- Estando há cerca de 20 meses a
exercer as funções de Director Regional de Agricultura e Pescas, qual o balanço
que faz deste período?
Um
balanço muito bom. A agricultura está a atravessar uma das suas mais
importantes transformações dos últimos anos e é com enorme satisfação que nos
encontramos envolvidos e empenhados com a equipa que está a protagonizar este
processo profundo. Se reparar, nada está a ficar como dantes. Tanto em
reorganização dos serviços do Estado como na dinâmica impressa ao sector,
articulando-se com todo o agroalimentar. Estamos a mudar do que foi o status
quo dos anos anteriores, a mudar de paradigma para uma nova fase em que
interessa o aumento da produção, o ganho da escala nos diferentes segmentos e
uma melhor distribuição do rendimento obtido ao longo de toda a cadeia de
produção, transformação e comercialização. Estamos a protagonizar a mudança
para uma política em que interessa produzir bens transacionáveis. O nosso
objetivo é contribuir para que em 2020 tenhamos o equilíbrio, em valor, da
nossa balança agroalimentar, fazer com que, em euros, produzamos tanto como
aquilo que consumimos e tenhamos equilibrado assim as nossas importações com as
nossas exportações. Creio que tudo isto é bem visível, tem sido uma imagem
indelével que tem dado a Senhora Ministra, no que tem sido acompanhada pelo
trabalho também notável dos Senhores Secretários de Estado. Ainda só passaram
dois anos. Dois anos de balanço positivo.
- O Proder, Programa de
Desenvolvimento Regional, estando já numa fase final, foi este um instrumento
que contribuiu para a melhoria da Agricultura na Região?
O
PRODER melhorou o sector agroalimentar de uma forma que ninguém poderá negar! De
tal modo que se notam na paisagem os investimentos PRODER. Por todo o lado.
Poderia estar agora aqui a despejar números e mais números sobre isto. Será
desnecessário. Apesar de o PRODER ter começado mal e hesitante, não vale a pena
agora perder tempo com lamentações sobre isso. Mas depois este governo veio
imprimir velocidade e metas ao programa e corrigir algumas coisas
incompreensíveis que se fizeram no início (como foi a de se distribuir
irresponsavelmente dinheiro de prémio sem investimento, por exemplo, que agora
em vários casos se vai ter de pedir a devolução por incumprimento dos
promotores).
- Numa altura em que a
Agricultura está na moda não se sente esse furor na região, visto não se notar
grande actividade económica virada para o mercado, o que se deve isto?
A
perspectiva correcta de que os investimentos devem gerar trabalho e visar o
aumento de produção e o lucro, tem sido fortemente incutida aos investidores na
agricultura e no sector agroalimentar em geral. A par da inovação e do
empreendedorismo. Mas é importante que se diga que ainda há muito que está por
fazer. Sobretudo aqui nesta região há muito para corrigir e muito para fazer.
Há uma certa preguiça dalguns responsáveis instalados, alguma falta de vontade
em querer fazer andar as coisas. E estão a ver passar e a deixar passar os
comboios sem os apanhar. É estranho e não deve ser aceitável, por parte dos
agricultores, que haja tal atitude por parte dos dirigentes das suas
organizações. É um assunto em que cabe a cada um assumir as suas
responsabilidades. Agora isto não deve inibir quem queira andar para a frente e
progredir. O progresso faz-se andando para a frente, pensando coisas novas e
investindo, tirando partido das circunstâncias. Tenho esperança que com a
chegada de novos investidores ao setor (e há novos investidores no setor, se
há!) muita coisa mude para melhor e se crie uma nova dinâmica. Não se deve
ficar amarrado a instituições com inércia para o repouso, deve-se entrar
naquelas que neste momento estejam ou se proponham estar em movimento
uniformemente acelerado, como as suas congéneres doutras regiões de Portugal e
europeias. Ficar parado e não agarrar o progresso é querer fazer da sua vida
uma catástrofe!
- Tendo o Sr. Director Regional
vindo a apoiar o Associativismo como é o caso da Federação de Regadios Públicos
do Norte, onde está envolvida a ABMC, que importância terá o Associativismo no
futuro para a agricultura?
Fundamental!
Em várias vertentes. Ao longo do tempo o Estado tem estado a delegar funções e
competências nas organizações de agricultores. Esta política não irá mudar e as
OA terão de se manter habilitadas, em meios humanos e materiais, para tal. Há,
ainda, o facto de que cada vez mais terão de ser as OA a prestar serviços
especializados aos seus associados e relacionados com domínios tão diferentes
como gestão de recursos, informação de mercados, modernização tecnológica e
reconversão de produções. Tudo isto a uma velocidade cada vez mais exigente e
variável consoante os mercados dos produtos produzidos e as necessidades dos
clientes. É, por isso, necessário modernizar e actualizar quadros e instalações
de um modo contínuo. E ganhar escala. As organizações de produtores vão ter de
ganhar escala, vão ter de deixar de estar cada uma a olhar apenas para o seu
umbigo… Isto não são apenas palavras, é a verdade. Um produtor individual que
não se associe e não aprenda a trabalhar em grupo dificilmente sobreviverá como
produtor. Na agricultura do futuro irá haver empresas e irá haver redes de
produtores associados. E sempre em constante transformação. Por isso achamos
isto essencial e contem sempre connosco para apoiar o associativismo.
- A Bolsa Nacional de Terras,
está numa fase inicial, que espectativas tem deste novo instrumento de gestão
da propriedade?
A
Bolsa de Terras é uma lei recente e cuja implementação está ainda no início. Em
que o Estado deverá dar o próprio exemplo de disponibilizar terras a fim de
incentivar os particulares a fazê-lo. A gestão de todo o processo será mais ou
menos veloz conforme o empenhamento das organizações de agricultores, uma vez
que elas irão ser protagonistas em todo o processo. A responsabilidade da
condução do processo caberá à DGADR, sendo que o papel das Direções Regionais
será imprescindível na ligação, informação e sensibilização. Trata-se dum
edifício legislativo que perdurará por anos e anos e será um instrumento de
desenvolvimento à semelhança do Programa de Desenvolvimento Regional. Haverá um
escrupuloso respeito pela propriedade privada e só compreendendo isto se
entende que possa ser promotora de terras disponíveis para utilização por
terceiros. Creio que no nosso caso, na nossa região, será uma excelente solução
de futuro para muitos terrenos que pertencem a emigrantes que não possam ou não
queiram utilizá-los e que deste modo os disponibilizem a troco de receber deles
um rendimento certo sem abdicar da sua propriedade. E será uma forma de que
aqueles que não têm terra e queiram ser agricultores, possam desenvolver os
seus projetos de investimento. Particularizando ainda mais, achamos que seria
uma forma de melhorar a utilização dos perímetros de rega que o não estejam a
fazer em toda a sua extensão. A Bolsa de Terras é um instrumento de um enorme
potencial e que se destina a perdurar no tempo. Está ainda e só a arrancar.
- O Regadio do Azibo é um factor
vital para a instalação de culturas que valorizem a água, o que seria
necessário para a sua instalação, e que papel deveriam ter as organizações
Associativas e Cooperativas?
Em
boa parte já está implícita em respostas anteriores a resposta a esta. Mas é
sempre bom frisar que o regadio é uma agricultura necessária e de futuro. Assim
o compreendeu o governo, que se bateu contra o que era a intenção dos países do
centro e norte da Europa em não querer ajudas nem subsídios para o regadio, e
conseguiu para Portugal que este tipo de agricultura pudesse manter as ajudas e
os apoios ao investimento. Agora uma coisa é certa: há uma enorme
responsabilidade da parte dos proprietários de terrenos que estejam integrados
em perímetros de rega, bem como de todos os agricultores com acesso a redes de
rega: estão a usufruir de equipamentos instalados com dinheiros públicos e, por
isso, têm uma obrigação especial em rentabilizar ou deixar que outros
rentabilizem tais investimentos. Não se compreende o abandono de terrenos e a
não utilização de terrenos para a agricultura que se encontrem
infraestruturados com rega. Por outro lado, o regadio é uma agricultura que
está cada vez mais evoluída em termos de tecnologia e de ciência na correcta
utilização do recurso água, evitando desperdício, e do recurso terra, evitando
a sua inutilização precoce por esgotamento e erosão. Aqui as organizações de
produtores têm um papel importante de formação e de informação. Por outro lado
ainda, há a questão da gestão da produção/transformação/comercialização do que
é produzido. Aqui está o calcanhar de Aquiles de todo aquele que se quer
dedicar à agricultura mas também está todo o potencial de geração de riqueza
que a agricultura proporciona. Só com uma atitute muito activa é que tudo isto
pode funcionar. Vivemos num mundo moderno em que o consumo, apesar da crise, se
mantém nos produtos alimentares e cuja necessidade mundial é crescente. Daí que
seja necessário aumentar a produção. Mas isto só faz sentido que lhe
acrescentarmos todo o valor que pudermos na transformação e se retirarmos toda
a margem que pudermos na sua comercialização. Para tal são necessárias
organizações de produtores, sob a forma associativa, empresarial ou cooperativa,
com espírito empreendedor e aberto, jovens, que trabalhem por objetivos e os
persigam sem esmorecer com o que corra mal e com um elevado sentido de
sustentabilidade. Que não confundam um bom negócio de uma colheita ou de um ano
com um negócio bom, perdurável no tempo e capaz de garantir estabilidade e
possibilitar planeamento a quem produz. Se colocarmos no mesmo copo tudo isto,
temos um cocktail de sucesso!
- A propriedade rural na região é
de baixa dimensão, com agricultores de idade avançada, não gera emprego, não
fixa população, é basicamente de auto-suficiência, não deve o Ministério criar
politicas que promovam alterações profundas na dimensão da propriedade de forma
a serem geradoras de emprego, viabilidade económica e ter mais importância no
desenvolvimento rural?
Tudo
o que está implícito na sua pergunta parte de pressupostos que já não são
exactamente os que neste momento estão à vista no nosso panorama agrícola. A
propriedade média tem vindo a aumentar na nossa região, começa a haver
agricultores mais jovens, começa a haver mais emprego na agricultura (a começar
pelos que criam o seu próprio posto de trabalho) e a agricultura já não é,
maioritariamente, de auto-suficiência. Ainda há dias estive numa exploração em
que dois velhinhos tratavam alegremente da sua horta. Ao vê-los, água a correr
pelos sulcos das batatas, das couves, dos feijões e das cebolas, ele com o
sacho conduzindo a água, dir-se-ia que estávamos na autêntica agricultura de
auto-subsistência… mas com um grande orgulho ambos me disseram que as suas
filhas, que vivem no Porto, aqui vêm todos os fins de semana e daquela horta se
alimentam as suas casas, todos os netos e ainda há umas vendas a uns vizinhos,
que lhes compram o azeite e que lhes ficam com batatas e “as coisas que vão
havendo”, que vendem com grande sucesso. Há uns anos esta horta seria de
subsistência mas hoje, de facto, com a mobilidade e os circuitos de
comercialização antes insuspeitos, hoje a realidade é diferente. Daí que eu
diga que a realidade vivida não seja a mesma com que se retratava a agricultura
de há uns anos, ainda poucos, atrás.
Agora,
claro, que não é esse o rumo geral. O rumo geral deve ser o de agarrarmos a
oportunidade que aí vem com o novo PDR, programa de desenvolvimento regional,
2014-2020, e tirarmos dele todo o partido que conseguirmos. Os instrumentos
estarão lá, precisamos de gente que os queira usar. Como agricultores
individuais a trabalhar em rede ou como empresas a executar um plano de longo
prazo. Com inteligência e determinação, com alegria e com resiliência para
ultrapassar os desaires, que também os haverá. Com a certeza de que o êxito
também espera e protege os audazes que se queiram lançar a trabalhar. De tudo
isto e de todos estes precisa a nossa agricultura. Já vai tendo, felizmente.
Mas precisa de muito e de muitos mais.
- Como espera que evolua o sector
agrícola na região no próximo quadro comunitário e se a Agricultura tem futuro
na região, nomeadamente a Agricultura ligada ao regadio?
Há algumas
décadas atrás houve sérios investimentos na agricultura na nossa região.
Apareceram então culturas novas, como os morangos e o lúpulo, apareceram
unidades industriais capazes de transformar os produtos, como as do Cachão, as
de Macedo e outras. Nesse tempo, apesar das dificuldades de comunicações (não
havia as estradas de hoje, nem os veículos, nem os telemóveis, nem computadores,
muitas aldeias não dispunham sequer de eletricidade…) foi possível insuflar uma
mentalidade modernizadora na agricultura. Isso veio a possibilitar que os
lavradores ficassem abertos à inovação e aceitassem novos desafios, como
acabaram por ser uns anos depois os da produção de leite, que floresceu e
injectou dinheiro certo durante uma vintena e meia de anos em muitas das nossas
aldeias. Se já fomos capazes, por várias vezes, de por em marcha determinadas
fileiras e determinados negócios, também iremos ser capazes desta vez. Com uma
mentalidade aberta e voltada para o futuro, que tenha aprendido algo com as
lições do passado e que compreenda que o tempo está em permanente mudança.
Provavelmente as necessidades culturais de hoje irão ser abandonadas amanhã e
substituídas por outras. Tudo bem. Temos de ser capazes de aceitar estes factos
e de estar atentos aos sinais e ao momento de decidirmos a mudança.
Os
próximos anos irão ser importantes. Vai haver dinheiro para investir,
disponível quer para cada agricultor, quer para cada empresa agrícola, quer
para as organizações de produtores. Deve-se desde já preparar o campo para
isto, tomando decisões e planeando, auscultando os mercados e procurando
alternativas de contingência. Devem desde já estabelecer-se as redes de
empreendedorismo agrícola.
O
interesse das pessoas pela agricultura está a aumentar, tem havido um grande
foco e visibilidade que a política da Senhora Ministra Assunção Cristas tem
suscitado. Esperamos que continue a aumentar o número de jovens a instalar-se,
sobretudo de jovens bem preparados a instalar-se. Queremos dizer com isto que
os jovens, integrados nas suas associações e organizações, devem estar bem
preparados não só a saber produzirmas também a trabalhar em rede, a ler os
sinais dos mercados e a produzir para o mercado. Jovens e não jovens que
compreendam que a agricultura é uma actividade económica que não é fácil mas que
é promissora e que é, sem dúvida, uma das grandes promotoras do progresso do
país, tal como o será da nossa região.
A
agricultura especializada do regadio é, sem dúvida também, uma enorme
potencialidade da nossa terra. Ainda não explorada verdadeiramente. Quando o
for, não tenho dúvida que haverá um enorme impulso para o nosso comércio local,
o nosso turismo, o nosso desenvolvimento.
Terminamos
com uma palavra de agradecimento por esta entrevista em que muito ficou por
dizer mas em que muito foi dito também – e muito importante. Conte sempre com o
Diretor Regional de Agricultura e Pescas do Norte para fazer andar as coisas
para a frente e estaremos sempre à disposição para o que a ABMC precisar. Uma
última palavra de parabéns à ABMC por ter compreendido e aceite integrar, como
co-fundadora, a Federação de Regadios Públicos do Norte. Este gesto e este acto
virá a revelar-se decisivo para o futuro, futuro esse que já começou, como bem
sabe o seu preclaro Presidente da Direção, Hélder Fernandes. Bem hajam!
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