Visitei há dias uma Quinta no Douro,
a quinta que faz um dos vinhos mais caros de Portugal (não, não é o Barca Velha…).
Produz por ano mais de 1 milhão de garrafas com 14 marcas diferentes, todas
excelentes, com imensas variantes: monovarietais, monovinhas, de colheita,
blends, reservas, do Porto, etc. Para
conseguir isto fazem uma vindima selecionada, tão selecionada e dirigida que os
custos de colheita chegam aos 16 cêntimos por quilograma de uvas. Mais de 70%
da produção é exportada para o Brasil, Estados Unidos, Canadá e outros países.
É uma casa gerida com eficácia e eficiência e, acima de tudo, com sabedoria e
sensibilidade.
A eficácia e a eficiência podem
aprender-se nos livros de gestão, exercer-se com inteligência e com trabalho.
Que neste caso é feito em equipa, uma equipa muito bem articulada e comungando
dos objetivos, da partilha de recursos disponíveis e dos projectos para o
futuro.
A sabedoria e a sensibilidade são
uma outra coisa. Talvez a primeira se possa dizer que tenha vindo geneticamente
pelo desfiar dos anos e das colheitas, dos copos bebidos ano a ano, apreciados
ano a ano, avaliados ano a ano e mirados contra o horizonte e a paisagem, a sua
sucessão e mudança ao longo de gerações e de épocas. A segunda vem da cultura e
do soar interior da consciência quando colocada face a face com o esforço e a
dignidade humanas. Naqueles vinhos, dentro daquelas garrafas vai muito da alma
da gente. Do trabalho de dirigir, de escavar e de espontar, de colher e de
esmagar, do sucesso do plantio e do cortar cada cacho que se põe no cesto. Como
se a sabedoria e a sensibilidade fossem a verdadeira seiva e o verdadeiro sumo
que depois fermenta e se revela nesta alquimia secular. Mas não só. Como se para além das uvas todo
este vinho seja feito duma realidade humana em que se mistura a fecundidade
generosa, o génio arrebatador e o esforço bruto mas necessário.
Nestes vinhos não há só a ciência
do enólogo e do escansão. Há também a dos arquitectos, dos gestores, dos
trabalhadores de enxada e dos operadores de máquinas, dos que no passado
legaram as vinhas velhas e dos que no presente plantam as cepas do futuro. Há o
trabalho de todos. Sobretudo, o do olhar do dono.
Por este último veio a razão de
escrever este pequeno artigo. É que o olhar do dono fez com que, desde há anos,
nesta quinta, o trabalho das mulheres seja pago pelo mesmo valor do trabalho
dos homens. Nem um cêntimo a menos. E este pequeno/grande detalhe muda toda a
realidade. Hoje, século XXI, haver diferença, entre o que ganham homens e
mulheres que desempenham tarefas semelhantes, é uma afronta como aquela que
faça a distinção entre a cor da pele de seres humanos.
Sobretudo nos meios rurais, vir
dizer que as mulheres trabalham menos do que os homens é uma falácia e uma
grande falta de verdade. Basta olharmos à volta. Claro que se poderão encontrar
diferenças – mas as mesmas que se encontram entre homens que trabalham mais e
homens que trabalham menos. Agora haver uma diferença só porque é mulher a
trabalhar, é uma afronta anacrónica e desajustada dos nossos tempos.
Neste campo poderíamos, no Norte,
dar um exemplo ao mundo: começar a pagar com salário igual a homens e mulheres.
Elas merecem. Seria uma forma concreta de darmos um passo para ajudar tantas
famílias a viver e a sair da crise.
Há muito que na quinta que
visitei tal se pratica. É uma das chaves do sucesso da quinta, uma das coisas
que contribui para um maior empenho no trabalho, de todos.
Seria bom que todos
compreendessem este facto e o vissem como urgente e positivo para a nossa
economia. Passar a praticá-lo, pagar às mulheres o mesmo que se paga aos
homens, seria darmos todos um passo em frente.
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