segunda-feira, 27 de junho de 2022

Vinho em Portugal - Os anos do tudo ou nada

©Manuel Cardoso

27.06.2022



Apesar de estarmos formatados, na leitura das estatísticas, para considerarmos os anos civis como referência, até por facilidade de leitura e comparação (“2021 foi um bom ano para as exportações, melhor do que 2020 e apesar da pandemia”), o certo é que, por Regulamento Europeu, o ano vitivinícola decorre de 1 de Agosto até 31 de Julho do ano seguinte. É uma espécie de sincronia com o início das vindimas, convencionada, semana atrás ou semana à frente, daquela data, na Europa. Neste momento anda o pintor pelas vinhas e em breve começarão a surgir as previsões probabilísticas da vindima.

O próximo ano vitivinícola terá pouco a ver com os anos que antecederam. Os sinais estão aí, já referidos por muitos, e, além da preocupação, devem merecer muita atenção e tomadas de decisão: o encarecimento de factores de produção e transportes, a irregularidade no cumprimento de prazos de fornecimento e na circulação, a inflação e o aumento das taxas de juro… pandemia, guerra, novos competidores e necessidade de cumprimento de critérios de sustentabilidade por responsabilidade social e para ombrearmos com a concorrência, são elementos dum conjunto que é necessário compreender em toda a extensão.

Os vinhos portugueses têm-se distinguido pela diversidade. E têm estado a aumentar o valor, ano a ano, de forma sustentada. Mas este valor ainda é baixo demais, sobretudo para as gamas de entrada, e carece dum esforço para incremento e manutenção, porque a diversidade dos nossos vinhos só continuará a existir se for mantida!

Uma grande percentagem da população portuguesa, nas últimas décadas, deslocou-se para as cidades e este afastamento das raízes agrárias do país provocou um desligar da mentalidade da vida no campo e dar-se aso à criação de mitos urbanos desinformados sobre os que vivemos nos vales e serras de Portugal. O vinho pode – e deve – desempenhar nas cidades um papel cultural importante, indo ao encontro dessa grande multidão de novos potenciais consumidores, hoje voltados quase exclusivamente para a cerveja e gin tónico, mas abertos a novidades, ao entendimento do que é consumo responsável e hedonista, que procuram prazer imediato, mas também qualidade e transparência no produto que lhes é oferecido. A ideia de que o vinho é um produto de confiança tem de multiplicar-se connosco, como já é feito nos outros países. Não é por acaso que os filmes franceses (o vinho é o terceiro produto mais importante na economia francesa, a seguir à indústria aeroespacial e aos perfumes) e italianos são frequentes as cenas em que aparece a fruição do vinho, actores e actrizes fazendo a sua pedagogia com gestos e até palavras: visam aumento do consumo interno sem publicidade explícita, almofada importante para os imprevistos do turismo e da exportação. Há que descomplicar o consumo do vinho, inovar nas embalagens, fazê-lo estar presente nos festivais e na praia. É estranho que muitas lojas, adegas e cooperativas vendam vinho, mas não o sirvam a copo nesses locais… perdem uma boa oportunidade de facturação e acima do preço médio! Aumentarmos o consumo interno e valorizarmos o preço por litro devem ser dois dos objectivos a atingir nos próximos anos – os anos do tudo ou nada!

Porquê “os anos do tudo ou nada”? Porque a convulsão da economia é certa e imprevisível: é da História e é dos livros.

As mudanças a que estamos a assistir, desde a tecnologia na vinha; a emergência de novas regiões vitícolas em Inglaterra, Países Baixos e Países Nórdicos; a tendência de novos gostos por vinhos fáceis, acessíveis, que saibam bem; o acesso a informação na garrafa/embalagem e a partir desta, com os QRcodes, os códigos de barras, os selos inteligentes; as novas embalagens… tudo isto irá acelerar nos próximos anos e determinará a sobrevivência de muitas das empresas que conhecemos ou a sua absorção por outras. Por isso a importância do incremento do valor, da sustentabilidade, da visão holística de toda a actividade de produção, comercialização, consumo e informação sobre o vinho.

É importantíssimo que o sector se vire para as novas gerações de consumidores e as entenda. Como é bom ver a surpresa, o prazer e uma certa cintilação do olhar de visitantes de quintas ao perceberem o processo que faz com que se possa beber dum copo o líquido onde estão o chão, a luz, o calor, a frescura e o perfume daquele local. Descobrir nesse copo um certo sentido de vida. Porque irá depender também destas novas gerações manterem-se as paisagens de vinha na Região dos Vinhos Verdes, em Trás-os-Montes, em Portugal.

Não sabemos como será a vindima deste ano, mas podemos ter a certeza de que este próximo ano vitivinícola será muito diferente dos anteriores. Os próximos anos vitivinícolas. Que, para Portugal, para muitos dos nossos operadores do sector, serão os anos do tudo ou nada. Há que trabalhar para que sejam os anos do tudo – e dum tudo extraordinário! – que o podem ser! Será difícil - mas será possível!

sábado, 25 de junho de 2022

Gastronomia na fronteira do Rio Douro - Gastronomía en la frontera del Río Duero

Versão bilingue, em português y en castellano, da comunicação apresentada em Zamora no dia 25.06.2022 no âmbito do XVI Encuentro Duero/Douro.



© Manuel Cardoso

Junho 2022


 

1.       Com a mundialização e os efeitos da uniformização cultural promovida pela televisão, pela informação e pela maior facilidade de transportes, e, sobretudo, com o desaparecimento dos controlos das fronteiras no espaço europeu e as mais de três décadas que já temos de livre circulação de pessoas e mercadorias nas estradas que as cruzam, seria de esperar que o carácter da vida das pessoas que habitam no seu entorno se teria já fundido de tal modo que estariam apagadas, no dia a dia, todas as características distintivas dos seus dois mundos, incluindo as alimentares. Puro engano, pelo menos no que nos toca, na nossa velha fronteira do Douro.   

2.       Uma fronteira é um espaço e uma criação mental. Simplificando: espaço de contacto, de separação, de definição, de comunicação e de salvaguarda. Numa fronteira, nós avistamos o outro que está do lado de lá ou veio ao lado de cá, temos uma compreensão do que nos separa e sabemos as regras de passar essa linha, vontade de o fazer se tal nos der mais liberdade ou nos fizer cumprir a nossa esperança. O movimento entre os dois lados duma fronteira sempre se teceu e viveu do fascínio da transgressão, do conhecer o prazer da diferença, do experimentar o exótico e a excitação do sentimento de fuga ao nosso dia a dia. Ou da necessidade. Por isso uma fronteira é, também e ainda, um lugar de encontro.

3.       A fronteira entre Espanha e Portugal no Nordeste do nosso país, e que confina com a Galiza, Leão e Castela, que dum lado tem Trás-os-Montes e a Beira e do outro a Sanabria, Aliste, Los Arribes e Ciudad Rodrigo, metade dela ou quase, formada pelos formidáveis Vales do Douro e do Águeda, também o do Maçãs, é das mais antigas e estáveis do mundo, passada a escrito no Tratado de Alcañices em 1297 (EC 1335).

4.       Tendência antiga, por ser um vale, nele circularam as populações pré-históricas; os Romanos cruzavam-na pela sua XVII via e restante rede, transversal à memorável Via da Prata; os Judeus, porque era uma forma de equidistância entre as Cortes de Valladolid e de Lisboa, entre as quais asseguravam a circulação de informações, de cabedais metálicos e de sobrevivência; estudantes de Portugal iam cursar a Salamanca,  clérigos de Braga e Lamego em direcção a Roma, a Avinhão e a Trento; exércitos pequenos das nossas lutas, hoje quase incompreensíveis; por Reis e nobres com as suas mesnadas; por uma rica e sedutora princesa da Arménia com o seu séquito; pela Princesa Isabel com a sua corte, para vir desde Aragão ser Rainha e Santa em Portugal; por exércitos colossais e multinacionais que nos séculos XVIII e XIX, para um lado e para o outro, um deles comandado por Wellington, no cumprimento das suas missões, deixaram alguma má memória mas também genes e novidades. Nos séculos XIX e XX, foi atravessada sobretudo por turistas, emigrantes, políticos, refugiados, escritores e um grande volume de mercadorias e de contrabando.

5.       A fronteira foi e é, também, local de destino e não só de passagem: a instalação duma sede de bispado, a Diocese de Miranda, no século XVI, mesmo sobre as escarpas do Douro, moldou significativamente mentalidades e hábitos, por mais de dois séculos, assim como teve efeito ainda hoje detectável uma guarnição militar permanente que aí se aquartelou. E a construção das barragens hidroeléctricas foi disruptiva do marasmo e do secular isolamento de populações, impactante tanto do lado espanhol como do português, no tempo de Franco e de Salazar, tendo havido em 1964, em Bemposta e Aldeadavila, um encontro entre o Chefe de Estado de Portugal, Américo Thomaz, e do Generalíssimo Franco para a sua inauguração: esses anos, das décadas de cinquenta e sessenta, indelevelmente marcaram costumes e hábitos que hoje ainda se percebem bem na cultura e na geografia destes lugares quase despovoados.

6.       Uma coisa houve em comum a todos, todos, esses viajantes e autóctones, emigrantes e imigrantes, fossem quem fossem: todos comeram e beberam na fronteira ou nas suas imediações. Em traços largos, podemos dizer que, neste lugar recôndito, longe de tudo, em que é difícil avistar vivalma, desaparecidas que estão, hoje, até as silhuetas inconfundíveis da Guarda Fiscal ou da Guardia Civil, neste sítio agreste, desolado, aparentemente isolado e tão só, contactam dois mundos substancialmente diferentes. Portugal e Espanha? Sem dúvida. Mas muito mais: a civilização, a história e a vida, diferentes, resultado de dois destinos imensos: do lado de Portugal o Atlântico, a África e a Ásia, com as sardinhas e o bacalhau, o arroz, a malagueta, a pimenta, o piri-piri e o louro, a canela, uns ovos mexidos ou uma omoleta de espargos  … do lado de Espanha o Mediterrâneo e a América, com o polvo, o azeite, o pimentão doce e o pimento picante, a salsa, o tomate, a tortilha de batatas.

7.       É evidente que tudo isto pode haver hoje de ambos os lados como coisas em comum vindas da nossa comum ancestralidade e geografia: o porco e todos os seus derivados, os gados, a caça, os peixes do rio… mas não é por acaso que, se estivermos sentados numa feira no planalto do lado português, será fácil aparecer uma belíssima posta de carne mirandesa na brasa, para se cortar e comer à navalha sobre o pão, enquanto do lado espanhol será uma riquíssima tábua de presunto e enchidos que, num ápice, fará o chamamento dos copos. Bem sabemos que também há alheiras e salpicões do lado português, tal como há chuletas e carrilleras de cerdo, de cordero lechal e de ternera de Aliste do lado espanhol, mas isso é já entrar noutro nível de descrição que implica estar de garfo e faca para, por exemplo, experimentar umas inesquecíveis molejas ou um ímpar butelo com cascas.

8.       O dia a dia da vida de fronteira não é diferente do dia a dia da vida das aldeias agrárias dum lado e doutro. Pratos e ementas humildes e autênticos que podem começar por umas sopas de azeite e alho com bacalhau desfiado e um ovo escalfado, se forem à portuguesa, ou com presunto, pimentão e ovos, se forem à espanhola. Mas com as diferenças que o progresso foi introduzindo e com o destino divergente dos sistemas agrários em evolução, dum lado e doutro, tirado o efeito da mundialização das grandes superfícies que tudo poem à disposição e em todo o ano, é detectável o fundo rico da gastronomia desta finisterra. Um dia a dia de frugalidade e parcimónia entrecortado pelo pantagruélico dos dias de festa comemorativos, em que de tudo se assa em fornos de lenha seculares ou em grelhas vastas: leitão, cabrito, vitela, um porco, um boi!

9.       Já não estamos no tempo da vida agrícola feita ao compasso do homem a pé e das juntas de bois, a alimentação foi deixando de se fazer no campo, merenda “de seco” com pão, chouriço e uma bota de vinho, caldeirada se no tempo das segadas. Hoje, a mecanização transformou horários, apagou rotinas e permite que as refeições sejam feitas quase sempre em casa ou, para o pessoal de empreitada, nas tascas e pequenos restaurantes. Por isso, o visitante turista encontra-se, tantas vezes, lado a lado com os trabalhadores no mesmo balcão a petiscar – nas tapas! – ou a comer os pratos do dia. Os mesmíssimos que em Lisboa ou em Madrid? Talvez… mas nem por isso a surpresa, a raridade e os sabores distintos das cañas e do vinho, dos escabeches e da originalidade de cada bar, deixam de estar à espera de quem quiser ir à aventura descobrir sabores. Se nos aperitivos em Portugal habitualmente há um resumo de pão e azeitonas, torradas com azeite, queijos e presunto, já do lado espanhol há um sortido de cogumelos, tortilha, churros, morros, callos, cristas e pinchos variadíssimos a acrescentar que, para quem não for avisado, almoça ou janta bastante e só com tantos petiscos.

10.   Há uma coisa que é inevitável notar: se numa cidade somos atendidos com o profissionalismo de quem presta o serviço a um cliente, nas aldeias e pueblos da fronteira, quer dum lado quer doutro, somos servidos por quem está à espera de decifrar logo, na nossa cara, se apreciamos o que acabámos de trincar ou de beber. Esse momento é decisivo. Para nós e para quem nos serve. Porque, a partir daí, uma vez ganha a confiança, pode abrir-se uma possibilidade imensa de provar coisas que não estão na carta, de experimentar vinhos sem rótulo (que me desculpem as autoridades económicas e, por favor!, não usem isto para reprimir essa riqueza cultural e património histórico!) e receitas proibidas pelo politicamente correcto: os escabeches de peixinhos do rio ou de perdizes, com vinagres e ervas de alquimia caseira, os pichones com pimientos, os chichos de vinho de alhos de porco de matança, as sopas de sangue, os próprios vinhos da casa e os perfumes das bagaceiras, tudo isso só existindo com autenticidade numa sobrevivência temperada de clandestinidade e transgressão. Que lhe ampliam os sabores, acrescentados de emoção, de história, de raízes imemoriais.

11. Mas a nossa visita pode fazer-se sem medos, apoiados nas gloriosas receitas dos livros sobre cozinha de fronteira de que damos os links, notavelmente escritos e ilustrados, publicados com a chancela da Junta de Castilla y León e da Comissão de Coordenação da Região Norte de Portugal. Que são muitas e excelentes, para provar devagar. Hoje vai-se à fronteira facilmente e sem pressas, como quem busca em si um destino. Um outro ritmo, intemporal, já que não há filas para a alfândega. Não é por acaso que já neste século, do lado português, se estão a instalar freiras trapistas, contemplativas, num novo convento em Palaçoulo e, do lado espanhol, um dos maiores investimentos turísticos privados aparece incluído na rede slow food. Duas formas diferentes de o Homem sentir que não vive só de pão mas de outros entendimentos do Tempo. É o sentimento que nos fica, dum fim de semana de deambulação nas aldeias e pueblos da raia. O de que saborear a gastronomia caleidoscópica que a gente, a história e o espaço ali conservam para nosso desfrute pode bem ser, com um copo de vinho certo, uma extraordinária forma de meditação sobre o nosso próprio destino. Tantas vezes desencontrado por Espanha e Portugal, tantas vezes fundido no amor à terra que nos tem reconciliado, a terra da raia.  

 

 Versão em castelhano:


Gastronomía en la frontera del Río Duero

Manuel Cardoso

Junio 2022

 

1. Con los efectos de la globalización y de la normalización cultural promovida por la televisión, por la información y por la mayor facilidad de transportes, y, sobre todo, con la desaparición de los controles en las fronteras en el espacio europeo y las más de tres décadas que ya tenemos  de libre circulación de personas y mercancías en las estradas que las cruzan, sería de esperar que el carácter de vida de las personas que viven en su entorno ya se habría fusionado de tal manera que, en el día a día, todos los rasgos distintivos de sus dos mundos estarían apagados, incluidos los de la alimentación. Puro error, al menos en lo que a nosotros respecta en la vieja frontera del Duero.

2. Una frontera es un límite que es un espacio y una creación mental. En pocas palabras: espacio de contacto, separación, definición, comunicación y salvaguardia. En una frontera, vemos al otro que está del otro lado o vino desde allí, tenemos una comprensión de lo que nos separa y sabemos las reglas para cruzar esa línea, dispuestos a hacerlo si nos da más libertad o nos hace que cumplamos nuestra esperanza. El movimiento entre los dos lados de una frontera siempre se ha tejido y vivido desde la fascinación de la transgresión, de conocer el placer de la diferencia, de experimentar lo exótico y la emoción del sentimiento de evasión de nuestra cotidianidad. O por necesidad. Por eso una frontera es también y sigue siendo un lugar de encuentro.

3. La frontera entre España y Portugal en el noreste de nuestro país, que limita con Galicia, León y Castilla, que tiene de un lado Trás-os-Montes y Beira y del otro Sanabria, Aliste, Los Arribes y Ciudad Rodrigo, la mitad o casi la mitad, formada por los formidables valles del Duero y del Águeda, también el Manzanas, es una de las más antiguas y estables del mundo, consignada en el Tratado de Alcañices de 1297 (EC 1335).

4. Tendencia antigua, por tratarse de un valle, en él circulaban poblaciones prehistóricas; los romanos la atravesaban por su vía XVII y el resto de la red, atravesando la memorable Vía de la Plata; los judíos, porque era una forma de equidistancia entre las Cortes de Valladolid y Lisboa, entre las que aseguraban la circulación de la información, los capitales metálicos y la supervivencia; estudiantes de Portugal fueron a Salamanca, clérigos de Braga y Lamego a Roma, Avignon y Trento; pequeños ejércitos de nuestras luchas, hoy casi incomprensibles; por reyes y nobles con sus asignaciones; por una rica y seductora princesa armenia con su séquito; por la princesa Isabel con su corte, para venir de Aragón para ser reina y santa en Portugal; por colosales y multinacionales ejércitos que en los siglos XVIII y XIX, a un lado y al otro, uno de ellos comandado por Wellington, en el cumplimiento de sus misiones, dejó malos recuerdos pero también genes y innovaciones. En los siglos XIX y XX fue atravesada principalmente por turistas, emigrantes, políticos, refugiados, escritores y un gran volumen de mercancías y contrabando.

5. La frontera fue y es también un lugar de destino y no sólo un lugar de paso: la instalación de un obispado, la Diócesis de Miranda, en el siglo XVI, justo en las laderas del Duero, moldeó significativamente mentalidades y hábitos, por más de dos siglos, al igual que una guarnición militar permanente que estaba estacionada allí tuvo un efecto detectable todavía hoy. Y la construcción de las hidroeléctricas interrumpió el estancamiento y el secular aislamiento de las poblaciones, que repercutió tanto en el bando español como en el portugués, en tiempos de Franco y Salazar, y en 1964, en Bemposta y Aldeadavila, se produjo un encuentro entre los Jefe del Estado de Portugal, Américo Thomaz, y el Generalísimo Franco para su inauguración: aquellos años, de los años cincuenta y sesenta del siglo XX, marcaron de manera indeleble costumbres y hábitos que aún hoy se entienden bien en la cultura y la geografía de estos lugares casi despoblados.

6. Una cosa tenían en común todos, todos, estos viajeros y nativos, emigrantes e inmigrantes, quienesquiera que fueran: todos comían y bebían en la frontera o en sus inmediaciones. A grandes rasgos, podemos decir que, en este lugar recóndito, alejado de todo, donde es difícil ver un alma, faltan incluso las inconfundibles siluetas de la Guardia Fiscal o de la Guardia Civil, en este agreste, desolado, aparentemente aislado y solos, entran en contacto con dos mundos sustancialmente diferentes. ¿Portugal y España? Sin duda. Pero mucho más: civilización, historia y vida, diferente, fruto de dos destinos inmensos: del lado portugués, el Atlántico, la África y la Asia, con sardinas y bacalao, arroz, guindilla, pimienta, piri-piri y laurel, canela, revuelto de huevos o tortilla de espárragos… del lado de España, el Mediterráneo y la América, con pulpo , aceite de oliva, pimientos dulces y pimientos picantes, perejil, tomates, tortillas de patata.

7. Es evidente que todo esto puede existir hoy en ambos lados como cosas en común provenientes de nuestra común ancestralidad y geografía: cerdos y todos sus derivados, ganado vacuno, caza, pesca de río… pero no es casualidad que, si están sentados en una feria en la meseta del lado portugués, será fácil ver un hermoso trozo de carne a la parrilla de Miranda, posta à mirandesa, para cortar y comer con una navaja en el pan, mientras que en el lado español será una muy rica tabla de jamón y embutidos que, en un santiamén, hará la llamada de las copas. Bien sabemos que del lado portugués también hay alheiras y salpicões, así como del lado español hay chuletas y carrilleras de cerdo, el lechal y la ternera de Aliste, pero eso ya es entrar en otro nivel de descripción que implica tener un cuchillo y un tenedor para, por ejemplo, probar unas mollejas inolvidables o un butelo con vainas secas de judías, único.

8. La vida cotidiana de la frontera no es diferente de la vida cotidiana de los pueblos agrarios de ambos lados. Platos y menús humildes y auténticos que pueden empezar con sopas de aceite y ajo con bacalao desmenuzado y huevo escalfado, si son portuguesas, o con jamón, pimientos y huevos, si son españolas. Pero con las diferencias que ha introducido el progreso y con el destino divergente de los sistemas agrarios en evolución, por ambos lados, si retiramos el efecto de la globalización de las grandes superficies que hacen que todo esté disponible durante todo el año, es detectable el rico bagaje de la gastronomía de esta tierra. Un día a día de frugalidad y economía intercalado con el pantagruélico de las fiestas conmemorativas, en las que todo se asa en hornos seculares de leña o en amplias parrillas: cochinillo, cabrito, ternera, un cerdo, ¡un buey!

9. Ya no estamos en la época de la vida agrícola hecha al ritmo del hombre a pie y la yunta de los bueyes, ya no se hacía la comida en el campo, almuerzo “seco” con pan, chorizo ​​y bota de vino, guiso si en tiempo de siega. Hoy, la mecanización ha transformado los horarios, borrado las rutinas y permite que las comidas se hagan casi siempre en casa o, para los contratistas, en tabernas y pequeños restaurantes. Por lo tanto, el visitante turista está, tan a menudo, al lado de los trabajadores en la misma barra tomando un refrigerio: ¡de tapas! – o comiendo los platos del día. ¿Lo mismo que en Lisboa o Madrid? Tal vez… pero eso no quita que la sorpresa, la rareza y los distintos sabores de las cañas y el vino, los adobos y la originalidad de cada barra, ya no esperen a quienes quieran aventurarse a descubrir sabores. Si en los entrantes portugueses suele haber un resumen de pan con aceitunas, tostadas con aceite de oliva, quesos y jamón, en el lado español hay un surtido de setas, tortillas, churros, morros, callos, crestas y pinchos de una amplia variedad para añadir que, para quien no esté avisado, quedará almorzado o cenado, -¡ y mucho! - solo con tantos bocadillos.

10. Hay una cosa que es inevitable notar: si en una ciudad nos atienden con la profesionalidad de quien presta un servicio a un cliente, en los pueblos y aldeas de la frontera, de uno y otro lado, nos atienden esos que están esperando descifrar inmediatamente, en nuestra cara, si disfrutamos de lo que acabamos de picar o beber. Ese momento es decisivo. Por nosotros y por los que nos sirven. Porque, a partir de ahí, una vez que te ganes la confianza, se te puede abrir una posibilidad inmensa de degustar cosas que no están en la carta, de probar vinos sin etiqueta (disculpen a las autoridades económicas y por favor no utilicen esto para reprimir esta riqueza cultural ¡y patrimonio histórico!) y recetas prohibidas por la corrección política: pescados de río o perdices en escabeche, con vinagres y hierbas de alquimia caseras, pichones con pimientos, chichos hechos con ajos de cerdos de matanza, las sopas de sangre, los vinos de la casa y los perfumes de las aguardientes de orujo, todo ello sólo existiendo con autenticidad en una supervivencia atemperada por la clandestinidad y la transgresión. Que amplifican sus sabores, sumados con emoción, historia y raíces inmemoriales.

11. Pero nuestra visita puede hacerse sin miedos, apoyada en las gloriosas recetas de los libros de cocina de frontera a los que damos los enlaces, notablemente escritos e ilustrados, editados con el sello de la Junta de Castilla y León y la Comisión Coordinadora de la Región Norte de Portugal. Que son muchas y exquisitas, para degustar despacio. Hoy vas a la frontera con facilidad y sin prisas, como si buscaras un destino dentro de ti. Otro ritmo atemporal, ya que no hay colas para las costumbres. No es casualidad que ya en este siglo, del lado portugués, se instalen monjas trapenses contemplativas en un nuevo convento en Palaçoulo y, del lado español, aparezca una de las mayores inversiones turísticas privadas incluidas en la red del slow food. Dos modos distintos en los que el Hombre siente que no vive sólo de pan sino de otras comprensiones del Tiempo. Es el sentimiento que queda, después de un fin de semana de vagar por los pueblos y aldeas de la frontera. Que la gastronomía caleidoscópica que allí las personas, la historia y el espacio conservan para nuestro disfrute, bien puede ser, con una copa del vino adecuado, una forma extraordinaria de meditación sobre nuestro propio destino. Tantas veces desparejado por España y Portugal, tantas veces fusionado en el amor a la tierra que nos ha reconciliado, la tierra de la frontera.

 

 

Bibliografia:

Diana Manuela Dos Santos Marques, A casa rural do Planalto Mirandês em meados do século XX: espaços de confeção dos alimentos, utensilagem e práticas alimentares. FLUP. 2014.

Links importantes:

https://www.espaciofronteira.eu/wp-content/uploads/2021/08/Recetario_Raya_Receitas_Raia_2021.pdf

https://hermisende.com/wp-content/uploads/2020/06/Recetario-de-la-Raya.pdf

Agradecimentos: Fernando Bianchi de Aguiar, Mariana Ary, Ana Cristina Ruano, Afonso Ruano, António Afonso Pimentel, António Picotês, Frederico Machado.

sexta-feira, 17 de junho de 2022

O nosso tio de Ponte de Lima, João de Abreu Malheiro

 

©Manuel Cardoso

 


Na resenha genealógica da nossa família, este nosso tio, casado em 1925 com a irmã do meu Pai, Lygia da Conceição de Sousa Cardoso (1903-1939) e, oito anos depois de viúvo, em 1947, com uma prima direita da sua primeira mulher (Beatriz Maria de Nazaré de Sousa Pereira e Oliveira, 1913-1999), aparece resumidamente.

Nasceu em 11.10.1893 em Arcozelo, Ponte de Lima, e morreu em 4.09.1952 no Hospital da Ordem da Trindade, no Porto, tendo vivido em Macedo de Cavaleiros desde os anos vinte, onde foi solicitador judicial e escrivão de direito. Era filho de Abílio de Abreu Malheiro e de sua mulher Maria Rodrigues Guerra, neto paterno do Dr. João de Abreu e Lima Pereira Malheiro e de sua mulher e prima Joaquina Rosa da Cunha Fiúza, e neto materno de Manuel José Rodrigues Guerra e de sua mulher Maria Francisca Agra (este avô do Tio João, Dr. João de Abreu e Lima Pereira Malheiro, era filho de João Bento de Abreu e Lima Pereira Malheiro, da Casa de Penouços, Oleiros, Ponte da Barca, e de Joaquina Clara da Cunha, neto paterno de Bento José de Abreu e Lima Araújo, de Santa Maria de Souto de Rebordãos, Viana, FCR, da Casa da Gandra, e neto materno de Pedro José da Cunha, de Ponte de Lima, e de Maria Teresa, de Santa Marinha, Arcozelo).

A minha tia era giríssima e vistosíssima desde muito nova, trajava anos vinte up-to-date, cantava, dançava e era culta e o meu tio, de quem muitas pessoas me contaram histórias e episódios, era também culto e sedutor, escrupuloso em muitos hábitos, como se lerá, e, por isso, acima ter referido que “aparece resumidamente” no pequeno escrito genealógico.

Como já explicado por diversas vezes neste blogue e noutros textos, tendo eu nascido quando o meu Pai tinha 52 anos, fiquei desfasado em relação às gerações contemporâneas e já não contactei pessoalmente com muitos dos protagonistas da sua fase, mas, por testemunhos, documentos e reminiscências, fui construindo todo o pano de fundo no qual se desenha e pinta, de forma cada vez mais nítida, a constelação da nossa família. Como todas as constelações de astros, dotada de movimentos reais e aparentes, de ciência e de mitologia (de mitomania, também!!!). O tio Malheiro (como era conhecido), não escapa à regra.

Veio parar a Macedo numa janela de oportunidade: o movimento do tribunal na então progressiva vila justificava o seu lugar e trabalho, além de que deve ter tido uns ecos sobre a nossa família pelas estadias habituais e notadas em veraneio na Póvoa e um pouco pelo Minho. Além do mais, para chegar ou partir de Macedo, havia comboio, o que na época fazia toda a diferença.

Ponte de Lima já figurava há muito nos remetentes de correspondência das nossas casas de parentela de cá, havia relações antigas com os Alpoins, com o Conde de Aurora (que trocava pés de roseiras e efusivas notas sobre flores e perfumes com o nosso bisavô …) e uns quantos conhecidos de meu pai mais recentes, ligados ao regime ou na oposição, alvos de abraços nos cafés ao pé da ponte, onde se parava nas deambulações de Julho ou Agosto, trânsito sempre difícil e vigiado por guardas da PVT (Polícia de Viação e Trânsito), que tinham um posto característico, modernista, dos do Arquitecto Dário da Silva Vieira (1908-1956), tipo boné com pala (que, felizmente, ainda lá está)!

Ficou célebre, e tal tem de ser entendido à luz dos costumes da época, nada atávicos numa sociedade só aparentemente atávica, a forma como o Tio Malheiro se deu a conhecer na vida da Tia Lygia. Foi há quase um século. Ela mal teria vinte anos, terminara os estudos, regressara a casa, era frequente estar à sacada numa das duas salas da frente, a que se assomava a passar o olhar na pasmaceira da vila, no intervalo dalgum capítulo dum livro de Henry Bordeaux, em francês, ou duma das revistas assinadas, casa de médico. Do ouro lado da rua, no rés-do-chão de casa das nossas Tias Sousas (hoje demolida), no que fora o escritório do nosso bisavô Sousa, com placa de esmalte azul e branco cravada na parede a identificá-lo, o João Malheiro tinha a sua secretária e estante de papelada e sempre, sempre que ela vinha à sacada, ele aparecia na porta e fazia uma vénia com tanto de cerimónia como de galante, dirigida à Lygia. Se havia dias em que ele sumira porque ela o tinha visto sair, soçobrando a pasta dos processos rua adiante, para o tribunal, fechando a porta meticulosamente, saudando com chapéu levantado, encetando um andar cauteloso para que não houvesse poeira ou grão de areia a saltar-lhe para os sapatos engraxados e refulgentes, outros dias havia em que, estando a trabalhar ali, de cada vez que ela ia à sacada – ele aparecia na porta! Como seria aquela coincidência?

Ao fim duns dias e dumas quantas vénias, já com sorrisos, passados outros, com sinal de bilhete enviado por uma das criadas, passados mais outros ainda, com trocas de cartões perfumados, chegou o convite para o chá pela nossa Avó Micas, atentíssima. Só meses depois a Lygia descobriu – e contou em casa – como era a coincidência do surgir à porta quando ela ia à sacada: ele usava um espelhinho de bolso num estojo de tartaruga com que, antes de entrar em audiência no tribunal ou duma aparição pública no Saldanha ou na Associação, acertava a risca do cabelo e examinava o imaculado do colarinho e da camisa (sem o que, não entraria e teria de ir a casa aprontar-se). Ora, quando estava sentado à secretária no seu escritório, apoiava o espelho entalado numas resmas de papel ou contra a lombada dum volume do Diário do Governo num ângulo tal que, estando a ler ou a escrever com a pena de aparo, avistava as sacadas onde poderia aparecer a sua almejada! Daí ao ser pretendida, ao compromisso e ao casamento, foi com a velocidade dum charleston ou dum foxtrot.

Culto, inteligente e criativo, tenho imensa pena de não ter nenhum dos seus textos autógrafos, nenhum dos seus cadernos de diário (que não seria contínuo mas que seria de notas autobiográficas) nem nenhum dos seus poemas ou correspondência. Não faço ideia onde estarão e se é que ainda existem. Connosco, na nossa casa de Macedo ou na de Latães, não estão. Era um leitor compulsivo, sobretudo imprensa periódica e poética, romances, história. Assinou paulatinamente a edição dos fascículos do Felgueiras Gayo, que esmiuçava com esquemas, compondo a sua árvore genealógica, até ao dia em que apareceu na sala dos meus avós e seus sogros a dizer que “Nunca mais! Não lhe pago nem mais um fascículo! Não é que uma das minhas linhas entronca no Miguel de Vasconcelos?!”. Estando o país no fervor das comemorações patrióticas de 40, terá sido um nosso outro tio a continuar a assinatura do Gayo, para não ficar incompleta!...



Irei seguir, transcrito à letra, um artigo de Virgílio Pires publicado em 9 de Março de 2001 no Mensageiro de Bragança, intitulado História de Um Soneto Encantador:

“Estávamos no Verão do ano de 1951. Eu era aspirante de finanças em Macedo de Cavaleiros. Ali desempenhava também a sua profissão o Senhor João de Abreu Malheiro, mui ilustre Solicitador Judicial, que anteriormente havia exercido o cargo de Secretário Judicial, do qual se encontrava já aposentado. Tratava-se de pessoa séria e honesta, com uma formação moral exemplar, que aliava à sua elevada competência profissional uma conduta social impecável.

“Estas qualidades, que ele diariamente revelava não só no exercício da sua profissão, como em todas as suas relações de ordem social, granjearam-lhe enorme prestígio no meio. Nas contas que apresentava aos seus clientes era tão escrupuloso que o seu rigor e precisão iam, naquele tempo, até aos centavos.

“Com a sua pessoa era excessivamente cuidadoso. Levantava-se tarde porque a sua toilette demorava algumas horas a preparar. Vestia e calçava muito bem, apresentando sempre um porte impecável. O seu horror ao pó e ao lixo era sobejamente conhecido de toda a gente.

“Não guardava na carteira as notas que recebia dos clientes para pagamento dos seus honorários, sem que previamente as sacudisse bem sacudidas, uma por uma, e lhes soprasse várias vezes de ambos os lados.

“Em dias de chuva, podia atravessar qualquer rua encharcada da então vila de Macedo de Cavaleiros sem que nos seus sapatos se notasse depois qualquer pingo de lama.

“Certo dia, estava ele já sentado à mesa para almoçar no Restaurante Seixas, lá da terra, quando foi procurado por um seu cliente que, no fim da conversa, se despediu com aperto de mão. Tanto bastou para que o Sr. Malheiro tivesse que lavar novamente as mãos antes de retomar o seu lugar à mesa. Só que a cena repetiu-se por mais duas ou três vezes, porque o cliente se havia esquecido de alguns pormenores e voltava atrás para contactá-lo de novo.

“Era frequentador assíduo da Repartição de Finanças, mas normalmente a horas mortas, já depois de encerrada para o público.

“No Inverno, sentava-se connosco à volta da braseira e deliciava-nos com as suas histórias, anedotas, cantigas, poesias e outras manifestações da sua tão vasta cultura geral.

“Quando desejávamos que se retirasse, por já ser muito tarde, como ninguém tinha coragem de lhe pedir que saísse, bastava que auqlquer um de nós deixasse cair sobre o balcão, com algum estrondo, algum dos pesados volumes das matrizes prediais, para que a onda de pó que se gerava afugentasse imediatamente o Senhor Malheiro.

“Diabruras da juventude!

“Mas vamos à história do soneto.

“Os aposentados recebiam mensalmente a sua pensão em dias certos e pré-determinados, na Repartição de Finanças, que funcionava também como Delegação da Caixa Geral de Depósitos, entidade que, nessa altura, englobava a Caixa Geral de Aposentações.

“O Senhor Malheiro, durante esses meses de Julho e Agosto desse ano de 1951, ausentou-se com a família para a Póvoa de Varzim, onde costumava passar as suas férias e frequentar a praia.

“Antes de partir, pediu-me para eu lhe receber a pensão de aposentação desses dois meses e deixou-me ficar os respectivos recibos, por ele já preenchidos e assinados.

“Disse-me que devia guardar a importância total dessas pensões até ao seu regresso, salvo se ele me pedisse que lha mandasse por vale de correio.

“A certa altura, já muito perto do fim do mês de Agosto, recebi um postal do correio que dizia assim:

Meu Prezado Amigo.

 

Já bastante maltratada,

Quase exausta e combalida,

A minha bolsa exaurida

Toca a rebate, coitada!!...


Acuda à sua chamada,

Pois a pobre e desvalida,

Se não é já socorrida,

Dá ao Diabo a cartada.


São dois meses, note bem,

É só o que a triste tem

P’ra tomar algum alento.


Não se esqueça, veja lá,

Que outro remédio não há,

P’ra tão grande sofrimento.


Com os meus melhores cumprimentos para todos, agradece o amigo mt.º obrigado, João Malheiro

24-VIII-51

“Com a publicação deste magnífico soneto e narração dos acontecimentos que estiveram na sua génese, pretendo apenas prestar a minha simples e modesta homenagem à memória de um inesquecível e Ilustre Amigo, que muito admirei.

“A sua apurada e admirável veia poética está bem patente neste maravilhoso soneto que guardo religiosamente há cerca de cinquenta anos e já recitei várias vezes em convívios de amigos. Ainda conservo o postal do correio que o Senhor João de Abreu Malheiro me enviou e onde escreveu, por seu próprio punho, este soneto. (…) esta preciosa jóia poética, de valor estimativo e até literário incalculáveis”.

O Tio João Malheiro teve três filhos rapazes do seu breve casamento com a minha Tia Lygia e uma rapariga do seu segundo casamento com a Prima Beatriz Maria. Conheci-os muito fugazmente, infelizmente, mas muito melhor a sua filha Milú, e temos privado ao longo dos anos.

Ele e o meu Pai foram amigos chegados, tantas vezes cúmplices naqueles transes de vida que tornam mais firmes os laços. Uns, de aventura e riso – outros, secretos e sérios. E eu sinto esta coisa estranha e profunda, de se ter amizade a Tios que se não conheceram.


A foto da Tia Lygia e do Tio João foi tirada na Póvoa de Varzim, em Maio de 1925, durante a sua lua de mel.