© Manuel Cardoso
Quer seja no curto prazo, quer seja no médio prazo, o futuro do vinho
de Portugal dependerá do aumento da sua procura.
Que queremos dizer com futuro do vinho? Queremos dizer
aumento do seu consumo, com aumento do seu valor. Não será compreensível de
outro modo.
Não há falta de oferta de vinho no mundo. Com oscilações de
ano para ano, com vindimas diferentes, com origens nos mercados do novo mundo
ou do velho mundo, a quantidade de vinho produzido não só não tenderá a
diminuir, como, com alguma variação, poderá mesmo aumentar ao longo das
próximas décadas, basta lembrar as novas regiões produtoras na Ásia, na
América, até na Europa e, muito provavelmente e num muito curto prazo, no Norte
de África. Não será, por isso, pela escassez, que o vinho poderá aumentar de
valor. Mesmo com a actual perturbação séria da Guerra da Rússia na Ucrânia, as
dificuldades dalguns circuitos de abastecimento serão contornadas e o mercado
encontrará formas de recuperar (outra coisa será a questão do álcool e das
aguardentes, com uma previsão dum aumento brutal de preços a curto prazo, se
durável ou não, não sabemos).
O valor do vinho também não dependerá inteiramente (embora
seja um factor importante) da qualidade, que se tem mantido numa ascenção
apreciável, com padrões de exigência dificilmente imagináveis há meio século, e
que, hoje, se encontra em marcas de gama de preço baixo a surpreender em
concursos e a deixar atónitos alguns apreciadores exigentes. Embora, claro
está, haja uma relação directa na qualidade e no preço já praticado, há,
também, muitas excepções à regra. E não é difícil encontrar vinhos de preço
médio com qualidade ao nível dos de preços mais altos (e vice-versa, dir-me-ão).
O imprevisível é sempre o factor mais certo de ocorrer e,
por isso, já vejo o sorriso de alguns meus amigos, ao ler estas linhas, de que,
“assim, é fácil: afirmar algo e o seu contrário é ter a probabilidade de saírem
certos os vaticínios…” mas há o do início destas linhas, que é unívoco: o de
que, o futuro do vinho de Portugal, dependerá do aumento da sua procura.
Tem-se feito muito e bom marketing, é inegável, e os números
de exportações e vendas têm-no demonstrado. Há empresas de marketing a
trabalhar bem, e muito. Mas terá que se fazer mais. Com um pensamento sempre
subjacente: se, antigamente, com os meios que havia, foi possível fazer chegar a
muitos destinos, mercados, lugares públicos e casas de pessoas, quer a imagem, quer
a fama, quer as recomendações para se consumir o vinho português, com os meios
de hoje tal tarefa deveria ser omnipresente e constante. Não me levem a mal,
mas não resisto a deixar uma pergunta para reflexão: a publicidade ao vinho não
estará a funcionar demasiado em circuito quase fechado e voltada para dentro do
próprio sector? Não fazia sentido fazer uma grande abertura como fazem, aliás,
algumas das marcas que já o perceberam e passaram a promover, nas suas
campanhas, em maior escala e em locais e canais não habituais?
Um bem aumenta de valor, pela sua escassez perante a procura.
Como não será provável que venha a haver escassez na oferta de vinho, quer nas
gamas de qualidade mais alta quer nas outras, há uma maneira de criar a
escassez necessária no mercado, para que aumente o seu valor: pelo aumento da
procura. Que pode ser induzida.
Daí que o foco da fileira do vinho tenha de estar na criação
deste aumento da procura. Com marketing. Marketing moderno e criativo, que
capte novos consumidores e que faça com que os que o já são, tenham mais
disponibilidade para pagar mais, por melhores vinhos. Correspondência com
exigências do público? Sim. Mas não só. Criação, inovação, publicidade
informativa e associação do vinho à história do nosso país, do mundo, da
felicidade das pessoas.
Todos os anos, milhões de pessoas atingem a idade de poder
beber responsavelmente. A maioria delas nunca provou vinho, nunca lhe foi feito
um apelo para tal, nunca viu uma publicidade acerca da mais antiga bebida culta
da civilização. Todos os anos há um novo público disponível para beber um copo.
Nesse, está o grande potencial para aumento da procura. É ao ir ter com
públicos novos que estamos a aumentar a base do consumo, que podemos aumentar a
procura.
As imagens deste artigo são da revista Ilustração, propriedade da Livraria Bertrand, precisamente do último número publicado em 1939, tinha começado a II Grande Guerra na Europa. A revista suspendeu, com este número, a sua publicação, por causa das restrições do conflito. Está disponível na net, nos sites de hemeroteca.
2 comentários:
Excelente e acertiva analise e reflexão.
É mesmo preciso pensar "fora da garrafa"!
Miguel Pinto Felix
Excelente reflexão. É certo que há vinhos de baixo custo que nos surpreendem pela qualidade.Isso decoŕre do aumento geral da qualidade dos vinhos produzidos, que era uma utopia há cinquenta anos.As promoções vêm tendo essa tendência de se transformarem em exibições de vaidade entre alguns produtores, longe do que deveria ser o seu público alvo.O marketing deve ser feito por profissionais de marketing para o Mundo e não para uma sala restrita, onde vão
"os do meio".
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