sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Uma Bairrada em Trás-os-Montes


Há dias, num fim de tarde em nossa casa, juntámo-nos um grupo de amigos para um jantar de Agosto, em Latães, debruçados sobre Trás-os-Montes.

O Sol mergulhava já para desaparecer num horizonte fantástico – são sempre fantásticos os pores-do-sol na nossa casa em Latães! – em que uma atmosfera de fumo, o fumo dum incêndio em Valpaços, tornava irreal a linha das serras ao longe: os Passos, o Alvão, a Padrela, mais ao fundo o Barroso com o Larouco, todas impregnadas de laranja e terra de siena queimada. Estava calor, calor na casa dos trinta, e uma brisa de Oeste ondulava as toalhas das mesas postas cá fora e as lonas das cadeiras. Em cima de cavaletes contra a parede estava a tábua com os copos, os talheres e os pratos e sobre a qual estavam também as garrafas de vinho que iríamos provar. Uma delas era maior que as demais, uma Anadia, bojuda de orgulho com que nela fora engarrafado um vinho da colheita de 1979.

O Zé Manel, o Pi, o Balina e eu estudámos o rótulo e pusemo-nos a alvitrar. Juntaram-se o Sérgio e o Zé Maria.

- Não o abras, está estragado! De 79, está estragado!

- Ora essa!? Então devemos mesmo abri-lo: se estiver estragado, temos outros, se não estiver, bebe-se!

Cada um com a sua opinião, a decisão foi abri-la. Desfez-se o lacre, pôs-se à vista a rolha, suave, suave demais para o saca-rolhas, foi preciso jeito para não ser empurrada para dentro. Tirou-se sem esforço, húmida a deslizar no gargalo…

- Vais ver, está mesmo estragado! A rolha assim…

Cheirou-se a rolha, tinha um acento forte de cortiça velha mas nem por isso havia acidez a denunciar coisas piores. Saiu inteira.

Todos cheiraram a garrafa. Cheirava a adega. Haveria sabor a rolha?

Primeiro uns centilitros para um copo… a cor parecia a do pôr-so-sol!

- Ui! Oxidou! Está estragado, vais ver!

O Zé Manel cheirou e levou o copo aos lábios…

- Hmm, está especial mas não está estragado!

Com vagar e cuidado trasvasou-se para o decanter. Deixou-se um fundo, com algum, pouco, assento. Experimentámos todos: estava bom. Com qualquer coisa a lembrar antiquários e alfarrabistas mas estava bom. E a maior surpresa foi um quarto de hora depois: mudou de cor no decânter! Ficou mais escuro, desapareceram os laivos ferruginosos, pareceu passar a saber a avelãs!

Foi assim que os aperitivos e a sopa, uma sopa gelada de tomato e hortelã, a entrada de melão com presunto e também o arroz de pato, foram acompanhados de Bairrada, o Frei João Tinto de 1979, garrafa de 1,5 l, numerada com o nr.º 2109 das 38530 garrafas que se fizeram dessa reserva. Como estarão as outras?
Já não temos a certeza como é que a garrafa terá chegado aqui a Trás-os-Montes... se alguém souber, precisamos de saber para agradecer e dar conta do ocorrido.
Saúde!


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Entrevista ao AZIBO RURAL

 
- Estando há cerca de 20 meses a exercer as funções de Director Regional de Agricultura e Pescas, qual o balanço que faz deste período?

Um balanço muito bom. A agricultura está a atravessar uma das suas mais importantes transformações dos últimos anos e é com enorme satisfação que nos encontramos envolvidos e empenhados com a equipa que está a protagonizar este processo profundo. Se reparar, nada está a ficar como dantes. Tanto em reorganização dos serviços do Estado como na dinâmica impressa ao sector, articulando-se com todo o agroalimentar. Estamos a mudar do que foi o status quo dos anos anteriores, a mudar de paradigma para uma nova fase em que interessa o aumento da produção, o ganho da escala nos diferentes segmentos e uma melhor distribuição do rendimento obtido ao longo de toda a cadeia de produção, transformação e comercialização. Estamos a protagonizar a mudança para uma política em que interessa produzir bens transacionáveis. O nosso objetivo é contribuir para que em 2020 tenhamos o equilíbrio, em valor, da nossa balança agroalimentar, fazer com que, em euros, produzamos tanto como aquilo que consumimos e tenhamos equilibrado assim as nossas importações com as nossas exportações. Creio que tudo isto é bem visível, tem sido uma imagem indelével que tem dado a Senhora Ministra, no que tem sido acompanhada pelo trabalho também notável dos Senhores Secretários de Estado. Ainda só passaram dois anos. Dois anos de balanço positivo.

- O Proder, Programa de Desenvolvimento Regional, estando já numa fase final, foi este um instrumento que contribuiu para a melhoria da Agricultura na Região?

O PRODER melhorou o sector agroalimentar de uma forma que ninguém poderá negar! De tal modo que se notam na paisagem os investimentos PRODER. Por todo o lado. Poderia estar agora aqui a despejar números e mais números sobre isto. Será desnecessário. Apesar de o PRODER ter começado mal e hesitante, não vale a pena agora perder tempo com lamentações sobre isso. Mas depois este governo veio imprimir velocidade e metas ao programa e corrigir algumas coisas incompreensíveis que se fizeram no início (como foi a de se distribuir irresponsavelmente dinheiro de prémio sem investimento, por exemplo, que agora em vários casos se vai ter de pedir a devolução por incumprimento dos promotores).

- Numa altura em que a Agricultura está na moda não se sente esse furor na região, visto não se notar grande actividade económica virada para o mercado, o que se deve isto?

A perspectiva correcta de que os investimentos devem gerar trabalho e visar o aumento de produção e o lucro, tem sido fortemente incutida aos investidores na agricultura e no sector agroalimentar em geral. A par da inovação e do empreendedorismo. Mas é importante que se diga que ainda há muito que está por fazer. Sobretudo aqui nesta região há muito para corrigir e muito para fazer. Há uma certa preguiça dalguns responsáveis instalados, alguma falta de vontade em querer fazer andar as coisas. E estão a ver passar e a deixar passar os comboios sem os apanhar. É estranho e não deve ser aceitável, por parte dos agricultores, que haja tal atitude por parte dos dirigentes das suas organizações. É um assunto em que cabe a cada um assumir as suas responsabilidades. Agora isto não deve inibir quem queira andar para a frente e progredir. O progresso faz-se andando para a frente, pensando coisas novas e investindo, tirando partido das circunstâncias. Tenho esperança que com a chegada de novos investidores ao setor (e há novos investidores no setor, se há!) muita coisa mude para melhor e se crie uma nova dinâmica. Não se deve ficar amarrado a instituições com inércia para o repouso, deve-se entrar naquelas que neste momento estejam ou se proponham estar em movimento uniformemente acelerado, como as suas congéneres doutras regiões de Portugal e europeias. Ficar parado e não agarrar o progresso é querer fazer da sua vida uma catástrofe!

 

- Tendo o Sr. Director Regional vindo a apoiar o Associativismo como é o caso da Federação de Regadios Públicos do Norte, onde está envolvida a ABMC, que importância terá o Associativismo no futuro para a agricultura?

Fundamental! Em várias vertentes. Ao longo do tempo o Estado tem estado a delegar funções e competências nas organizações de agricultores. Esta política não irá mudar e as OA terão de se manter habilitadas, em meios humanos e materiais, para tal. Há, ainda, o facto de que cada vez mais terão de ser as OA a prestar serviços especializados aos seus associados e relacionados com domínios tão diferentes como gestão de recursos, informação de mercados, modernização tecnológica e reconversão de produções. Tudo isto a uma velocidade cada vez mais exigente e variável consoante os mercados dos produtos produzidos e as necessidades dos clientes. É, por isso, necessário modernizar e actualizar quadros e instalações de um modo contínuo. E ganhar escala. As organizações de produtores vão ter de ganhar escala, vão ter de deixar de estar cada uma a olhar apenas para o seu umbigo… Isto não são apenas palavras, é a verdade. Um produtor individual que não se associe e não aprenda a trabalhar em grupo dificilmente sobreviverá como produtor. Na agricultura do futuro irá haver empresas e irá haver redes de produtores associados. E sempre em constante transformação. Por isso achamos isto essencial e contem sempre connosco para apoiar o associativismo.

- A Bolsa Nacional de Terras, está numa fase inicial, que espectativas tem deste novo instrumento de gestão da propriedade?

A Bolsa de Terras é uma lei recente e cuja implementação está ainda no início. Em que o Estado deverá dar o próprio exemplo de disponibilizar terras a fim de incentivar os particulares a fazê-lo. A gestão de todo o processo será mais ou menos veloz conforme o empenhamento das organizações de agricultores, uma vez que elas irão ser protagonistas em todo o processo. A responsabilidade da condução do processo caberá à DGADR, sendo que o papel das Direções Regionais será imprescindível na ligação, informação e sensibilização. Trata-se dum edifício legislativo que perdurará por anos e anos e será um instrumento de desenvolvimento à semelhança do Programa de Desenvolvimento Regional. Haverá um escrupuloso respeito pela propriedade privada e só compreendendo isto se entende que possa ser promotora de terras disponíveis para utilização por terceiros. Creio que no nosso caso, na nossa região, será uma excelente solução de futuro para muitos terrenos que pertencem a emigrantes que não possam ou não queiram utilizá-los e que deste modo os disponibilizem a troco de receber deles um rendimento certo sem abdicar da sua propriedade. E será uma forma de que aqueles que não têm terra e queiram ser agricultores, possam desenvolver os seus projetos de investimento. Particularizando ainda mais, achamos que seria uma forma de melhorar a utilização dos perímetros de rega que o não estejam a fazer em toda a sua extensão. A Bolsa de Terras é um instrumento de um enorme potencial e que se destina a perdurar no tempo. Está ainda e só a arrancar.   

- O Regadio do Azibo é um factor vital para a instalação de culturas que valorizem a água, o que seria necessário para a sua instalação, e que papel deveriam ter as organizações Associativas e Cooperativas?

Em boa parte já está implícita em respostas anteriores a resposta a esta. Mas é sempre bom frisar que o regadio é uma agricultura necessária e de futuro. Assim o compreendeu o governo, que se bateu contra o que era a intenção dos países do centro e norte da Europa em não querer ajudas nem subsídios para o regadio, e conseguiu para Portugal que este tipo de agricultura pudesse manter as ajudas e os apoios ao investimento. Agora uma coisa é certa: há uma enorme responsabilidade da parte dos proprietários de terrenos que estejam integrados em perímetros de rega, bem como de todos os agricultores com acesso a redes de rega: estão a usufruir de equipamentos instalados com dinheiros públicos e, por isso, têm uma obrigação especial em rentabilizar ou deixar que outros rentabilizem tais investimentos. Não se compreende o abandono de terrenos e a não utilização de terrenos para a agricultura que se encontrem infraestruturados com rega. Por outro lado, o regadio é uma agricultura que está cada vez mais evoluída em termos de tecnologia e de ciência na correcta utilização do recurso água, evitando desperdício, e do recurso terra, evitando a sua inutilização precoce por esgotamento e erosão. Aqui as organizações de produtores têm um papel importante de formação e de informação. Por outro lado ainda, há a questão da gestão da produção/transformação/comercialização do que é produzido. Aqui está o calcanhar de Aquiles de todo aquele que se quer dedicar à agricultura mas também está todo o potencial de geração de riqueza que a agricultura proporciona. Só com uma atitute muito activa é que tudo isto pode funcionar. Vivemos num mundo moderno em que o consumo, apesar da crise, se mantém nos produtos alimentares e cuja necessidade mundial é crescente. Daí que seja necessário aumentar a produção. Mas isto só faz sentido que lhe acrescentarmos todo o valor que pudermos na transformação e se retirarmos toda a margem que pudermos na sua comercialização. Para tal são necessárias organizações de produtores, sob a forma associativa, empresarial ou cooperativa, com espírito empreendedor e aberto, jovens, que trabalhem por objetivos e os persigam sem esmorecer com o que corra mal e com um elevado sentido de sustentabilidade. Que não confundam um bom negócio de uma colheita ou de um ano com um negócio bom, perdurável no tempo e capaz de garantir estabilidade e possibilitar planeamento a quem produz. Se colocarmos no mesmo copo tudo isto, temos um cocktail de sucesso!

- A propriedade rural na região é de baixa dimensão, com agricultores de idade avançada, não gera emprego, não fixa população, é basicamente de auto-suficiência, não deve o Ministério criar politicas que promovam alterações profundas na dimensão da propriedade de forma a serem geradoras de emprego, viabilidade económica e ter mais importância no desenvolvimento rural? 

Tudo o que está implícito na sua pergunta parte de pressupostos que já não são exactamente os que neste momento estão à vista no nosso panorama agrícola. A propriedade média tem vindo a aumentar na nossa região, começa a haver agricultores mais jovens, começa a haver mais emprego na agricultura (a começar pelos que criam o seu próprio posto de trabalho) e a agricultura já não é, maioritariamente, de auto-suficiência. Ainda há dias estive numa exploração em que dois velhinhos tratavam alegremente da sua horta. Ao vê-los, água a correr pelos sulcos das batatas, das couves, dos feijões e das cebolas, ele com o sacho conduzindo a água, dir-se-ia que estávamos na autêntica agricultura de auto-subsistência… mas com um grande orgulho ambos me disseram que as suas filhas, que vivem no Porto, aqui vêm todos os fins de semana e daquela horta se alimentam as suas casas, todos os netos e ainda há umas vendas a uns vizinhos, que lhes compram o azeite e que lhes ficam com batatas e “as coisas que vão havendo”, que vendem com grande sucesso. Há uns anos esta horta seria de subsistência mas hoje, de facto, com a mobilidade e os circuitos de comercialização antes insuspeitos, hoje a realidade é diferente. Daí que eu diga que a realidade vivida não seja a mesma com que se retratava a agricultura de há uns anos, ainda poucos, atrás.

Agora, claro, que não é esse o rumo geral. O rumo geral deve ser o de agarrarmos a oportunidade que aí vem com o novo PDR, programa de desenvolvimento regional, 2014-2020, e tirarmos dele todo o partido que conseguirmos. Os instrumentos estarão lá, precisamos de gente que os queira usar. Como agricultores individuais a trabalhar em rede ou como empresas a executar um plano de longo prazo. Com inteligência e determinação, com alegria e com resiliência para ultrapassar os desaires, que também os haverá. Com a certeza de que o êxito também espera e protege os audazes que se queiram lançar a trabalhar. De tudo isto e de todos estes precisa a nossa agricultura. Já vai tendo, felizmente. Mas precisa de muito e de muitos mais.

- Como espera que evolua o sector agrícola na região no próximo quadro comunitário e se a Agricultura tem futuro na região, nomeadamente a Agricultura ligada ao regadio?

Há algumas décadas atrás houve sérios investimentos na agricultura na nossa região. Apareceram então culturas novas, como os morangos e o lúpulo, apareceram unidades industriais capazes de transformar os produtos, como as do Cachão, as de Macedo e outras. Nesse tempo, apesar das dificuldades de comunicações (não havia as estradas de hoje, nem os veículos, nem os telemóveis, nem computadores, muitas aldeias não dispunham sequer de eletricidade…) foi possível insuflar uma mentalidade modernizadora na agricultura. Isso veio a possibilitar que os lavradores ficassem abertos à inovação e aceitassem novos desafios, como acabaram por ser uns anos depois os da produção de leite, que floresceu e injectou dinheiro certo durante uma vintena e meia de anos em muitas das nossas aldeias. Se já fomos capazes, por várias vezes, de por em marcha determinadas fileiras e determinados negócios, também iremos ser capazes desta vez. Com uma mentalidade aberta e voltada para o futuro, que tenha aprendido algo com as lições do passado e que compreenda que o tempo está em permanente mudança. Provavelmente as necessidades culturais de hoje irão ser abandonadas amanhã e substituídas por outras. Tudo bem. Temos de ser capazes de aceitar estes factos e de estar atentos aos sinais e ao momento de decidirmos a mudança.

Os próximos anos irão ser importantes. Vai haver dinheiro para investir, disponível quer para cada agricultor, quer para cada empresa agrícola, quer para as organizações de produtores. Deve-se desde já preparar o campo para isto, tomando decisões e planeando, auscultando os mercados e procurando alternativas de contingência. Devem desde já estabelecer-se as redes de empreendedorismo agrícola.

O interesse das pessoas pela agricultura está a aumentar, tem havido um grande foco e visibilidade que a política da Senhora Ministra Assunção Cristas tem suscitado. Esperamos que continue a aumentar o número de jovens a instalar-se, sobretudo de jovens bem preparados a instalar-se. Queremos dizer com isto que os jovens, integrados nas suas associações e organizações, devem estar bem preparados não só a saber produzirmas também a trabalhar em rede, a ler os sinais dos mercados e a produzir para o mercado. Jovens e não jovens que compreendam que a agricultura é uma actividade económica que não é fácil mas que é promissora e que é, sem dúvida, uma das grandes promotoras do progresso do país, tal como o será da nossa região.

A agricultura especializada do regadio é, sem dúvida também, uma enorme potencialidade da nossa terra. Ainda não explorada verdadeiramente. Quando o for, não tenho dúvida que haverá um enorme impulso para o nosso comércio local, o nosso turismo, o nosso desenvolvimento.

Terminamos com uma palavra de agradecimento por esta entrevista em que muito ficou por dizer mas em que muito foi dito também – e muito importante. Conte sempre com o Diretor Regional de Agricultura e Pescas do Norte para fazer andar as coisas para a frente e estaremos sempre à disposição para o que a ABMC precisar. Uma última palavra de parabéns à ABMC por ter compreendido e aceite integrar, como co-fundadora, a Federação de Regadios Públicos do Norte. Este gesto e este acto virá a revelar-se decisivo para o futuro, futuro esse que já começou, como bem sabe o seu preclaro Presidente da Direção, Hélder Fernandes. Bem hajam!



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

UM PASSO EM FRENTE



Visitei há dias uma Quinta no Douro, a quinta que faz um dos vinhos mais caros de Portugal (não, não é o Barca Velha…). Produz por ano mais de 1 milhão de garrafas com 14 marcas diferentes, todas excelentes, com imensas variantes: monovarietais, monovinhas, de colheita, blends,  reservas, do Porto, etc. Para conseguir isto fazem uma vindima selecionada, tão selecionada e dirigida que os custos de colheita chegam aos 16 cêntimos por quilograma de uvas. Mais de 70% da produção é exportada para o Brasil, Estados Unidos, Canadá e outros países. É uma casa gerida com eficácia e eficiência e, acima de tudo, com sabedoria e sensibilidade.

A eficácia e a eficiência podem aprender-se nos livros de gestão, exercer-se com inteligência e com trabalho. Que neste caso é feito em equipa, uma equipa muito bem articulada e comungando dos objetivos, da partilha de recursos disponíveis e dos projectos para o futuro.

A sabedoria e a sensibilidade são uma outra coisa. Talvez a primeira se possa dizer que tenha vindo geneticamente pelo desfiar dos anos e das colheitas, dos copos bebidos ano a ano, apreciados ano a ano, avaliados ano a ano e mirados contra o horizonte e a paisagem, a sua sucessão e mudança ao longo de gerações e de épocas. A segunda vem da cultura e do soar interior da consciência quando colocada face a face com o esforço e a dignidade humanas. Naqueles vinhos, dentro daquelas garrafas vai muito da alma da gente. Do trabalho de dirigir, de escavar e de espontar, de colher e de esmagar, do sucesso do plantio e do cortar cada cacho que se põe no cesto. Como se a sabedoria e a sensibilidade fossem a verdadeira seiva e o verdadeiro sumo que depois fermenta e se revela nesta alquimia secular.  Mas não só. Como se para além das uvas todo este vinho seja feito duma realidade humana em que se mistura a fecundidade generosa, o génio arrebatador e o esforço bruto mas necessário.

Nestes vinhos não há só a ciência do enólogo e do escansão. Há também a dos arquitectos, dos gestores, dos trabalhadores de enxada e dos operadores de máquinas, dos que no passado legaram as vinhas velhas e dos que no presente plantam as cepas do futuro. Há o trabalho de todos. Sobretudo, o do olhar do dono.

Por este último veio a razão de escrever este pequeno artigo. É que o olhar do dono fez com que, desde há anos, nesta quinta, o trabalho das mulheres seja pago pelo mesmo valor do trabalho dos homens. Nem um cêntimo a menos. E este pequeno/grande detalhe muda toda a realidade. Hoje, século XXI, haver diferença, entre o que ganham homens e mulheres que desempenham tarefas semelhantes, é uma afronta como aquela que faça a distinção entre a cor da pele de seres humanos.

Sobretudo nos meios rurais, vir dizer que as mulheres trabalham menos do que os homens é uma falácia e uma grande falta de verdade. Basta olharmos à volta. Claro que se poderão encontrar diferenças – mas as mesmas que se encontram entre homens que trabalham mais e homens que trabalham menos. Agora haver uma diferença só porque é mulher a trabalhar, é uma afronta anacrónica e desajustada dos nossos tempos.

Neste campo poderíamos, no Norte, dar um exemplo ao mundo: começar a pagar com salário igual a homens e mulheres. Elas merecem. Seria uma forma concreta de darmos um passo para ajudar tantas famílias a viver e a sair da crise.

Há muito que na quinta que visitei tal se pratica. É uma das chaves do sucesso da quinta, uma das coisas que contribui para um maior empenho no trabalho, de todos.

Seria bom que todos compreendessem este facto e o vissem como urgente e positivo para a nossa economia. Passar a praticá-lo, pagar às mulheres o mesmo que se paga aos homens, seria darmos todos um passo em frente.    
 
[este artigo foi publicado in Mensageiro de Bragança, nº. 3431]