sábado, 18 de setembro de 2021

Vinhas Velhas

© Manuel Cardoso

 

Há vinhas velhas péssimas e há vinhas velhas óptimas! Tal como há vinhos péssimos, bons e óptimos, feitos de uvas de vinhas velhas! Então, valerá a pena a distinção dum vinho por ser duma vinha velha e mencioná-lo no rótulo? Vale.

Ter num copo um bom vinho duma vinha velha é ter uma combinação, única e irrepetível em cada vindima, em que a complexidade é o seu carácter distintivo. Complexidade que vem da diversidade e da heterogeneidade das uvas que estão na sua base, tanto de castas como de diferentes maturações. Vinhos que são produtos de um field blend que os faz ter estruturas e texturas que podem e devem surpreender pela positiva, sobretudo se o trabalho perito de enólogo na adega modelou os taninos e deixou bem espertos os espíritos e aromas para um prolongado fim de boca de grande prazer. Um bom vinho duma vinha velha deve ser um suprassumo – embora nem todos o consigam!


Tem havido uma grande disparidade de definição de critérios para “classificar” uma vinha velha, a começar pelo da sua idade. Uns advogam 35, outros 80, outros 100, outros um outro qualquer número de anos, ainda por cima variáveis conforme os países e regiões! Do que nos tem sido dado perceber, fruto de muitos anos a provar “vinhos de lavrador” em pequenas adegas recônditas abastecidas por uvas de vinhas de gerações, cuidadas apenas nas horas vagas dos outros trabalhos agrícolas, com uma mínima ou nenhuma intervenção química, de cepas retorcidas no chão sem aramados nem esteios, é possível ser-se surpreendido por autênticas grandes pingas aí geradas quase ao acaso. De que castas? Uma Babel de sinonímias! De quantos anos? “Já do tempo dos meus avós, fui repondo as que secaram…”

Ora, há um ou mais pontos em comum entre estas vinhas velhas e as que, um pouco por todo o lado, existem nas quintas familiares ou de empresas: são vinhas de fim de ciclo das videiras ou, pelo menos, em declínio da sua produção e da sua pujança vegetativa, plantas com grande maturidade e baixa produtividade, menos cachos e menores, habitualmente em grande densidade de plantação e com castas tão diversas que chegam a bem mais duma meia centena numa mesma parcela. Quase se adivinha o esforço da cepa para produzir exíguos números de bagos! Mesmo que (prática atenta, oportuna e louvável dalgumas quintas) se vão fazendo reposições da mesma videira cujo clone é conservado em vaso ou num campo de conservação ex-situ, para a eventualidade provável dela secar, a maioria das plantas da parcela estará nas condições descritas, pelo que as qualidades de cada bago multiplicada pela variedade de castas, dará um mosto forçosamente diferente do obtido numa vinha pujante, jovem ou adulta e em plena produção: daí resultarem os vinhos de grandes e surpreendentes aromas, profundidade, complexidade e magníficos fins de boca, que um enólogo com expertise consegue na adega a partir do mosto das uvas duma vinha velha. Um excelente enólogo me dizia um dia, provando nós uns “vinhas velhas” a que vigiava a evolução, que era o que lhe dava mais sentido de realização, o conseguir fazer, para a empresa para que trabalhava, um vinho digno desse nome no rótulo, honesto para o comprador, se possível inesquecível para quem o viesse a provar e a beber!

Por isso, a questão da qualidade dos bagos e da sua variedade e heterogeneidade, numa vinha cujo tempo áureo de produção já passou, é mais importante do que o valor absoluto de anos de idade das suas cepas. Poder-se-á arranjar uma fórmula fácil para classificar uma vinha de velha em que os factores idade média das cepas, número de plantas, número de castas, e o que mais se quiser pertinente seja tido em linha de conta. Mas haverá que complementar isso com outra coisa para que o vinho possa ser “vinhas velhas”: uma prova profissional do vinho, feita pelo próprio enólogo do produtor, que avalie e assegure as características expectáveis – e as surpreendentes – para quem o consumir. Porque assim se assegurará a sua excelência e o seu valor e se garantirá uma remuneração justa no seu preço ao produtor, essencial para que perdurem as vinhas velhas e não esmoreça a willing to pay de quem o quiser comprar.     

Nem todas as vinhas velhas darão para se fazerem bons vinhos nem são a condição suficiente para tal. Mas perder a oportunidade de os conseguir a partir duma vinha velha que tenha esse potencial, pode ser perder para sempre um valor cultural e intrínseco que não será repetível numa vinha nova a não ser passados muitos anos. Não ter essa atenção pode ser uma perda irreparável. Por outro lado, vulgarizar-se a designação de “vinhas velhas” num rótulo só porque dá um adorno, se não tiver fundamento no field blend, pode significar uma desvalorização irrecuperável desta designação feliz.

Vale a pena, por isso, que ao rótulo corresponda uma história e descrição da vinha velha de que saíram as uvas desse vinho, que poderão e deverão estar online no site da empresa ou do produtor e acessíveis com dois ou três clics. A boa ética fará o resto para que o consumidor possa compreender o valor do vinho que tem no copo e saber que o que paga a mais não tem só a ver com as uvas em si mas com toda a história da vinha e do vinho e consigo próprio, por ser um privilegiado e pertencer a uma minoria no mundo a poder contribuir para a preservação da biodiversidade e do património vitícola sempre que está a provar e a beber um produto de savoir faire e de civilização!

O estudo e conservação das vinhas velhas deveria merecer, numa check-list de avaliação de sustentabilidade duma exploração vitícola, uma consideração especial como menção na certificação dessa mesma sustentabilidade, na sua valência cultural.

Conservar uma vinha velha é salvaguardar a história viva e beber um copo dum vinho genuíno duma vinha velha, ainda por cima se for bom, é algo que harmoniza gastronomicamente com muita coisa e que a nós, felizes bebedores, harmoniza com a mais antiga e fantástica bebida de alegria.   

5 comentários:

manuel cardoso disse...

Recebi do Eng. Luís Pato o seguinte e importante comentário: Fui o primeiro a mencionar Vinhas Velhas no rótulo, como indicação duma melhor qualidade, mas não tudo!As Vinhas Velhas produzem menos pela idade e doença das cepas e têm raízes mais profundas, logo menos sensíveis ao aquecimento global.

manuel cardoso disse...

Do Eng. Carlos Pereira, do Centro de Estudos Vitivinícolas do Douro, recebi o seguinte comentário: Moreira da fonseca atribuiu classificação maxima no parametro idade, metodo de pontuação DO Porto, a partir dos 25 anos...
Sim, idade e qualidade...

manuel cardoso disse...

Do Nuno Neves , de Santa Valha, recebi o seguinte whatsapp: Muito interessante
Tem que vir conhecer as nossas vinhas velhas.
A nossa vinha velha mais nova foi plantada em 1916, pelo meu trisavô.
Temos outra parcela com videiras que ainda terão sido plantadas em pé franco, são pré filoxera, gostava de provar isso, talvez se consiga um dia.

manuel cardoso disse...

Do Paulo Osório: Muito bom, Caro Manuel Cardoso.
Gostei do texto, com o qual concordo.
Sensiblidade e Bom Senso! Com conta, peso e medida.
Assim deveria ser também a regulamentação dos Vinhos de Vinhas Velhas.
Não sendo assim, teremos que continuar a "teimar" para que os consumidores interessados se possam informar.
E, os reguladores também, que muitas vezes precisam. E não há mal nenhum.
O mal é quando não se quer debater e esclarecer, esta e outras matérias de tão grande importância, Cultural, Social e Económica.
Com as "trevas", e com a demagogia, perdemos todos e perde a Nação.
Forte abraço.
Paulo Osório

manuel cardoso disse...

Recebi o seguinte comentário muito sugestivo! """ [20/09, 16:44] Justino Soares: Caro Dr. Manuel Cardoso, muito interessante o artigo sobre as vinhas velhas que tão valiosas são e que tanto tentamos proteger. Entretanto finalmente foi regulada a designação de vinhas velhas, pena que tenhamos sido apanhados de surpresa com as regras definidas uma vez que quase todas fazem sentido, à execpção do limite de produção de 50%...porque não 40% ou 60%? E se uma determinada parcela de vinha velha tiver uma produção superior aos 50% o que se faz ao remanescente? aprova-se sem esta classificação de VV, com clara perda de valor para o operador, região, etc... Jjá para não falar que a definição deste tipo de regulamento faria mais sentido se coordenada com outras regiões, pois amanhã um cliente entra num supermercado/garrafeira e vê dois vinhos com vinhas velhas no rótulo, um do Douro (que tem de cumprir esta novas regras) a um poreço e um outro de uma outra região (que não tem estas regras)...saberá o a diferença entre um vinhas velhas do Douro e de qualquer outra região?! provavelmente a única diferença que observará será no preço... oxalá que não seja mais um caso em que as boas intenções tenham efeito contrário, ou seja, ao invés de defender, promover e valorizar as VV, se esteja a arranjar forma de acabar com elas...Enfim, um tema que de tão interessante daria certamente para uma longa discussão, de preferência acompanhada de um bom vinho de vinhas velhas! """