quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Beber Vinho

©Manuel Cardoso, Agosto 2020

 

Que seria de tantas regiões de Portugal se não produzissem uvas e vinho?

A viticultura, nas regiões do nosso país onde viceja, é suporte da actividade social e económica e factor de sustentabilidade ambiental. Às vezes o único. O povoamento, a presença humana no campo, é nalguns espaços a única razão para que não sejam desertos despovoados tantos dos nossos montes e vales. A preservação do ambiente pelas boas práticas de conservação do solo e a promoção da biodiversidade da viticultura moderna têm garantido o equilíbrio e manutenção das nossas paisagens rurais, significando que não só todos temos lucrado com o seu rendimento intrínseco à produção de uvas como com todas as suas externalidades em que são relevantes o não abandono do interior, a promoção do turismo e a vitalidade demográfica.

Se à viticultura associarmos a produção de vinho, podemos então dizer que os benefícios, neste caso, da vitivinicultura, são exponenciais no global do país e em particular para cada um dos recantos rurais em que se desenvolve: a sua contribuição para o povoamento da província é inquestionável. Há milhares de famílias que vivem nas zonas do interior do país, permanência proporcionada pelos empregos gerados pela vitivinicultura, pelo enoturismo, pelas actividades comerciais ou industriais correlacionadas. Também pela actividade intelectual e científica por si gerada: cursos universitários, técnico-profissonais, investigação de campo, visitas científicas de grupos nacionais e estrangeiros. Além duma apreciável energia cultural que concomitantemente decorre, tantas e tantas vezes a única que, nalguns pontos, longe das cidades, tem expressão: digressões de artistas de diferentes modalidades, festivais, exposições, edição de livros, de revistas, presença na net, em sites, redes sociais e grupos de discussão. Também com a fantástica contribuição para a construção, reconstrução, recuperação, manutenção e ampliação do nosso património edificado que tem sido monumental! Poucos sectores poderão orgulhar-se de investimentos tão significativos como justamente os pode exibir a vitivinicultura.

Se não produzissem uvas e vinho, muitas das regiões de Portugal estariam hoje despovoadas e transformadas em charnecas e matagais, fáceis pastos de incêndios rurais, com graves perdas de biodiversidade e progressão da desertificação, erosão do solo e desencanto da paisagem, deixando de atrair pessoas e de produzir riqueza.  

O vinho é produto e alma de tudo isto, é o resultado nobre do Trabalho, do génio da Ciência e da preciosidade subtil da Arte. No vinho está o Homem. No vinho está Portugal.

Por estas e por muitas outras razões, históricas ou culturais, gastronómicas, hedonistas ou fisiológicas, é sempre com a consciência de estarmos a cumprir um acto extraordinário que devemos ter o prazer de beber um copo de vinho! Elevando-o ao ar pela saúde de quem bebe – e também pela de quem não possa beber! Um copo de vinho, ao almoço, à tarde, ao lanche, ao jantar, ao pôr-do-sol e cair da tarde, à noite, tem sempre subjacente algo que muito poucas bebidas têm: estamos a dar o nosso contributo por Portugal, pela nossa gente, pela manutenção da paisagem, pela atracção de visitantes, pela produção de riqueza. A contribuir positivamente para a boa ecologia! Ainda e por cima, estamos a fazer um gesto, apreciando um copo de branco fresco numa tarde quente ou o efeito dum rosé nos olhos de quem bebe connosco ou sentindo elevar-nos com um copo de tinto a acompanhar uma fatia fina de queijo ou tirinha de presunto ou um generoso a derreter na boca um bombom de chocolate, estamos a fazer um gesto, digo, que é um denominador comum da nossa civilização, íman de concórdia entre os povos, tanto no tempo como no espaço, um ancestral factor da nossa sociedade. Um gesto que é um misto de comida e remédio, de comemoração e prazer, de cumprimento de desejo e voto de bom augúrio e de felicidade para todos. Sempre surpreendente de encanto, dotado de beleza humana. Beber vinho é bom.