de que não basta, aos decisores, serem técnicos e saberem fazer contas. Têm de saber muito mais e de ser muito mais. A começar por saberem ser homens.
Que é que quero dizer com isto? Quero dizer que não basta aos decisores serem tecnocratas de curriculum brilhante, têm de ser também humanistas. Esta crise é o resultado de nas últimas décadas, pelo mundo fora, ter havido um forte investimento científico e técnico e muito pouco ter sido feito nas ciências sociais e humanas. Que relevo se tem dado ao discurso literário, histórico, filosófico, artístico? Que notoriedade e influência têm hoje em dia aqueles que ensinam ou reflectem sobre estes temas? Reconhece-lhes importância para dirigir?
Pois é: confiámo-nos aos gestores, aos economistas, aos engenheiros, aos matemáticos de contas absolutas. Trouxeram-nos até aqui: a este resultado, ao de uma crise absoluta.
Estamos e vamos continuar a viver um período historicamente difícil mas empolgante. Já estou preparado. Recomecei a ouvir os Supertramp!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

século XX , século de contradições









O século XX foi um dos mais mortíferos, senão mesmo o mais mortífero século que se viveu até hoje. A subversão de países, a fome, as duas guerras mundiais, as guerras da pré e pós-descolonização, as epidemias e a perseguição política de diferentes regimes deixaram no solo mais milhões de mortos do que os que viveram em todo o mundo nalguns séculos anteriores!






Século XX. Seis óleos sobre tela, 90*60, 70*50, 60*50. 2008. Ainda estou à procura de local para expor.




Contudo, foram cem anos de progresso sem paralelo, de afirmação da liberdade e da hegemonia do homem sobre a adversidade, de descobertas científicas que tudo poderiam fazer prever de risonho e magnífico. Nunca, como no século XX, houve tantos tratados de paz – e nunca houve tantas guerras e tantas vítimas; se produziram mais medicamentos do que em qualquer período da humanidade – e morreu mais gente de doenças do que em qualquer época; nunca os alimentos foram tão abundantes – nunca a fome teve números tão esmagadores; nunca a história do homem, constante em movimentos migratórios, viu tantos milhões de pessoas forçados a mudar de local de vida; nunca se falou e apregoou tanto a liberdade dos cidadãos – nunca a privação da liberdade e dos direitos individuais tinha sido tão forte e exercida sobre tantos homens. Será que o século XXI irá ser, em tudo, mais magnífico e mais terrível do que o século XX? É inesgotável o que se possa dizer sobre o século XX. E é fértil de lições.


Sobre ele pairarão, quais buracos negros, uma suástica e uma estrela com foice e martelo. Não podemos esquecer as lições do século XX.



sexta-feira, 22 de agosto de 2008

FRAGA DOS CORVOS

Fraga dos Corvos, Verão de 2008



Depois de percorrido o caminho de Montemé sempre a subir desde o Vilar do Monte, chega-se entre os castanheiros e para-se. Um silêncio de mundo antigo envolve-nos no verde religioso da serra. Naquela encosta da Serra de Bornes, voltada a Norte, há um conforto especial de quem se sente em casa, mesmo não sendo dali. O sol está forte mas é manso entre as folhas. E, ao voltarmos a nossa vista para o esplêndido vale onde fica Macedo de Cavaleiros, com as outras serras, a de Ala, da Nogueira e do Cubo a emoldurá-lo e a servir de horizonte próximo – que ao longe estão o Marão e o Alvão, o Gerês e o Castro Laboreiro, a Galiza, os Montes de León e La Culebra – começa a ouvir-se um murmúrio ao pé, de entre as ramagens, um scratch, scratch, scratch que é inconfundível. Aproximamo-nos, calcando ervas rasteiras e afastando um ramo de castanheiro bravo. Uma plataforma de rochas em aconchego na vertente, uma turma da Faculdade de Letras de Lisboa de olhos no chão, esgaravata a colher e destapa suavemente com brocha de cerda, não a ver o que está ali mas a saber o que ali estava há três milénios antes de agora, a mexer no que ali era há mais de três mil anos antes de agora. É um momento raro. Estar em comunhão com dez pessoas e todos embarcarmos numa viagem no tempo até à Primeira Idade do Bronze. Nada como nos livros, imaginada. Toda real, ali. Um dia destes descreverei como é. Obrigado ao Bruno, à Joana, à Raquel, à Débora, à Elsa, ao Francisco, à Helena, à Liliana, ao João e ao grande amigo João Senna-Martinez!






Para verem mais fotos podem pesquisar os álbuns do blogue ou irem para http://picasaweb.google.com/mcardoso.mmacedo/Arqueologia2008 Até já!



quarta-feira, 6 de agosto de 2008

summertime !

Quanto a estas quatro telas, ainda estou à procura de local adequado para as expor. Talvez ainda em Agosto ou em Setembro. Preciso de tempo para terminar definitivamente um trabalho que me tem ocupado desde há uns meses e para iniciar dois temas que já têm uma deadline. Opiniões e críticas, precisam-se!



terça-feira, 5 de agosto de 2008

Expor em Bragança



O concerto www.youtube.com/watch?v=aOocxj4bEO4 em Lá Maior para cravo, de Carlos Seixas, é uma das mais notáveis peças de música clássica portuguesa, é quase redundante dizê-lo. E as sonatas para cravo são qualquer coisa de apetecível, até para dançar. Parecem ter gás, como o champagne. Carlos Seixas (1704-1742), aliás José António Carlos Seixas, foi um dos mais talentosos compositores e executantes portugueses e que viveu no período de ouro da nossa história, na primeira metade do século XVIII. A sua música é ainda real e extremamente actual no ritmo, na sonoridade e na inspiração que provoca. Os dois trabalhos a óleo presentes nesta exposição pretendem misturar a sua sugestão com o Verão. Alguém tem um cravo? E água?

Fui colocar os quadros em Bragança, no Hospital, num fim de tarde quente de Verão, depois de um dia cheio de peripécias e de trabalho. Ainda por cima tivemos de ir de vidros abertos, o Manuel, eu e uma amiga e colega dele, porque o ar condicionado da Primera que comprámos aos primos está com uma avaria e aquece por duas das saídas enquanto arrefece por outra! O rádio também não funciona pelo que levei o MP3 ligado e fiz todo o trajecto do IP4 com música (alguém de hé vinte e cinco anos não perceberia patavina deste parágrafo!).

Esta exposição (assim como a visão de qualquer destes quadros, em casa ou em qualquer lugar) é impossível de ser compreendida sem música, excepto quando se está perante os três estudos que restam do The Doctor. Para esses recomendo silêncio. Silêncio mesmo. De certeza que ouviremos vozes dentro de nós. Quanto aos três que sobram da série de música de cantochão, é como se quiser. Posso revelar que os pintei a ouvir Rachmaninov, o concerto número 2 para piano com o segundo andamento em repeat. Enquanto preparei os tons ou resolvi as inevitáveis dificuldades, Fly, de Sarah Brightman, o álbum todo, muitas vezes. E todos os dias, sol nascido, só no sótão de Latães, luz a aumentar e a lembrar-me que a essa hora a Mariana e os filhotes estarão a acordar, em Macedo e em Lisboa, Faith Hill, imensas dela. Não se riam. Mesmo quando já ninguém ouvir Faith Hill, it will be me!

terça-feira, 15 de julho de 2008

primeira exposição individual






A partir de 15 de Julho de 2008 e até ao último dia do mês, uma pequena exposição de telas a óleo estará patente no Hospital de Macedo de Cavaleiros. Para os que não possam ir vê-la in loco, aqui se deixam algumas anotações. São oito trabalhos em duas séries de quatro.



The Doctor, emoções I, II, III, IIII





Sir Henry Tate encomendou a Luke Fildes, em 1887, um quadro de grande realismo e intensidade emocional, grande também nas medidas (166,4 cm * 241,9 cm) e no preço (3000£). A obra ficou terminada em 1891, foi apresentada por Sir Henry Tate em 1894 e, desde então, tem sido reproduzida milhões de vezes em litografias, gravuras, selos, postais, posters, etc.
Apesar de omnipresente e vulgarizada nos estabelecimentos médicos um pouco por toda a Europa e por todo o Mundo, nem por isso perdeu a sua força. É que cada pincelada estava embebida, mais do que em óleo e pigmentos, na saudade de um filho do pintor, morto de doença uma década antes. Na tela está também, com um vigor impressionante, um preocupado reconhecimento à devoção médica do Doutor Gustav Murray, que o assistiu até à morte.
Os quatro estudos agora presentes e inspirados nesta obra de Luke Fildes, The Doctor ©Tate Gallery, não são mais do que uma expressão de emoções e propostas de perguntas. Sendo a cena original o resultado de um memory sketch de 1877, presenciado e vivido pelo pintor, qual o papel do médico nesse momento e, depois, na tela? A curar a doença, aliviar a dor, a confortar o doente e os pais? Que mais? E será que hoje…


Depois de concluir o quadro e de receber o pagamento, Luke Fildes terá comentado que teria ganho mais se entretanto tivesse estado a pintar retratos de gente rica. Ainda bem que não esteve.




Neuma est Veritas



Esta série de quadros, genericamente intitulada Neuma est Veritas (se bem que já não sejam neumas primitivos a neles figurarem mas sim a notação perene da escrita de cantochão), é um conjunto de instrumentos como se as próprias telas emitissem sons. E não emitem? Não os ouvimos mesmo tapando os ouvidos? Atravessar o tempo e o espaço. Deixar de ter os pés no chão. Perceber a verdade. Ultrapassar a mortalidade. Música!