©Manuel Cardoso, Agosto 2020
Que seria de
tantas regiões de Portugal se não produzissem uvas e vinho?
A viticultura,
nas regiões do nosso país onde viceja, é suporte da actividade social e
económica e factor de sustentabilidade ambiental. Às vezes o único. O povoamento, a presença humana no campo, é nalguns espaços a única razão para que não sejam desertos
despovoados tantos dos nossos montes e vales. A preservação do ambiente pelas boas
práticas de conservação do solo e a promoção da biodiversidade da viticultura
moderna têm garantido o equilíbrio e manutenção das nossas paisagens rurais,
significando que não só todos temos lucrado com o seu rendimento intrínseco à
produção de uvas como com todas as suas externalidades em que são relevantes o
não abandono do interior, a promoção do turismo e a vitalidade demográfica.
Se à viticultura
associarmos a produção de vinho, podemos então dizer que os benefícios, neste
caso, da vitivinicultura, são exponenciais no global do país e em particular
para cada um dos recantos rurais em que se desenvolve: a sua contribuição para
o povoamento da província é inquestionável. Há milhares de famílias que vivem
nas zonas do interior do país, permanência proporcionada pelos empregos gerados
pela vitivinicultura, pelo enoturismo, pelas actividades comerciais ou industriais
correlacionadas. Também pela actividade intelectual e científica por si gerada:
cursos universitários, técnico-profissonais, investigação de campo, visitas
científicas de grupos nacionais e estrangeiros. Além duma apreciável energia
cultural que concomitantemente decorre, tantas e tantas vezes a única que,
nalguns pontos, longe das cidades, tem expressão: digressões de artistas de diferentes
modalidades, festivais, exposições, edição de livros, de revistas, presença na
net, em sites, redes sociais e grupos de discussão. Também com a fantástica
contribuição para a construção, reconstrução, recuperação, manutenção e
ampliação do nosso património edificado que tem sido monumental! Poucos
sectores poderão orgulhar-se de investimentos tão significativos como
justamente os pode exibir a vitivinicultura.
Se não
produzissem uvas e vinho, muitas das regiões de Portugal estariam hoje
despovoadas e transformadas em charnecas e matagais, fáceis pastos de incêndios
rurais, com graves perdas de biodiversidade e progressão da desertificação,
erosão do solo e desencanto da paisagem, deixando de atrair pessoas e de produzir
riqueza.
O vinho é produto e alma de tudo isto, é o resultado nobre do Trabalho, do génio da Ciência
e da preciosidade subtil da Arte. No vinho está o Homem. No vinho está Portugal.
Por estas e por muitas outras razões, históricas ou culturais, gastronómicas, hedonistas
ou fisiológicas, é sempre com a consciência de estarmos a cumprir um acto
extraordinário que devemos ter o prazer de beber um copo de vinho! Elevando-o
ao ar pela saúde de quem bebe – e também pela de quem não possa beber! Um copo
de vinho, ao almoço, à tarde, ao lanche, ao jantar, ao pôr-do-sol e cair da
tarde, à noite, tem sempre subjacente algo que muito poucas bebidas têm:
estamos a dar o nosso contributo por Portugal, pela nossa gente, pela manutenção
da paisagem, pela atracção de visitantes, pela produção de riqueza. A contribuir
positivamente para a boa ecologia! Ainda e por cima, estamos a fazer um gesto,
apreciando um copo de branco fresco numa tarde quente ou o efeito dum rosé nos
olhos de quem bebe connosco ou sentindo elevar-nos com um copo de tinto a
acompanhar uma fatia fina de queijo ou tirinha de presunto ou um generoso a
derreter na boca um bombom de chocolate, estamos a fazer um gesto, digo, que é
um denominador comum da nossa civilização, íman de concórdia entre os povos,
tanto no tempo como no espaço, um ancestral factor da nossa sociedade. Um gesto
que é um misto de comida e remédio, de comemoração e prazer, de cumprimento de
desejo e voto de bom augúrio e de felicidade para todos. Sempre surpreendente de
encanto, dotado de beleza humana. Beber vinho é bom.