quinta-feira, 17 de março de 2022

Muito e bom marketing, para o futuro do vinho de Portugal

© Manuel Cardoso

 

Quer seja no curto prazo, quer seja no médio prazo, o futuro do vinho de Portugal dependerá do aumento da sua procura.

Que queremos dizer com futuro do vinho? Queremos dizer aumento do seu consumo, com aumento do seu valor. Não será compreensível de outro modo.  


Isto irá depender das técnicas vitivinícolas, das embalagens, do transporte, da eficiência de qualquer destes processos, da sustentabilidade económica das empresas e das regiões produtoras, das preferências do público consumidor? Dependerá disso tudo, no todo ou em parte. Mas sem aumento do valor do vinho, sem aumento do valor das uvas, o vinho não terá futuro.

Não há falta de oferta de vinho no mundo. Com oscilações de ano para ano, com vindimas diferentes, com origens nos mercados do novo mundo ou do velho mundo, a quantidade de vinho produzido não só não tenderá a diminuir, como, com alguma variação, poderá mesmo aumentar ao longo das próximas décadas, basta lembrar as novas regiões produtoras na Ásia, na América, até na Europa e, muito provavelmente e num muito curto prazo, no Norte de África. Não será, por isso, pela escassez, que o vinho poderá aumentar de valor. Mesmo com a actual perturbação séria da Guerra da Rússia na Ucrânia, as dificuldades dalguns circuitos de abastecimento serão contornadas e o mercado encontrará formas de recuperar (outra coisa será a questão do álcool e das aguardentes, com uma previsão dum aumento brutal de preços a curto prazo, se durável ou não, não sabemos).

O valor do vinho também não dependerá inteiramente (embora seja um factor importante) da qualidade, que se tem mantido numa ascenção apreciável, com padrões de exigência dificilmente imagináveis há meio século, e que, hoje, se encontra em marcas de gama de preço baixo a surpreender em concursos e a deixar atónitos alguns apreciadores exigentes. Embora, claro está, haja uma relação directa na qualidade e no preço já praticado, há, também, muitas excepções à regra. E não é difícil encontrar vinhos de preço médio com qualidade ao nível dos de preços mais altos (e vice-versa, dir-me-ão).

O imprevisível é sempre o factor mais certo de ocorrer e, por isso, já vejo o sorriso de alguns meus amigos, ao ler estas linhas, de que, “assim, é fácil: afirmar algo e o seu contrário é ter a probabilidade de saírem certos os vaticínios…” mas há o do início destas linhas, que é unívoco: o de que, o futuro do vinho de Portugal, dependerá do aumento da sua procura.

Tem-se feito muito e bom marketing, é inegável, e os números de exportações e vendas têm-no demonstrado. Há empresas de marketing a trabalhar bem, e muito. Mas terá que se fazer mais. Com um pensamento sempre subjacente: se, antigamente, com os meios que havia, foi possível fazer chegar a muitos destinos, mercados, lugares públicos e casas de pessoas, quer a imagem, quer a fama, quer as recomendações para se consumir o vinho português, com os meios de hoje tal tarefa deveria ser omnipresente e constante. Não me levem a mal, mas não resisto a deixar uma pergunta para reflexão: a publicidade ao vinho não estará a funcionar demasiado em circuito quase fechado e voltada para dentro do próprio sector? Não fazia sentido fazer uma grande abertura como fazem, aliás, algumas das marcas que já o perceberam e passaram a promover, nas suas campanhas, em maior escala e em locais e canais não habituais?

Um bem aumenta de valor, pela sua escassez perante a procura. Como não será provável que venha a haver escassez na oferta de vinho, quer nas gamas de qualidade mais alta quer nas outras, há uma maneira de criar a escassez necessária no mercado, para que aumente o seu valor: pelo aumento da procura. Que pode ser induzida.

Daí que o foco da fileira do vinho tenha de estar na criação deste aumento da procura. Com marketing. Marketing moderno e criativo, que capte novos consumidores e que faça com que os que o já são, tenham mais disponibilidade para pagar mais, por melhores vinhos. Correspondência com exigências do público? Sim. Mas não só. Criação, inovação, publicidade informativa e associação do vinho à história do nosso país, do mundo, da felicidade das pessoas.

Todos os anos, milhões de pessoas atingem a idade de poder beber responsavelmente. A maioria delas nunca provou vinho, nunca lhe foi feito um apelo para tal, nunca viu uma publicidade acerca da mais antiga bebida culta da civilização. Todos os anos há um novo público disponível para beber um copo. Nesse, está o grande potencial para aumento da procura. É ao ir ter com públicos novos que estamos a aumentar a base do consumo, que podemos aumentar a procura.

Mas não se pense só nos jovens, nem só nos turistas, nem só no estrangeiro. 
Pense-se em público de todas as idades, geografias, restaurantes e bares.
Pense-se em eventos, na praia, nas piscinas, nos festivais, nos pic-nics. 
Pense-se em todas as horas.
Pense-se fora da caixa. 
Pense-se fora da garrafa! Porque, para se valorizar o que está dentro da garrafa, há imenso a fazer fora dela! 

As imagens deste artigo são da revista Ilustração, propriedade da Livraria Bertrand, precisamente do último número publicado em 1939, tinha começado a II Grande Guerra na Europa. A revista suspendeu, com este número, a sua publicação, por causa das restrições do conflito. Está disponível na net, nos sites de hemeroteca.

2 comentários:

Miguel Pinto Felix disse...

Excelente e acertiva analise e reflexão.
É mesmo preciso pensar "fora da garrafa"!
Miguel Pinto Felix

F.Mascarenhas disse...

Excelente reflexão. É certo que há vinhos de baixo custo que nos surpreendem pela qualidade.Isso decoŕre do aumento geral da qualidade dos vinhos produzidos, que era uma utopia há cinquenta anos.As promoções vêm tendo essa tendência de se transformarem em exibições de vaidade entre alguns produtores, longe do que deveria ser o seu público alvo.O marketing deve ser feito por profissionais de marketing para o Mundo e não para uma sala restrita, onde vão
"os do meio".