terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Exposição de Pintura
de 15 de Dezembro de 2008 a 3 de Janeiro de 2009
Summertime http://adriveinmycountry.blogspot.com/2008/08/summertime.html é muito mais difícil de entender no Inverno. Mas é quando sabe melhor. Olhar para trás, para dezenas de anos atrás e sentir o que é ter uma folha em branco no dia em que se começa a escrever.
“One of these mornings
You're going to rise up singing
Then you'll spread your wings
And you'll take to the sky”
Com Gershwin é muito mais fácil de entender, mesmo no Inverno. E é quando sabe melhor. Voltar atrás, ouvir a faixa desde o princípio e sentir o prazer de recomeçar, não importa a idade, recomeçar com o sabor e o saber de já o ter feito um dia.
As quatro telas Summertime aqui expostas são quatro reinícios de um mesmo tema. Que não pararam ainda.
O Vislumbre de Aleph é ainda uma primeira versão e só uma primeira versão do Aleph. O de Borges (não ponho a imagem em post).
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
NATAL ?
Uma amostrinha:
À procura do Natal
Caminho em busca do presépio
a noite inteira, meu Senhor.
Não haverá, porém, nenhuma estrela,
para guiar meus passos.
Todas as estrelas estarão imóveis
No céu imóvel.
Não haverá nenhuma estrela
para mostrar o lugar em que te encontras.
Caminharei em busca do presépio,
a noite inteira, meu Senhor.
As estradas, porém, estarão solitárias,
tudo estará adormecido,
as luzes das casas, apagadas,
as vozes dos peregrinos terão morrido
na distância sem fim.
Caminharei ansioso à tua procura,
mas estarei tão atrasado,
o tempo terá caminhado tão na minha frente,
que me será difícil encontrar teu recanto humilde...
Cansado, encontrarei grandes cidades,
mas a tua cidade, Senhor, terá desaparecido.
Poema de Augusto Frederico Schmidt (1906-1965)
sábado, 29 de novembro de 2008
NEVE !
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
sábado, 22 de novembro de 2008
UM TIRO NA BRUMA - À conversa com o autor
Apesar do livro do Dr. Manuel Cardoso, “Um tiro na bruma”, ter sido só lançado em Março deste ano [2007], já vai na segunda edição. Motivo pelo qual consideramos interessante abordar o autor e questioná-lo sobre este seu primeiro “ grande romance histórico-policial que retrata a sociedade portuguesa no início do século XX”.
Carla: Boa tarde Dr. Manuel Cardoso, médico veterinário e romancista trasmontano - e não me refiro às origens, mas à escrita, transmontana pura…define-a assim?
Manuel Cardoso: Por acaso não defino. Eu não partilho essa ideia de que haja entre nós, trasmontanos, uma escrita própria ou uma mentalidade aparte. Talvez uma perspectiva original que nos leva a escrever de uma determinada maneira porque vemos as coisas com outra luz, esta luz fantástica do interior de Portugal, mas não uma escrita própria. Isso seria, até, redutor. Repare no caso de Torga: defini-lo como “escritor trasmontano” é uma forma não inocente de muitos o reduzirem, o apoucarem, o tentarem colocá-lo só neste cenário que os citadinos imaginam e descrevem como “detrás do sol-posto”. Tenho imenso orgulho em ser trasmontano e em ser escritor. Mas como escritor sou de Portugal e de todo o mundo e não apenas de Trás-os-Montes. Como alguém disse, e muito bem, “a minha pátria é a língua portuguesa”, e eu subscrevo.
C: Após o lançamento do livro falou-se muito que este se destinava essencialmente às gentes de Macedo de Cavaleiros que se identificariam com os locais, as personagens e a sua história. No entanto, pelo sucesso alcançado, verificamos que despertou interesse em todo o país. Um retrato trasmontano abarcando temas da sociedade portuguesa como a implantação da República, a guerra e a pneumónica…
MC: Tem razão em dizer que é um retrato trasmontano. Mas é precisamente um retrato trasmontano que situa e enquadra todo o cenário em Portugal e no mundo. Aqui é Portugal e é o resto do mundo simultaneamente. Nós não somos os coitadinhos que estamos aqui atrás das fragas: somos pessoas que fazemos parte da história de Portugal e da história do mundo. Como tal, o que se passa no país reflecte-se aqui e o que se passa aqui, até um pouco à luz das modernas teorias do caos, reflecte-se no todo e no resto do país. De uma forma aparentemente imperceptível mas reflecte-se. O retrato que o livro dá da época, aliás, a sucessão de retratos, é um conjunto de imagens que foram comuns a todo o território e a muitas, senão todas, as famílias de Portugal: as dificuldades sentidas com a implantação da República e com a I Grande Guerra, a sensação de insegurança e de “fins dos tempos” que então se experimentou, o medo da pneumónica, o luto da pneumónica, a fractura política que deixou sequelas, tudo isso são assuntos que, como uma teia, foram comuns ao todo nacional. Curiosamente, no meio de todas essas convulsões e desvarios houve uma instituição que perdurou e que permitiu a sobrevivência: a família. A Igreja esteve em apuros e foi perseguida, a sociedade esteve a ponto de se desarticular, o país esteve à beira de uma guerra civil medonha, a liberdade que a maçonaria e a carbonária estrangularam, a caricatura de democracia que o regime representou nessa I República, tudo isso esteve a ponto de colocar todo o país na bancarrota e de submergir a população numa crise que só teve paralelo nalguns períodos da nossa primeira dinastia, em plena Idade Média. O que nos safou? A família. Por isso o livro é um retrato de família, um retrato de família trasmontana.
C: Segundo os macedenses mais velhos, existe um fio muito fino entre a ficção e a realidade, o que me leva a dizer que houve muita investigação? Quer-nos dizer quanto tempo levou a investigar para escrever este livro e onde o fez?
MC: Desde há muitos anos que investigo coisas de índole variada mas quer investigações de família quer sobre a história da nossa região sempre me interessaram muitíssimo. Fui coleccionando dados ao longo de muitos anos e tenho-os guardado à espera de serem úteis. Um dia houve o clic para escrever este romance. Fiz umas pesquisas e reparei que não havia um livro recente sobre este período da nossa história e sobre este período em Trás-os-Montes, que foi muito movimentado, como se pode ver. Alinhavei uma estrutura geral e depois estive a investigar minuciosamente todos os pequenos episódios, todas as mortes – tenho anotado todos os mortos da pneumónica no nosso concelho com nomes, datas, locais de enterro e tudo! Consegui reconstituir famílias e criar para mim próprio um cenário virtual com personagens que foram reais, que existiram e que viveram mesmo nas circunstâncias em que conto no livro. Houve momentos em que estava a ler e a estudar os livros no Registo Civil de Macedo e no Arquivo Distrital de Bragança e que me parecia, quando saía á rua, que tinha estado a navegar no tempo e a conviver com pessoas que já morreram! Para mim estavam vivas ainda! Só iam morrendo conforme eu ia escrevendo as páginas do livro, o que me levou, na recta final de escrita, um pouco mais de três meses. Em investigação directa, feita já no decorrer da redacção, e na redacção propriamente dita gastei pelo menos um ano.
C: O Dr. Amadeu, personagem principal, médico, sem recursos, mas com uma grande visão e generosidade, foi o “herói” que esta terra precisava na época. Em que ponto se corta aqui o fio entre ficção e realidade?
MC: O doutor Amadeu não foi um herói, foi um homem com defeitos e qualidades. Bem, os heróis também têm defeitos e qualidades… mas quero dizer que o que ele fez – e não foi o único médico a viver em Macedo nesse tempo, já uma vez, a propósito da história do hospital, tivemos a oportunidade de escrever sobre isso -, o que foi fazendo ao longo de toda a história, foi o que um humanista faria. Tinha defeitos que o celebrizaram negativamente na nossa família e na sociedade da época, digo e explico isso no prefácio, mas tinha qualidades e foi num balanço entre uns e outras que eu coloquei a medida do que haveria de escrever sobre ele. Penso que apresentei dele um retrato aproximado e real, embora haja algumas facetas da sua personalidade que os anos haveriam de realçar em detrimento de outras, creio que é assim com toda a gente. Como a memória que ficou dele foi, sobretudo, a de quando ele era mais velho, daí um certo descolamento que possa ser notado. Mas do que li do que ele deixou escrito, do que me chegou de testemunhos e do que foi a sua infância (era filho de um padre e viveu com a mãe e com o pai…), creio que compus um personagem à altura – embora ele fosse baixo… Contudo, há ainda uma coisa que gostaria de dizer: o doutor Amadeu não é o personagem principal do livro… é um protagonista, um dos protagonistas. Personagem principal é algo mais subjacente, menos aparente mas que está lá sempre… não vou dizer mas houve um dos leitores que o notou e que lhe fez referência expressa!!!!
C: A Micas…a minha personagem favorita, uma mulher com muita classe, que ultrapassa as desilusões da vida com o brilho natural feminino retrata as mulheres da época? Submissas ou lutadoras?
MC: Curiosamente, nessa época e ainda muito hoje em dia, qual é a mulher trasmontana que não é lutadora por ser submissa e que não é submissa por ser lutadora? A verdadeira força de uma família, o verdadeiro esteio de uma casa trasmontana está em quem? No homem, que passa a vida fora de casa, bebe, joga, arrasta a asa a outras mulheres ou na mulher que é quem tem os filhos, quem os trata, quem os chora e os enterra? Quem é que cozinha, que colhe, que cava a horta, que varre, que lava, que reza, que canta e encanta? Trás-os-Montes foi talhado pelas mulheres, foi feito pelas mulheres. Talvez por isso o ondulado das nossas serras pareça um grupo de mulheres deitadas, num descanso de mitos ou num encanto de fadas. A Micas foi o esteio da casa. Tinha sido educada para isso, até, talvez, para muito mais… mas tinha personalidade e carácter. Força. Capaz de estar para lá dos acontecimentos e ver para lá das circunstâncias. Era, na vida real, uma senhora muito culta. Divertida e séria, está a ver? Divertida, a ponto de aconselhar as netas a ter muitos namorados sem namorarem com nenhum, e a entusiasmar-se com jogos de hóquei. Mas séria, soube fazer opções certas no meio de tormentas, sabendo separar o essencial do acessório. Autenticidade. Era uma senhora com autenticidade que é uma característica hoje em dia muito pouco cultivada, nesta época em que a superficialidade e o usar-e-deitar-fora são dominantes da falsa cultura em que navegamos… A Micas é alguém que merece ainda mais do que estar apenas neste livro…
C: Sendo o livro também policial, só se resolve o mistério mesmo na última página. Deliberado, para aumentar o interesse?
MC: Deliberado, para surpreender o leitor. Foi uma espécie de brincadeira minha, se me permite. Gosto dos desfechos inesperados. Servem para que se reflicta mais sobre o que se acabou de ler. Para que se pense,”afinal isto não era assim e aquilo tinha de ser assado…”. Servem para contrariar a não-cultura de hoje em dia, se quiser, já que é uma maneira de dar a ler uma coisa que, apesar de estar no final, se reconhece ainda não estar pronta ou compreendida na sua totalidade…
C: E agora? Projectos para o futuro? Para quando um novo livro? Histórico, policial, romance?
MC: Eu estou sempre a escrever, nem que sejam pequenas histórias e artigos! Mas quanto a romances… estou, de facto, a escrever. Ainda não tem título definitivo. Mas posso-lhe dizer que tem a Micas! E estou também a escrever outra coisa, totalmente diferente, que tem a ver com um escritor argentino que me é muito caro por ser um génio a quem não foi dado o prémio Nobel (escrevia bem e, normalmente, os que melhor escrevem não recebem este prémio!) e por ter sido aquele que, juntamente com Fernando Pessoa, mais janelas me abriu de prazer no permanente encanto que é o de escrever: Jorge Luís Borges! Se o que estou a escrever é romance, história ou policial ou ficção pura, isso deixo aos críticos classificar porque de crítica literária não percebo nada ou quase nada. O que eu gosto é de ler e escrever, literariamente falando. E de viver. Dando, para isso, de vez em quando, uns tiros na bruma dos nossos dias e bebendo uns copos de vinho, que é uma óptima tinta de impressão!
C: Obrigado por esta entrevista!
MC: Obrigado eu, por me ter dado tanta importância!...
terça-feira, 18 de novembro de 2008
Uma ida para os Açores
Excerto de uma carta escrita pelo Tio Abel a contar a sua ida para Vila Franca do Campo. É natural que a grafia de alguns termos vá sendo alterada neste post ao longo dos próximos dias, conforme lhe fizer a revisão. Vou fazer com que fique tal e qual ele a escreveu.
DE LISBOA A S.MIGUEL
- No mar –
A hora de embarque estava marcada para as 10 horas da manhã. O “Açor” estava atracado à muralha do cais, em frente à Rocha do Conde de Óbidos, um pouco abaixo de Santos. Às 10 menos um quarto cheguei a bordo; estavam já quasi todos os passageiros; procedia-se ao embarque de bagagens. Soube-se que a hora de partida fora mudada para o meio dia por causa das malas do correio. Encontrei a bordo o delegado que ia para as Flores e um advogado de Ponta Delgada. Entabolamos conversa, como se fôssemos conhecidos velhos e passeámos no cais para nos despedirmos da terra que com muito custo íamos brevemente deixar.
O meu colega das Flores, formado 6 anos antes, de 30 anos de idade, dizia, mas parecendo ter mais 3 ou 4, estava inconsolável, porque deixava em Verride, próximo a Coimbra, mulher e dois filhitos. Conversando, foi-me dizendo que levava tantos com quantos pares de meias, etc. 5 ou 6 fatos, não sei quantos chapeus, etc.etc. e até quanto dinheiro (que só levava 200:000 £); insistia muito em que não receava as dificuldades no exercício do cargo, porque tinha advogado seis anos, tinha servido de delegado, que apesar disso tudo e do bom concurso que fez apanhou dois EE, isto é, passou pela tangente. Esta insistência na sua prática, etc., mais me fazia desconfiar da sua ciência. Enfim deu-me uma maçada bem razoável com minúcias e coisas que nada me interessavam e deixou-me de si uma fraca ideia relativamente a fósforo. Depois durante a viagem serviu-nos um pouco de bobo, saindo-se às vezes com uns ditos a tempo. As senhoras também se riam. Uma disse-me – este seu colega é duma ingenuidade... – Próximo ao meio-dia chegou o alferes Rosa e senhora (Rica, d’aí). Pouco depois dava-se o 1º sinal; os que tinham vindo despedir-se retiravam para o cais, enxugando os olhos; e não eram só eles; os que ficavam a bordo faziam o mesmo, até os que não tinham ninguém a despedir-se...
Enfim largou, era meio dia em ponto. De terra acenavam com lenços e chapéus, de bordo todos correspondiam. Aí vamos Tejo abaixo. O dia nublado não nos deixou disfrutar bem aquele belo panorama que se desenrola à vista de quem desce o rio até S.Julião da Barra. D’ali a pouco, Lisboa ficava envolta em vapores aquosos que mal deixavam desenhar os contornos e ver muito confusamente a casaria. Triste despedida! Esta vista de Lisboa deve ter muitos mais encantos quando, entrando a barra, se subir o Tejo. Oxalá eu o experimente brevemente. – A carga do navio era enorme; os passageiros cento e tantos. Em terceira, e creio que em 2ª vinham à cunha. Em 1ª éramos vinte e tal. Todos estavam no convés. O tal delegado das Flores, o advogado, já velhote, que vinha de Lourdes, onde, dizia, tinha deixado de ser neurasténico; alferes Rosa com uma criança e mulher; outro e filha de 11 ou 12 anos; um major, um fagulha que não estava quieto e metia o nariz em toda a parte, e filho, estudante de preparatórios, outro tal como o pai; um estudante de medicina, mulher e filhito; um negociante de Ponta Delgada; outro ilhéu; o meu companheiro de camarote, rapaz de 18 anos, pouco mais ou menos, que fazia muito bem o papel de mudo; uma velhota, toda amável, e uma neta dos seus 18 a 20, nada desagradável, que viveu em ponta Delgada e têm casa e muitas propriedades aqui, em Vila franca; e não sei se mais alguém. – Passámos a Barra à 1 hora e 10 minutos; nesta altura desapareceram alguns, isto é, foram recolhendo ao beliche. O mar fora estava um pouco picado; começava o balanço. Às duas passávamos o Cabo da Roca; foi lançada a barquinha para medir o espaço que íamos percorrendo. Comecei a não me sentir bem. Às duas e meia, pior e dirigi-me para o camarote, seguindo o exemplo de outros; o tal meu companheiro já lá estava encafuado no beliche: mal ali cheguei lancei os restos do almoço que ainda tinha no estômago e deitei-me. D’ali a pedaço lá senti ir alguns, poucos, para a mesa. Eu continuei enjoado, com vómitos muito frequentes, sem nada no estômago, lançando apenas água, outras vezes nada. Assim passámos a noite eu e o meu companheiro, um em frente do outro a vomitar ao desafio. O vapor dava balanços enormes, quase que se tombava; as ondas varriam o convés; nós como que navegávamos por baixo de água. D’aquele ruído contínuo sobressaía, de vez em quando e depois mais frequente, um estrondo que algumas vezes se me semelhava a um trovão; era o hélice que muitas vezes trabalhava em vão. Passei uma noite horrível e, mais que uma vez, pensei em que por aquele preço não valia aceitar o despacho. No dia seguinte, Domingo, o tempo e o mar não estavam melhores, no entanto o meu estômago, já um tanto habituado aqueles movimentos, estava um pouco mais sossegado, e aí pelo meio-dia piude beber talvez decilitro e meio de água de um caldo de galinha, que conservei. Era o primeiro alimento que tomava desde o almoço às 9 do dia anterior, nem água tonha bebido. Às 4 da tarde deste dia (17) bebi outra água de caldo que pouco depois vomitei. Na segunda-feira (18), apesar de ter passado a noite de domingo mal, porque o balanço foi medonho, já tomei dois caldos e à noite chá, tendo-me levantado um pouco à tarde. Até este dia (18) ao meio dia atrazámo-nos um dia na viagem. Desde as 2 da tarde de sábado até às 12 de domingo andamos 170 milhas,; até ao meio-dia de segunda (2º dia) 136 milhas. (cada três milhas regulam por uma légua). Nesses dois dias o mar foi tão forte que algumas ondas passavam por cima do cano da chaminé do vapor, entrando água para dentro. Na segunda à tarde tornou-se muito melhor, mas não bom, e assim se conservou sempre até à ponta da ilha. Até ao mei-dia de terça (19) andamos 230 milhas. Era neste dia que devíamos chegar a S.Miguel se não fosse o atraso que sofremos. Levantei-me logo de manhã bem disposto, tendo passado uma noite razoável, e fui para cima; já se podia sair para o convés sem perigo de tomar banho. Apareceu muita gente essa manhã. O almoço foi a refeição mais concorrida de toda a viagem. Eu comi, não muito, mas com apetite e sentia-me bem, só as calças me andavam a cair; efeitos daquele jejum de três dias. Tudo foi para a sala do convés. A velhota apresentou-me à sua neta. Houve cavaqueira animada até ao jantar, sem deixarmos de ir sempre razoavelmente embanados, o que fez com que as senhoras se retirassem um pouco antes do jantar, a que só assistiu a velhota. Vimos um vapor não muito longe, que devia dirigir-se talvez para o Estreito de Gibraltar. Não se chegou à fala. Eu jantei bem, à noite tomei chá e só fui para o beliche depois das dez horas. Enfim, se não fosse o ver-me só e a ideia de que cada vez mais me afastava dos meus, tinha sido um dia bom e eu considerava-me apto a andar assim embalado muitos dias. Demais tinha a consolar-me que, indo passageiros que tinham feito muitas viagens, todos enjoaram; até uns marinheiros da armada que vinham na 3ª classe; dos próprios criados e empregados de bordo, poucos escaparam; e mesmo o capitão confessou que tinha tido o seu incomodozito de cabeça. – Alguns passageiros diziam ter sofrido grandes tempestades e temporais mais violentos e não enjoarem; mas desta vez encontramos a mar assim picado logo à saída da barra, quando o estômago não estava ainda habituado ao balanço, e conservou-se assim constantemente quase três dias. Que nós não tivemos o que se chama tempestade, nem estivemos em muito grave perigo; foi o vento que levantou assim o mar, e que soprava contrário ao nosso rumo. Neste dia 19 ao meio dia tínhamos, desde o Cabo da Roca, 536 milhas andadas, faltando-nos 214 até à ponta da ilha. Sabíamos por isso que na manhã seguinte teríamos terra à vista. Efectivamente na quarta-feira todos se levantaram cedo para ver a tão desejada terra, que lá estava em frente coroada de nuvens. Para o Sul víamos também a Ilha de Santa Maria, uns picozinhos que se desenhavam vagamente e muito distantes. S.Miguel fez-me lembrar um pouco a nossa Serra de Bornes, vista de longe. Apresentou-se-nos pela extremidade leste e por isso com pouca extensão, pois que o seu maior comprimento (18 léguas) é de leste a oeste, podendo apreciar-se pelos lados norte ou sul. – Mesmo á nossa frente estava uma povoaçãozita a meio da encosta com as casinhas muito brancas, que subindo pelo monte pareciam os degraus de uma escada. Tomamos pelo sul da ilha, eram 10 horas e meia, para nos dirigirmos para Ponta Delgada, que fica na cista sul a 25 milhas por mar, e aí a 12 léguas por terra, da Ponta de Nordeste, que primeiro se encontra, indo de Lisboa. No centro da ilha picos bastante elevados, depois vêm outros mais baixos, depois outros até à costa que em parte é muito alta. Assim é a copsta leste e a do sul até próximo a Vila Franca; apenas onde há ribeiras é acostável e aí em geral há uma povoação. A aparência geral é agradável; muita vegetação e as casas todas a branquejarem, nas mais pequenas aldeias.
Fomos passando em frente da costa sul. Além de outras povoações, lá estava o Faial da Terra, aldeia com a aparência de uma vilazita, e bonita, com a sua igreja com torre, muito bem situada num valezito ao pé duma ribeira. A vila de povoação, não tem tão boa aparência e dizem-me mesmo que é feia; fica situada numa poça muito apertada, cercada de montanhas que nela despejam as suas águas, com uma única saída para o mar; por isso está sujeita a perigosas inundações. Depois d’outras aldeias pertencentes à comarca de povoação, aparece-nos a Ponta Garça que parece um interminável carreirão de formigas brancas. È uma rua só, mas com uma boa légua de comprida; está situada num campo ao correr das montanhas, compreendido entre o sopé destas e a costa que é alta. Adiante abaixa mais e forma uma baía ao princípio da qual temos a Ribeira das Tainhas e Ribeira Seca, povoações que já pertencem à freguesia de S. Miguel de Vila Franca. Esta ocupa o resto da baía e apresenta do mar uma vista lindíssima, com a casaria branca, as igrejas, torres e outros edifícios maiores a sobressaírem; estufas dentro, em volta, por toda a parte, (são de lá os melhores ananazes da ilha). Aqui o campo até ao sopé dos montes é muito mais largo. A vila ocupa bastante extensão tanto em comprimento como em largura. Ao fim (poente) da vila a terra faz uma pequena ponta que termina a baía, e que parece ser continuada pelo ilhéu, que fica um pouco desviado da costa. Este ilhéu parece ter estado unido á ilha e que talvez os tremores de terra e erupções vulcânicas, que ela muito sofreu, o fizessem separar. Para além da ponta temos outra baía; mas esta, das suas três léguas, e vai tyerminar a Ponta Delgada. Antes, porém, fica Água de Pau, com a sua serra de muita e boa água que abastece a cidade; Vila de lagoa, povoação importante, cabeça de concelho, pertencente à comarca de Vila Franca, é tão grande como esta e tem uma boa fábrica de destilação de batata doce que aqui se cultiva em grande escala. Depois Rosto do Cão, etc., e por fim a cidade que é bastante grande e que do mar tem uma linda vista. Para lá da Serra d’Água de Pau a ilha é muito menos montanhosa, elevando-se mesmo o centro a muito menos altura. – Chegamos finalmente ao porto pouco depois da 1 hora deste dia 20, quarta-feira, demorando quase três horas desde a Ponta de Nordeste. O vapor apitou apitou, lançou ferro e deu um tiro de peça, como costuma fazer para anunciar a chegada. Começaram a enxamear os barcos e depois de feita a visita médica houve um extraordinário movimento a bordo: os que vinham esperar os seus parentes e amigos, entravam, abraçavam, beijavam, cercavam os recém-chegados que tinham a alegria no rosto; outros iam desembarcando e seguindo nos escaleres para terra. Que animação!... que alegria, que satisfação, especialmente nos que chegavam a suas casas, ao pé das suas famílias! Mas…, que tristeza!..., eu também chegava e… não tinha ali ninguém: nem família nem amigos; tudo estranhos! Pelo contrário, a chegada dava-me a certeza da grande distância que me separava dos que me eram caros. E em volta de mim tanta alegria!...
domingo, 9 de novembro de 2008
não há dias iguais

terça-feira, 30 de setembro de 2008
CRISIS ? WHAT CRISIS ? THIS ONE ?
A actual crise financeira que assola o mundo não é apenas mais uma crise do capitalismo financeiro. É a crise do capitalismo financeiro. A que vai fazer com que, por muitos e bons anos, nada vá ficar como dantes.
De facto, os anos de progresso e de riqueza que impregnaram o modo de vida dos países desenvolvidos tornaram cada cidadão um agente dum materialismo triunfante que reduz o êxito e o sucesso à capacidade de cada um gerar lucro. Mesmo os fins científicos das descobertas e as suas aplicações técnicas, até as questões da ecologia e da conservação da natureza, desde há anos que vêm estabelecendo para si uma meta algo equívoca, escondida sob o suave rótulo de “sustentabilidade”: gerar lucro. Como se toda a política, toda a acção humana, tudo o que não gere um certo lucro, seja considerado insustentável pelo homem, relegado para segundo plano, recusado como desnecessário ou impossível.
Onde nos levou isto? A aqui e hoje: a uma crise da e na abundância, a uma crise que não vai deixar nada como dantes. E ainda bem.
Desde há gerações que o materialismo, seja o materialismo dialéctico seja qualquer outro, se tornou no pensamento dominante dos quadros dirigentes. Polvilhado de preocupações sociais, para embrulho (o Jacinto, o nosso da Cidade e as Serras já se dizia socialista, lembram-se?) dos quadros dirigentes em termos políticos, científicos, quaisquer outros. De tal modo que os programas de ensino, os programas de governo, os programas de gestão de empresas, de autarquias, de quase tudo, são programas feitos com essa informação materialista e com a medida da ambição de um dólar ou de um euro.
Mas acontece que o homem necessita de muito mais do que dólares e euros investidos em bens materiais. O homem necessita de respirar muito acima e de aspirar a muito para lá do que sejam as contas de dólares e euros. O homem necessita viver.
Esta crise, com lições a muitos níveis, deve merecer-nos mais do que uma reflexão. Mas uma é já evidente: a de que não basta, aos decisores, serem técnicos e saberem fazer contas. Têm de saber muito mais e de ser muito mais. A começar por saberem ser homens.
Que é que quero dizer com isto? Quero dizer que não basta aos decisores serem tecnocratas de curriculum brilhante, têm de ser também humanistas. Esta crise é o resultado de nas últimas décadas, pelo mundo fora, ter havido um forte investimento científico e técnico e muito pouco ter sido feito nas ciências sociais e humanas. Que relevo se tem dado ao discurso literário, histórico, filosófico, artístico? Que notoriedade e influência têm hoje em dia aqueles que ensinam ou reflectem sobre estes temas? Reconhece-lhes importância para dirigir?
Pois é: confiámo-nos aos gestores, aos economistas, aos engenheiros, aos matemáticos de contas absolutas. Trouxeram-nos até aqui: a este resultado, ao de uma crise absoluta.
Estamos e vamos continuar a viver um período historicamente difícil mas empolgante. Já estou preparado. Recomecei a ouvir os Supertramp!
terça-feira, 23 de setembro de 2008
século XX , século de contradições
O século XX foi um dos mais mortíferos, senão mesmo o mais mortífero século que se viveu até hoje. A subversão de países, a fome, as duas guerras mundiais, as guerras da pré e pós-descolonização, as epidemias e a perseguição política de diferentes regimes deixaram no solo mais milhões de mortos do que os que viveram em todo o mundo nalguns séculos anteriores!
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
FRAGA DOS CORVOS
Para verem mais fotos podem pesquisar os álbuns do blogue ou irem para http://picasaweb.google.com/mcardoso.mmacedo/Arqueologia2008 Até já!
quarta-feira, 6 de agosto de 2008
summertime !
terça-feira, 5 de agosto de 2008
Expor em Bragança
Fui colocar os quadros em Bragança, no Hospital, num fim de tarde quente de Verão, depois de um dia cheio de peripécias e de trabalho. Ainda por cima tivemos de ir de vidros abertos, o Manuel, eu e uma amiga e colega dele, porque o ar condicionado da Primera que comprámos aos primos está com uma avaria e aquece por duas das saídas enquanto arrefece por outra! O rádio também não funciona pelo que levei o MP3 ligado e fiz todo o trajecto do IP4 com música (alguém de hé vinte e cinco anos não perceberia patavina deste parágrafo!).
Esta exposição (assim como a visão de qualquer destes quadros, em casa ou em qualquer lugar) é impossível de ser compreendida sem música, excepto quando se está perante os três estudos que restam do The Doctor. Para esses recomendo silêncio. Silêncio mesmo. De certeza que ouviremos vozes dentro de nós. Quanto aos três que sobram da série de música de cantochão, é como se quiser. Posso revelar que os pintei a ouvir Rachmaninov, o concerto número 2 para piano com o segundo andamento em repeat. Enquanto preparei os tons ou resolvi as inevitáveis dificuldades, Fly, de Sarah Brightman, o álbum todo, muitas vezes. E todos os dias, sol nascido, só no sótão de Latães, luz a aumentar e a lembrar-me que a essa hora a Mariana e os filhotes estarão a acordar, em Macedo e em Lisboa, Faith Hill, imensas dela. Não se riam. Mesmo quando já ninguém ouvir Faith Hill, it will be me!
terça-feira, 15 de julho de 2008
primeira exposição individual
The Doctor, emoções I, II, III, IIII
Sir Henry Tate encomendou a Luke Fildes, em 1887, um quadro de grande realismo e intensidade emocional, grande também nas medidas (166,4 cm * 241,9 cm) e no preço (3000£). A obra ficou terminada em 1891, foi apresentada por Sir Henry Tate em 1894 e, desde então, tem sido reproduzida milhões de vezes em litografias, gravuras, selos, postais, posters, etc.
Apesar de omnipresente e vulgarizada nos estabelecimentos médicos um pouco por toda a Europa e por todo o Mundo, nem por isso perdeu a sua força. É que cada pincelada estava embebida, mais do que em óleo e pigmentos, na saudade de um filho do pintor, morto de doença uma década antes. Na tela está também, com um vigor impressionante, um preocupado reconhecimento à devoção médica do Doutor Gustav Murray, que o assistiu até à morte.
Os quatro estudos agora presentes e inspirados nesta obra de Luke Fildes, The Doctor ©Tate Gallery, não são mais do que uma expressão de emoções e propostas de perguntas. Sendo a cena original o resultado de um memory sketch de 1877, presenciado e vivido pelo pintor, qual o papel do médico nesse momento e, depois, na tela? A curar a doença, aliviar a dor, a confortar o doente e os pais? Que mais? E será que hoje…
Depois de concluir o quadro e de receber o pagamento, Luke Fildes terá comentado que teria ganho mais se entretanto tivesse estado a pintar retratos de gente rica. Ainda bem que não esteve.
Neuma est Veritas
Esta série de quadros, genericamente intitulada Neuma est Veritas (se bem que já não sejam neumas primitivos a neles figurarem mas sim a notação perene da escrita de cantochão), é um conjunto de instrumentos como se as próprias telas emitissem sons. E não emitem? Não os ouvimos mesmo tapando os ouvidos? Atravessar o tempo e o espaço. Deixar de ter os pés no chão. Perceber a verdade. Ultrapassar a mortalidade. Música!
quarta-feira, 25 de junho de 2008
quinta-feira, 29 de maio de 2008
EMÍLIA

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