Há dias, num fim de tarde em nossa casa, juntámo-nos um
grupo de amigos para um jantar de Agosto, em Latães, debruçados sobre
Trás-os-Montes.
O Sol mergulhava já para desaparecer num horizonte
fantástico – são sempre fantásticos os pores-do-sol na nossa casa em Latães! –
em que uma atmosfera de fumo, o fumo dum incêndio em Valpaços, tornava irreal a
linha das serras ao longe: os Passos, o Alvão, a Padrela, mais ao fundo o
Barroso com o Larouco, todas impregnadas de laranja e terra de siena queimada.
Estava calor, calor na casa dos trinta, e uma brisa de Oeste ondulava as
toalhas das mesas postas cá fora e as lonas das cadeiras. Em cima de cavaletes contra
a parede estava a tábua com os copos, os talheres e os pratos e sobre a qual
estavam também as garrafas de vinho que iríamos provar. Uma delas era maior que
as demais, uma Anadia, bojuda de orgulho com que nela fora engarrafado um vinho
da colheita de 1979.
O Zé Manel, o Pi, o Balina e eu estudámos o rótulo e
pusemo-nos a alvitrar. Juntaram-se o Sérgio e o Zé Maria.
- Ora essa!? Então devemos mesmo abri-lo: se estiver
estragado, temos outros, se não estiver, bebe-se!
Cada um com a sua opinião, a decisão foi abri-la. Desfez-se
o lacre, pôs-se à vista a rolha, suave, suave demais para o saca-rolhas, foi
preciso jeito para não ser empurrada para dentro. Tirou-se sem esforço, húmida
a deslizar no gargalo…
- Vais ver, está mesmo estragado! A rolha assim…
Cheirou-se a rolha, tinha um acento forte de cortiça velha
mas nem por isso havia acidez a denunciar coisas piores. Saiu inteira.
Todos cheiraram a garrafa. Cheirava a adega. Haveria sabor a
rolha?
Primeiro uns centilitros para um copo… a cor parecia a do pôr-so-sol!
- Ui! Oxidou! Está estragado, vais ver!
O Zé Manel cheirou e levou o copo aos lábios…
- Hmm, está especial mas não está estragado!
Com vagar e cuidado trasvasou-se para o decanter. Deixou-se
um fundo, com algum, pouco, assento. Experimentámos todos: estava bom. Com
qualquer coisa a lembrar antiquários e alfarrabistas mas estava bom. E a maior
surpresa foi um quarto de hora depois: mudou de cor no decânter! Ficou mais
escuro, desapareceram os laivos ferruginosos, pareceu passar a saber a avelãs!
Foi assim que os aperitivos e a sopa, uma sopa gelada de
tomato e hortelã, a entrada de melão com presunto e também o arroz de pato, foram
acompanhados de Bairrada, o Frei João Tinto de 1979, garrafa de 1,5 l, numerada
com o nr.º 2109 das 38530 garrafas que se fizeram dessa reserva. Como estarão
as outras?
Já não temos a certeza como é que a garrafa terá chegado aqui a Trás-os-Montes... se alguém souber, precisamos de saber para agradecer e dar conta do ocorrido.
Saúde!
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