quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A Alma dos Vinhos de LISBOA The Soul of Wines

Há tempos, em Setembro, comemorando o aniversário da Mãe da Mariana, com missa e cocktail, no Rodízio, o meu cunhado João Ary e eu estivemos a conversar por largos minutos sob uma ramada perfumada de uvas tintas, castelão algumas, talvez moscatel pelo meio de toda a folhagem, anoitecia com luz atlântica. No dia seguinte, a Mariana e eu deixámos o sítio partindo para o nosso destino de Trás-os-Montes mas sem rota prévia, confiados no nosso instinto de aventura e sabor das estradas (sim, as estradas têm sabores, cheiros e cores, despertam aventuras e vontades). Parámos em Mafra, parámos aqui e ali, parámos em frente ao mar na Praia do Ouro a comer croquetes e bifanas e a beber um copo. Depois fomos para o interior, a  caminho das nossas serras, olhos com vontade de voltar um dia ao Oeste de Portugal, por onde o Favónio sopra abundâncias e pólenes, enchendo as velas dos moinhos e rodando as pás das eólicas, ondulando o mar até muito para cá da orla, fazendo-o galgar o Montejunto e Sintra para lá do Tejo. Esse Setembro passou, já foi há três meses. Só que o mês de Setembro é um mês de sortilégio, vindimas e âncoras, não tivesse sido ele o sétimo do ano clássico, remetido para a nona posição (9, número a reter a quem ler o livro a que nos vamos referir) por decisão de imperadores, estando na letra de canções, sous la pluie ou a outra de Bécaud, inesquecível e intemporal… e, por isso, reapareceu como um boomerang saído da bagageira dum carro, há meia dúzia de dias, entregue que me foi pelo Francisco Toscano Rico: quase três quilos de ciência, história, arte, flavour, terroir e beleza, tudo em forma de livro, comestível e muito bebível, trezentas e trinta e cinco páginas em pés de areia, barro, calcário, aluviões e húmus, escritas – que digo eu?! – cantadas em coro de vários naipes mas em que só por si cada cantor, solista afinado, tem a maestria de o fazer a capela porque todos eles afinaram pelo tom fantástico dado pela A Alma dos Vinhos de Lisboa. [1]



Para se ler apropriadamente, tem de se abrir de início uma garrafa de vinho leve, pelo menos de Colares nas partes mais eruditas, apurando num copo o sentido das frases, em mais outro a qualidade das fotografias e ilustrações, noutro ainda – podemos já ir num Bucelas – para a surpresa do que se aprende, conduzidos pelo António Ventura, reconduzidos pelo Vasco d’Avillez no emocionante se non è vero, è ben trovato, a justificar um Premium duma das quintas ou herdades de Arruda, de Alenquer, de Ourém... Já com esse lastro e antes de irmos às aguardentes da Lourinhã, há que espairecer um pouco pelas praias, pelas salas de museus e pontos de interesse, dançar em arraiais e subir e descer as ruas de Lisboa, inspirar ar e luz e deixar actuar a absorção dos doces e receitas – uma completa folie! – para nos capacitar a não deixarmos nenhuma página por ver, digo, nenhuma DO por provar! Sim, que se é já uma verdade indesmentível, a de que em Portugal pode haver todo o Mundo em vinhos, na região de Lisboa, na alma dos vinhos da Região de Lisboa, há quase toda a História do vinho de Portugal! Não sou eu quem o diz, são as testemunhas convocadas, além dos que já mencionei: José Bento dos Santos, Patrícia Serrado, João Valente, João Pedro Rato, Ricardo Bravo, Ricardo Junqueira, André Teodoro, Andrea Ebert, Sara Quaresma Capitão, Florbela Baptista, António Alexandre, João Rodrigues, João Simões, José Avillez, Miguel Laffan, Paulo Morais, Pedro Mendes, Sancho Esteves, Tiago Velez.

O livro é um monumento esteticamente bem conseguido e testemunho justo da região: setenta produtores de vinho dão pretexto e vontade para umas centenas de copos ao longo do tempo que se quiser e pelo espaço que se preferir. E podemos revisitar todos, não nos ficarmos por uma primeira vez, já que o tema pode ser glosado em rimas várias e interpretado em tocata e fuga, sinfonicamente ou em música ligeira! Para se ser fiel à matéria e argumentar devidamente, teríamos de escrever um livro a propósito deste livro. Mais vale gastar o tempo a sorvê-lo! Seria tão bom que um dia a Família e Amigos pudessem experimentar dos vinhos de Lisboa em série e em festa, explicados e bebidos… pelo que seria interessante que a minha Prima Beni, na Picanceira, se lembrasse de organizar uma tremenda prova dançante, memorável mas que, ao mesmo tempo, nos fizesse esquecer, pelo menos por um instante, estes tempos complicados que vivemos! Não é por acaso que tal lembrança ocorre: é que o subtítulo deste tomo de enoturismo da Região de Lisboa exprime elegantemente que Entre o mar e as serras há um território vinhateiro a descobrir, a provar e a ficar.

Meu caro Francisco Toscano Rico, bem haja por nos recordar, quase nas festas de Dezembro e de Ano Novo, que a surpresa, a boa surpresa, pode sempre estar onde menos a suspeitamos! Parabéns!                        



[1] A Alma dos Vinhos de Lisboa The Soul of Wines, gestor de projecto André Teodoro e coordenação de Patrícia Serrado, textos de Francisco Toscano Rico, António Ventura, João Valente, João Bento dos Santos, Patrícia Serrado e Vasco d’Avillez, edição da CVR Lisboa, Julho 2021, ISBN 978-989-33-2080-8. 

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