quinta-feira, 19 de maio de 2022

Joaquim Manuel de Barros Cardoso – 2 : OS SEUS TRISAVÓS DE BASTO, nossos antepassados

© Manuel Cardoso

Queridos Mariana e filhotes, manos, sobrinhos, sobrinhos-netos e primos, ao ter começado a escrever sobre este nosso antepassado, Joaquim Manuel de Barros Cardoso, no post de Fevereiro de 2022, e que pode ser acedido aqui https://adriveinmycountry.blogspot.com/2022/02/joaquim-manuel-de-barros-cardoso-e.html , prometi a pouco e pouco lançar luz sobre os seus nebulosos (para nós) antecessores. E  vimos hoje divulgar mais uns quantos dados do que pude apurar (e irei apurando o próprio texto ao longo do tempo, quando for havendo novidades de investigação), sempre na esperança de que este trabalho, interminável e fascinante, de descobrir a provável história dos nossos genes, possa não só não ser esquecido, mas continuado, um dia, por descendentes nossos, que lhe achem piada e interesse. 

Para a leitura de hoje conviria prepararem-se com um copo e uma garrafa escolhida, a gosto de cada um, de vinho das castas de Basto: arinto, azal, batocal, trajadura, amaral, borraçal, espadeiro, padeiro de Basto, rabo de anho (ou rabo de ovelha), vinhão. ...e também há alvarinho em Basto! Porque é das bordaduras dos mesmos campos de onde estas têm as suas raízes, que tiveram raízes uns trisavós desse nosso trisavô: de Quintela de Basto, na freguesia de S. Clemente, em cuja igreja se baptizavam, casavam e lhes rezavam por alma. 

Não duvido que o seu vinho fosse predominantemente vinhão com rabo de ovelha ou padeiro e espadeiro, de uvas a crescerem em bordaduras armadas e de enforcado, arjoados e uveiras, feito por duas vezes nesses tempos do fim do século XVII, em que o tempo estava particularmente agreste e frio, mesmo neste microclima aconchegado dos vales onde correm vários ribeiros e riachos até chegarem ao Tâmega. Entre eles o de Petimão, talvez o mais perto da casa onde viveria o casal Francisco Ribeiro e Senhorinha Lopes. Foram os pais de, pelo menos, três filhos, Maria (b.12.5.1666 em S.Clemente), Isabel (b.30.5.1669 em S.Clemente) e António (b.18.12.1672 em S.Clemente). Dificílima a vida, então, aí. De tal modo que este último, de seu nome completo António Ribeiro Falcão, decide-se a singrar por conta própria.

Tentámos visitar uma vez a igreja de S. Clemente, a Mariana e eu. Não vimos vivalma e não pudemos entrar por estar fechada (em compensação pudemos estar, a poucos quilómetros dali, junto ao túmulo de Santa Senhorinha, sentindo intimidade e graça). Tiráramos uma foto ao pé da estátua de D. António Ribeiro, Cardeal Patriarca de Lisboa, quiçá nosso parente!, tal como João Pinto Ribeiro, o conspirador da Restauração, como constava das prosápias contadas no Douro, e nem conseguimos saber qual seria a casa dos descendentes desses nossos vetustos avós, que hoje deverá estar apenas com as suas paredes  porque terá ardido em meados do século passado, segundo se dizia. Nunca a vimos. Ficará para um outro dia!

Estão, de copo na mão, ou com uma malga se for um tinto, com algo forte para trincar, por exemplo uma rodela de salpicão e uma fatia de broa? Instalem-se. E ponham música, sugiro Bach, Suite n.º 3, Air, em modo repeat. Têm que ir fazendo esquemas de apontamentos, papel e caneta.

António Ribeiro Falcão saiu de Basto e acompanhou o progresso de então. Deve ter conhecido – conheceu de certeza! – os comerciantes e compradores de vinhos que vinham a Basto escolher o melhor para exportar pelo Porto, para Inglaterra e outros destinos (sobre isto podem ler o post https://adriveinmycountry.blogspot.com/2021/09/os-vinhos-de-viana-e-o-vinho-do-porto.html ) e uma vez foi de abalada, levando cabedais de família suficientes para se estabelecer em Miragaia. 

Miragaia era então uma freguesia cosmopolita, à beira rio, com uma praia (no local que hoje é a Rua da Alfândega) onde varavam os escaleres de embarcações de mais alto bordo e onde descarregavam alguns rabelos as suas cargas preciosas de vinhos de Basto e do Cima Douro, carregados em Entre-os-Rios, na Régua e noutros sítios, ou trazidos em carros de bois até à cidade, os que vinham por terra. Miragaia fervilhava de vida comercial, tal como a restante zona ribeirinha do Porto de então - e de Gaia. O nosso António Ribeiro Falcão montou taberna aberta e um armazém de estanco na Rua dos Cobertos, rua de que hoje ainda resta uma parte importante da arcaria de granito (quem for ao World of Discoveries não pode deixar de a ver!!!) e onde passo com imenso respeito e emoção, imaginando esse agitar do início do século XVIII, as vozes, as línguas, o colorido e significado das fatiotas, os pipos a rolar, os fretes e contratadores, os escravos e escravas exóticos, o pessoal de estiva e os negociantes, gente de mar, gente de rio, gente de terra, militares e corsos, mendigos e ricos, os carros de bois, os toldos das vendas, mulheres de sorte e de convite, o alegre movimento do dinheiro que luzia em prata e ouro nas transações internacionais (Miragaia era muito internacional), a carregação dos barcos, as saúdes às chegadas e partidas. No balcão ou numa mesa da sua taberna, talvez numa conversa de fim de missa na Igreja de S. Pedro de Miragaia, num qualquer momento decisivo, se terá acertado o seu casamento vantajoso no Douro. Ele tivera sucesso nos negócios, era conhecido dos produtores de vinho no Douro, dispunha à partida de seiscentos mil reis para a sua parte de dote e os pais da prometida Domingas de Barros, filha de Manuel de Barros e de Maria João, ambos de Vilarinho de São Romão, dotaram-na com “o seu prazo que possuem de que é senhorio o Convento de Santo Elói do Porto” (in escritura de dote de casamento, Notariais de Provesende, 1.º ofício, livro 17, fls. 66.67.68. 15.6.1708, Arquivo Distrital de Vila Real).

Casam em Vilarinho de São Romão em 24 de Junho de 1708 mas vivem em Miragaia onde continuam com o seu negócio e onde têm pelo menos cinco filhos: Manuel Ribeiro Falcão, b.26.11.1710 em S.Pedro de Miragaia, m.23.5.1753, solteiro, em Vilarinho de São Romão; António Ribeiro Falcão, b.22.8.1713 em SPM, smn; João, b.28.6.1716 em SPM, m.23.6.1726 também em SPM; Ana Maria de Barros Falcão, b.19.2.1719 em  SPM, m.9.2.1802, senhora de grande fibra e que virá a ser avó do nosso Joaquim Manuel, como veremos; Teresa, b.8.3.1722 em SPM smn. 

Nesta geração se fará a mudança da família para Vilarinho de São Romão, facto a que não é estranha a morte precoce do António Ribeiro Falcão em Miragaia em 17.10.1733 e o casamento que a nossa Ana Maria de Barros Falcão vem a fazer em 10.5.1740 em Vilarinho de São Romão com Manuel de Carvalho, proprietário aqui e que permitiu juntar vinhas às vinhas, que contaremos num próximo post. Domingas de Barros, já viúva, veio viver com os filhos para Vilarinho de São Romão e aí morre em 30.7.1751, com testamento. Do vinho que viria de Basto e mais o que passara a escoar de Vilarinho de São Romão, todo produzido em família, com as rédeas do negócio para a sua venda em Miragaia, a família viria a poder crescer quer em capacidade material quer cultural. E fê-lo significativamente.  

Não temos perfeitamente documentada toda esta fase. Faltam livros de assentos ou estão em sítios onde ainda não os descobrimos. Mas não terá sido logo liquidado todo o negócio de Miragaia. Deve ter ficado entregue ou a outros parentes (ao António RF, filho do António RF?) que ainda não descortinámos ou a procuradores em arrendamento a terceiros. Só na segunda metade do século XVIII veio a ser arrumado esse assunto, ainda em circunstâncias não esclarecidas mas de que há um eco num documento que faz pensar numa morte súbita dum dos herdeiros e na necessidade de serem tomadas medidas urgentes para que não levem descaminho os cabedais do Porto.

A partir da metade do século XVIII não volta a haver referência a Basto nos nossos documentos familiares até agora consultados, mas foi significativo e determinante esse passo do bisavô do Joaquim Manuel, o António Ribeiro Falcão, nosso sextavô.

(Um esclarecimento para os menos habituados a estas coisas genealógicas: cada um de nós tem dois pais, quatro avós, oito bisavós, dezasseis trisavós, trinta e dois tetravós, sessenta e quatro pentavós, cento e vinte e oito sextavós e assim sucessivamente……. Mas não rigorosamente, porque há gerações em que há casamentos entre primos e primos de segundo e terceiro graus e isso vem diminuir o número de antepassados. Para além de outros casos atípicos, mas biologicamente possíveis e de que falaremos a seu tempo. Isto para frisar que o nosso António Ribeiro Falcão, pelo menos teoricamente, é uma das mais de cento e tal pessoas - e contando só as de uma geração! - cujos genes hoje estão no nosso DNA… isto de serem mais de cem, mais de duzentas e cinquenta!!! é na minha geração – aumenta dramaticamente se “descermos” às dos filhos, sobrinhos e sobrinhos netos!!!! – e em apenas escassos trezentos anos… Incrível, não é? 

Temos de olhar para o passado com muito respeito, para os que nos precederam com uma grande gratidão e para a sua história com um profundo reconhecimento porque cada um, de forma mais humilde ou mais poderosa, mais infeliz ou mais realizada, teve o condão de ter sucesso em nos transmitir os seus genes e, de certeza, muitos com grande heroísmo pessoal e sacrifício. Investigar e saber sobre o seu passado é, por isso, uma forma de homenagem, não um exercício de prosápia ou vaidade vã).

Acabaram o vinho? Fantástico e diferente do comum, concordam? De Basto, uma das melhores sub-regiões dos Vinhos Verdes. Hoje em dia há todas as castas – e mais algumas – das que enunciei acima. Não era assim no tempo dos nossos Ribeiros e Ribeiros Falcões, havia menos castas e com uma vitivinicultura muito diferente da de hoje. Mas já na altura o exportavam para o estrangeiro. Hoje também. Nós, bebemo-lo pouco. Deveríamos fazê-lo mais vezes.  

Voltaremos a falar de Basto e da nossa família, mas por causa de um outro ramo, o dos Borges, mas só daqui a bastante tempo… 😊.

(Os extractos dos mapas são do mapa de Gotha de España y Portugal, cerca de 1909). 

n. = nascido: b. = baptizado; m. = morto; c. = casado; cc = casado com; smn. = sem mais notícia.

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