quinta-feira, 19 de maio de 2022

Joaquim Manuel de Barros Cardoso – 2 : OS SEUS TRISAVÓS DE BASTO, nossos antepassados

© Manuel Cardoso

Queridos Mariana e filhotes, manos, sobrinhos, sobrinhos-netos e primos, ao ter começado a escrever sobre este nosso antepassado, Joaquim Manuel de Barros Cardoso, no post de Fevereiro de 2022, e que pode ser acedido aqui https://adriveinmycountry.blogspot.com/2022/02/joaquim-manuel-de-barros-cardoso-e.html , prometi a pouco e pouco lançar luz sobre os seus nebulosos (para nós) antecessores. E  vimos hoje divulgar mais uns quantos dados do que pude apurar (e irei apurando o próprio texto ao longo do tempo, quando for havendo novidades de investigação), sempre na esperança de que este trabalho, interminável e fascinante, de descobrir a provável história dos nossos genes, possa não só não ser esquecido, mas continuado, um dia, por descendentes nossos, que lhe achem piada e interesse. 

Para a leitura de hoje conviria prepararem-se com um copo e uma garrafa escolhida, a gosto de cada um, de vinho das castas de Basto: arinto, azal, batocal, trajadura, amaral, borraçal, espadeiro, padeiro de Basto, rabo de anho (ou rabo de ovelha), vinhão. ...e também há alvarinho em Basto! Porque é das bordaduras dos mesmos campos de onde estas têm as suas raízes, que tiveram raízes uns trisavós desse nosso trisavô: de Quintela de Basto, na freguesia de S. Clemente, em cuja igreja se baptizavam, casavam e lhes rezavam por alma. 

Não duvido que o seu vinho fosse predominantemente vinhão com rabo de ovelha ou padeiro e espadeiro, de uvas a crescerem em bordaduras armadas e de enforcado, arjoados e uveiras, feito por duas vezes nesses tempos do fim do século XVII, em que o tempo estava particularmente agreste e frio, mesmo neste microclima aconchegado dos vales onde correm vários ribeiros e riachos até chegarem ao Tâmega. Entre eles o de Petimão, talvez o mais perto da casa onde viveria o casal Francisco Ribeiro e Senhorinha Lopes. Foram os pais de, pelo menos, três filhos, Maria (b.12.5.1666 em S.Clemente), Isabel (b.30.5.1669 em S.Clemente) e António (b.18.12.1672 em S.Clemente). Dificílima a vida, então, aí. De tal modo que este último, de seu nome completo António Ribeiro Falcão, decide-se a singrar por conta própria.

Tentámos visitar uma vez a igreja de S. Clemente, a Mariana e eu. Não vimos vivalma e não pudemos entrar por estar fechada (em compensação pudemos estar, a poucos quilómetros dali, junto ao túmulo de Santa Senhorinha, sentindo intimidade e graça). Tiráramos uma foto ao pé da estátua de D. António Ribeiro, Cardeal Patriarca de Lisboa, quiçá nosso parente!, tal como João Pinto Ribeiro, o conspirador da Restauração, como constava das prosápias contadas no Douro, e nem conseguimos saber qual seria a casa dos descendentes desses nossos vetustos avós, que hoje deverá estar apenas com as suas paredes  porque terá ardido em meados do século passado, segundo se dizia. Nunca a vimos. Ficará para um outro dia!

Estão, de copo na mão, ou com uma malga se for um tinto, com algo forte para trincar, por exemplo uma rodela de salpicão e uma fatia de broa? Instalem-se. E ponham música, sugiro Bach, Suite n.º 3, Air, em modo repeat. Têm que ir fazendo esquemas de apontamentos, papel e caneta.

António Ribeiro Falcão saiu de Basto e acompanhou o progresso de então. Deve ter conhecido – conheceu de certeza! – os comerciantes e compradores de vinhos que vinham a Basto escolher o melhor para exportar pelo Porto, para Inglaterra e outros destinos (sobre isto podem ler o post https://adriveinmycountry.blogspot.com/2021/09/os-vinhos-de-viana-e-o-vinho-do-porto.html ) e uma vez foi de abalada, levando cabedais de família suficientes para se estabelecer em Miragaia. 

Miragaia era então uma freguesia cosmopolita, à beira rio, com uma praia (no local que hoje é a Rua da Alfândega) onde varavam os escaleres de embarcações de mais alto bordo e onde descarregavam alguns rabelos as suas cargas preciosas de vinhos de Basto e do Cima Douro, carregados em Entre-os-Rios, na Régua e noutros sítios, ou trazidos em carros de bois até à cidade, os que vinham por terra. Miragaia fervilhava de vida comercial, tal como a restante zona ribeirinha do Porto de então - e de Gaia. O nosso António Ribeiro Falcão montou taberna aberta e um armazém de estanco na Rua dos Cobertos, rua de que hoje ainda resta uma parte importante da arcaria de granito (quem for ao World of Discoveries não pode deixar de a ver!!!) e onde passo com imenso respeito e emoção, imaginando esse agitar do início do século XVIII, as vozes, as línguas, o colorido e significado das fatiotas, os pipos a rolar, os fretes e contratadores, os escravos e escravas exóticos, o pessoal de estiva e os negociantes, gente de mar, gente de rio, gente de terra, militares e corsos, mendigos e ricos, os carros de bois, os toldos das vendas, mulheres de sorte e de convite, o alegre movimento do dinheiro que luzia em prata e ouro nas transações internacionais (Miragaia era muito internacional), a carregação dos barcos, as saúdes às chegadas e partidas. No balcão ou numa mesa da sua taberna, talvez numa conversa de fim de missa na Igreja de S. Pedro de Miragaia, num qualquer momento decisivo, se terá acertado o seu casamento vantajoso no Douro. Ele tivera sucesso nos negócios, era conhecido dos produtores de vinho no Douro, dispunha à partida de seiscentos mil reis para a sua parte de dote e os pais da prometida Domingas de Barros, filha de Manuel de Barros e de Maria João, ambos de Vilarinho de São Romão, dotaram-na com “o seu prazo que possuem de que é senhorio o Convento de Santo Elói do Porto” (in escritura de dote de casamento, Notariais de Provesende, 1.º ofício, livro 17, fls. 66.67.68. 15.6.1708, Arquivo Distrital de Vila Real).

Casam em Vilarinho de São Romão em 24 de Junho de 1708 mas vivem em Miragaia onde continuam com o seu negócio e onde têm pelo menos cinco filhos: Manuel Ribeiro Falcão, b.26.11.1710 em S.Pedro de Miragaia, m.23.5.1753, solteiro, em Vilarinho de São Romão; António Ribeiro Falcão, b.22.8.1713 em SPM, smn; João, b.28.6.1716 em SPM, m.23.6.1726 também em SPM; Ana Maria de Barros Falcão, b.19.2.1719 em  SPM, m.9.2.1802, senhora de grande fibra e que virá a ser avó do nosso Joaquim Manuel, como veremos; Teresa, b.8.3.1722 em SPM smn. 

Nesta geração se fará a mudança da família para Vilarinho de São Romão, facto a que não é estranha a morte precoce do António Ribeiro Falcão em Miragaia em 17.10.1733 e o casamento que a nossa Ana Maria de Barros Falcão vem a fazer em 10.5.1740 em Vilarinho de São Romão com Manuel de Carvalho, proprietário aqui e que permitiu juntar vinhas às vinhas, que contaremos num próximo post. Domingas de Barros, já viúva, veio viver com os filhos para Vilarinho de São Romão e aí morre em 30.7.1751, com testamento. Do vinho que viria de Basto e mais o que passara a escoar de Vilarinho de São Romão, todo produzido em família, com as rédeas do negócio para a sua venda em Miragaia, a família viria a poder crescer quer em capacidade material quer cultural. E fê-lo significativamente.  

Não temos perfeitamente documentada toda esta fase. Faltam livros de assentos ou estão em sítios onde ainda não os descobrimos. Mas não terá sido logo liquidado todo o negócio de Miragaia. Deve ter ficado entregue ou a outros parentes (ao António RF, filho do António RF?) que ainda não descortinámos ou a procuradores em arrendamento a terceiros. Só na segunda metade do século XVIII veio a ser arrumado esse assunto, ainda em circunstâncias não esclarecidas mas de que há um eco num documento que faz pensar numa morte súbita dum dos herdeiros e na necessidade de serem tomadas medidas urgentes para que não levem descaminho os cabedais do Porto.

A partir da metade do século XVIII não volta a haver referência a Basto nos nossos documentos familiares até agora consultados, mas foi significativo e determinante esse passo do bisavô do Joaquim Manuel, o António Ribeiro Falcão, nosso sextavô.

(Um esclarecimento para os menos habituados a estas coisas genealógicas: cada um de nós tem dois pais, quatro avós, oito bisavós, dezasseis trisavós, trinta e dois tetravós, sessenta e quatro pentavós, cento e vinte e oito sextavós e assim sucessivamente……. Mas não rigorosamente, porque há gerações em que há casamentos entre primos e primos de segundo e terceiro graus e isso vem diminuir o número de antepassados. Para além de outros casos atípicos, mas biologicamente possíveis e de que falaremos a seu tempo. Isto para frisar que o nosso António Ribeiro Falcão, pelo menos teoricamente, é uma das mais de cento e tal pessoas - e contando só as de uma geração! - cujos genes hoje estão no nosso DNA… isto de serem mais de cem, mais de duzentas e cinquenta!!! é na minha geração – aumenta dramaticamente se “descermos” às dos filhos, sobrinhos e sobrinhos netos!!!! – e em apenas escassos trezentos anos… Incrível, não é? 

Temos de olhar para o passado com muito respeito, para os que nos precederam com uma grande gratidão e para a sua história com um profundo reconhecimento porque cada um, de forma mais humilde ou mais poderosa, mais infeliz ou mais realizada, teve o condão de ter sucesso em nos transmitir os seus genes e, de certeza, muitos com grande heroísmo pessoal e sacrifício. Investigar e saber sobre o seu passado é, por isso, uma forma de homenagem, não um exercício de prosápia ou vaidade vã).

Acabaram o vinho? Fantástico e diferente do comum, concordam? De Basto, uma das melhores sub-regiões dos Vinhos Verdes. Hoje em dia há todas as castas – e mais algumas – das que enunciei acima. Não era assim no tempo dos nossos Ribeiros e Ribeiros Falcões, havia menos castas e com uma vitivinicultura muito diferente da de hoje. Mas já na altura o exportavam para o estrangeiro. Hoje também. Nós, bebemo-lo pouco. Deveríamos fazê-lo mais vezes.  

Voltaremos a falar de Basto e da nossa família, mas por causa de um outro ramo, o dos Borges, mas só daqui a bastante tempo… 😊.

(Os extractos dos mapas são do mapa de Gotha de España y Portugal, cerca de 1909). 

n. = nascido: b. = baptizado; m. = morto; c. = casado; cc = casado com; smn. = sem mais notícia.

sexta-feira, 6 de maio de 2022

CERTIFICAÇÃO DE VINHO - Estimável razão de ser

5 de Maio de 2022

UTAD, Vila Real

Comunicação nas III Jornadas de Enologia e Viticultura: Inovação e Criação de Valor

Associação Nacional de Estudantes de Enologia e Viticultura

Manuel Cardoso 

 


 

A todos muito Boa Tarde!

1. Agradeço o convite da ANEEV - Associação Nacional de Estudantes de Enologia e Viticultura, que me foi endereçado pela Eng.ª Adriana Vicente, pela mão da minha amiga Prof.ª Ana Alexandra Oliveira, e poder estar hoje aqui nestas III Jornadas de Enologia e Viticultura: Inovação e Criação de Valor, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), onde fui aluno na pós-graduação de Ciências Agrárias há mais de vinte anos. Este convite revela uma grande e imerecida consideração por mim, pelo que o agradeço especialmente.

Compete-me falar sobre CERTIFICAÇÃO.

2.      Devo começar por dizer-lhes, especialmente às senhoras que me convidaram, que deveriam ter feito uma certificação prévia do que vou dizer, para que se pudesse cumprir um dos desígnios básicos dum processo de certificação: o de que o produto corresponda às espectativas do seu fruidor porque, como já preveni tantas vezes, sendo eu apenas um amador informado, correrão o risco de me ouvir e no fim sair defraudadas, como acontece a tantos que adquirem vinho nos supermercados, olhando só ao preço, por ser barato, não interpretando os sinais do rótulo sobre certificações ou a sua ausência ou, pior ainda, assumindo uma certificação determinada como correspondente, só por si, a qualidades que, depois, não se revelam nem no copo nem na boca.  Desculpem-me, se não corresponder ao que esperam ouvir sobre este tema mas o que lhes direi será feito de forma honesta e com o objectivo de ficarem contentes com o tempo gasto: essas qualidades de certificação eu posso dar, a de que o processo foi feito com honestidade e com o objectivo de os satisfazer, duas qualidades à estimável razão de ser duma certificação de vinhos feita com ética: que seja honesta e procure a satisfação do consumidor.

3.      A Certificação começou muito antes do que se poderá supor hoje em dia: os selos das ânforas, as marcas nas barricas, as cartas de recomendação que acompanhavam as suas remessas, transportadas nas embarcações que desde há milénios sulcavam o Mediterrâneo, o Golfo Pérsico e as costas europeias e africanas do Atlântico, tudo isso eram processos de certificação dos vinhos que circulavam pelo Cáucaso e pela Ásia Menor, Grécia e Creta, Etrúria, Hispânia, Gália, Africa… O primeiro “Mercado Único Europeu” existiu no extraordinário Império Romano que, bem organizado administrativamente como era, não poderia deixar de ter os seus documentos de acompanhamento de mercadorias, certificações e políticas de protecção de produtos. Conceptualmente, não estamos a inventar nada, hoje em dia, estamos a repetir o que foram leis, métodos e processos outrora já utilizados numa sociedade sofisticada como era a romana e que também já antes, nas sociedades sofisticadas da Babilónia, da Pérsia, da China e da Índia, existiram como exigência das classes abastadas e cultas. O Vasco Avillez gosta de contar que pelos portos de Corinto e do Pireu e por outros em que cada vez mais se fazia essa circulação de vinho, havia umas ânforas e barricas especiais, dum vinho destinado especialmente aos cristãos, assinaladas com as letras XPTO, uma abreviatura da palavra grega "Χριστός" ("Christós" - Cristo), sigla com que Jesus Cristo aparece mencionado em numerosos documentos romanos, medievais e posteriores, vinho esse que, por isso distinto e considerado melhor, desde a sua origem ao seu mercado de destino, o dos cristãos para as suas cerimónias religiosas, hoje em dia, a Missa. Era uma forma de certificação desse vinho, da sua qualidade especial. Por extensão semântica, compreendemos assim porque dizemos que algo de especial seja xpto, nos nossos dias!...

4.      Várias vezes ao longo da história a certificação tem surgido como um método de luta contra a falta de qualidade provocada pela fraude e pela ganância: os casos do Chianti, delimitado pelos Médici em 1716, do Tokaj, classificado em 1730, e o caso, que muito nos deve orgulhar, em Portugal, da delimitação e regulamentação da área de produção do vinho do porto no Alto Douro, em 1756, a primeira a ter em simultâneo uma delimitação, classificação, regulamentação e organismo de regulação e controlo, a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, a Real Companhia Velha.

5.      O que é certificar? Uma leitura no nosso Dicionário da Academia das Ciências não deixa quaisquer dúvidas: certificar é provar que é verdadeiro; provar que está certo. Aquele que prova deve ser simultaneamente credível para quem quer certificar e para quem quer certificar-se. Ser credível significa ter idoneidade para o efeito o que, de forma simples, engloba, no “ser idóneo”, as qualidades de ser apropriado (ou seja, adequado ao vinho), capaz (de distinguir um vinho, por exemplo), apto (conveniente para o que se pretende) e competente (conhece e consegue ajuizar e fazer determinada tarefa). Pode parecer ociosa esta questão de vocabulário, mas se for entendida cientificamente, é fácil descobrir nestas palavras a honestidade, a satisfação do consumidor e a eficiência que deve fazer com que uma determinada menção num determinado rótulo, garanta aquilo que se espera estar dentro duma garrafa.

6.      Desde os inícios, por isso, que a certificação está ligada às demarcações e definições de origem dum produto como subjacentes à sua genuinidade e qualidade. Daí que a nível de cada país fossem surgindo, sobretudo por proteccionismo económico, as designações e delimitações regionais com o seu órgão regulador e de controlo (que simplificadamente aqui designaremos por CVRs), que todos conhecem, que tanto valor têm acrescentado aos vinhos – e tanto poderão acrescentar ainda! Com a política europeia começou a prevalecer uma visão de conjunto sobre estas matérias (não só para o vinho) e nas últimas décadas do século XX o pensamento foi-se compondo também com o vector do desenvolvimento regional. Convergindo todos esses desígnios, surgiram as DO, DOC ou DOP e as IGP e IG, regulamentadas, produtos com distintivos de qualidade, certificações que vieram dar segurança ao consumidor sobre a origem e conformação a determinados critérios de qualidade na produção, ao mesmo tempo que permitem ao produtor a diferenciação do seu produto e, com isto, ser expectável a sua valorização. Os OC, Organismos de controlo das DO e IG são as CVRs, o IVBAM e o IVDP, cada um na sua região (Aviso 175/2022 do IVV).

7.      Mas... A evolução dum processo relacionado com um produto como o vinho não poderia ser linear nem simples, porque tem numerosas variáveis a interferir na sua produção e consumo, na sua oferta e procura e… na opinião pública – mesmo que os actores desta opinião pública não produzam nem consumam, nas sociedades democráticas com liberdade de expressão têm uma palavra a dizer sobre o assunto e temos que viver com isso. E que nos condiciona. Ampliando, por desconhecimento, muitas das variáveis negativas que já os produtores e demais operadores no sector há muito vêm constatando e sobre elas tomando medidas. Aqui chegados, entramos num outro patamar de importância da certificação, que passaremos a abordar resumidamente, para não maçarmos, cingindo-nos ao essencial.

8.      Desde há século e meio que se começaram a generalizar novas práticas culturais, intensivas, com um apoio técnico e científico que melhoraram a produtividade e permitiram o acesso de muito mais pessoas a muito mais alimentos. Um deles, o vinho. Com consequências na biodiversidade, na qualidade dos ecossistemas, na paisagem: as áreas de vinha tornaram-se estremes na sua maioria e aumentaram de extensão em muitas regiões, não respeitando o mosaico existente na paisagem. De alguma forma, tal como são essenciais para o desenvolvimento regional, as vinhas e a produção de vinho têm particularidades que fazem com que, quer os viticultores, quer os vitivinicultores, quer as empresas do sector, quer os consumidores informados, dêem cada vez mais importância aos factores relacionados com a qualidade e com o impacto social e ambiental que possam ter.

9.      Os relacionados com a qualidade têm sido resolvidos – e muito bem – com os novos conhecimentos e profissionalismo instalado em todas as etapas deste processo que transforma as uvas em produto alimentar ou de deleite. Os sistemas de garantia de qualidade, escritos e descritos nas normas ISO 8402-1994 e 9001-2008, em que os produtores assumem a responsabilidade por procedimentos e métodos correctos e usam recursos para que o produto final tenha os atributos e a ausência de defeitos expectável pelo consumidor, têm vindo a reforçar a confiança deste consumidor no líquido que se encontra dentro das garrafas, dos bag-in-box, das latas ou das embalagens PET ou mesmo daquele que lhe é servido a copo nos bares e restaurantes. Segurança em higiene e toxicologia, em saúde, em serviço (facilidade de utilização, apresentação e conservação) e em satisfação (atributos sensoriais). Um sistema de garantia de qualidade assegura que o conjunto de características do produto lhe confere aptidão para satisfazer as suas necessidades implícitas e explícitas. Não é por acaso que muitos momentos significativos, de felicidade ou de tristeza, de partilha de emoções, de comemoração social ou do desencadear duma agradável e pessoal tempestade romântica, decorram de se beber um copo – ou dois! – dum vinho de qualidade!

10.  Estamos a uma distância espacial e temporal enorme da de há vinte ou trinta anos atrás em matéria de confiança e qualidade nos nossos vinhos! Por causa dos licenciados com competência em enologia? Sem dúvida. Mas também por causa dos compromissos assumidos pelo produtor nos programas de qualidade certificada – cá está! – e na sua transparência de declarar assumi-los e aceitar ser controlado sobre o seu cumprimento.

11.  Há os aspectos relacionados com o respeito pelo ambiente, pela biodiversidade e pela saúde: estarão salvaguardados pelos programas MPB, Modo de Produção Biológico, com mais ou menos variantes, apoiados por incentivos financeiros da União Europeia, no nosso caso, e com numerosos programas similares ou correlacionados em quase todos os países produtores de uvas para vinho. Há o programa da Produção e Protecção Integrada em que o objectivo é a obtenção de frutos sãos com boas características organolépticas e de conservação e, simultaneamente, com a preocupação de qualidade pelo produto associada à sua segurança alimentar e rastreabilidade baseado em boas práticas agrícolas, com gestão racional dos recursos naturais e privilegiando a utilização dos mecanismos de regulação natural em substituição de fatores de produção, contribuindo, deste modo, para uma agricultura sustentávelEm Portugal é a DGADR quem superintende nos sistemas de Produção e Certificação de Qualidade nomeadamente sobre Agricultura e Produção Biológica e Produção Integrada, estando disponível e facilmente acessível no seu site toda a informação pertinente sobre DOP/IGP/ETG e MBP, os laboratórios designados para controlo oficial, os organismos de controlo delegado, etc. etc. Todos eles são credíveis programas de execução, controlo e certificação que dão ao consumidor uma imagem – substantiva – de confiança nos vinhos e demais produtos que ostentam nos seus rótulos os símbolos destas certificações. Seria fastidioso estar aqui a elencar os diferentes programas de todos os países, informação, aliás, que está à distância de cliques e com possibilidade de interactividade pessoal: quase todos os dias as redes sociais têm apresentações e debates com grande nível e em que podemos colocar perguntas aos seus protagonistas nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália, em todo o mundo! O sector do vinho está a ser exemplar em transparência e em fluxo de informação em termos de CERTIFICAÇÃO e de cumprimento de programas de sustentabilidade.

12.  Decorrendo do que já referimos, tem-se evoluído muito na consciência ambiental das repercussões da agricultura/viticultura/vitivinicultura e tem ganho um relevo assinalável a concepção de sustentabilidade, para muitos parcialmente entendida como ambiental mas que tem de ser assumida na sua complexidade holística e base económica. Recomendo vivamente, porque acessível, a leitura do artigo Inventory of environmental certifications throughout the world, de V. Lempereur, M. Balazard et C. Herbin, do Institut Français de la Vigne et du Vin, apresentado ao 42nd World Congress of Vine and Wine em 2019, com abundante e muito interessante informação a este respeito, em que vem expressamente mencionado o Plano de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo e a importância da aceitação transversal das Normas ISO 14001 respeitante à salvaguarda ambiental e 26000, à responsabilidade social. Portugal, neste campo, tem dado passos importantes e não estamos desfasados em relação ao resto do mundo vitivinícola. Muitas das nossas empresas estão na vanguarda da execução de programas de certificação, com cumprimentos exemplares e, na maioria dos casos, irrepreensíveis. Há outras CVRs empenhadíssimas, como a CVR Vinho Verde, a CVR Dão, a CVR Península de Setúbal e outras, que estão a recorrer a serviços de empresas de referência para aconselhamento e formatação de iniciativas. A Consagra, a Agroges, a Consulai, a PortoProtocol (e haverá ainda outras que peço desculpa por não mencionar), têm feito trabalhos notáveis, uns mais públicos do que outros, de assessoria e aconselhamento actualizado. E entidades privadas e públicas, como a ViniPortugal, a ACIBEV, a CAP, a FENADEGAS/CONFAGRI, a AEVP, a ADVID, a ATEVA, o INIAV, a DGADR, as DRAPs, outras ainda, têm promovido sessões, nos últimos anos, de informação e debate, em que estes temas da certificação e da sustentabilidade têm ganho a importância que merecem.    

13.  A OIV, pela sua Resolução 518-2016 (indispensável o estudo desta Resolução), definiu os princípios gerais para uma Vitivinicultura Sustentável nas suas vertentes ambientais, sociais, económicas e culturais. É uma resolução fulcral em termos de dar uma perspectiva global ao mundo do vinho para o estabelecimento dum referencial comum em sustentabilidade, para que cada país possa ter o seu programa compatibilizado com os demais. Complementada pela Orientação OIV 641-2020, toda ela um guia de aplicação da OIV dos princípios da Vitivinicultura Sustentável. É à luz destes instrumentos normativos que o IVV em articulação com a Vini Portugal – Wines of Portugal, desde 2021 está a desenvolver um Programa Nacional de Certificação de Sustentabilidade para o Sector Vitivinícola de Portugal, que estará disponível em breve, segundo sabemos, e que será acessível a grandes e a pequenas empresas, voluntário, faseado e inclusivo, que evita a duplicação de certificações para todos os que já tenham em execução os seus próprios programas e nas cláusulas em que se sobreponham, que respeita as diferenças regionais mas que uniformiza procedimentos para as empresas multiregionais de forma a evitar burocracia e despesas desnecessárias e que, finalmente e muito importante, permitirá ter, às empresas portuguesas, um cunho distintivo e favorável para os seus negócios.

14.  O Porquê certificar um vinho não deve ter só a ver com o cumprimento de legislação ou regulamentação, com o melhorar práticas culturais ultrapassadas ou não conformes, com o reduzir impactos negativos no ambiente ou na saúde ou com a sua diferenciação e ganhos económicos (se bem que os ganhos económicos sejam importantes e baste como razão suficiente querer com ela satisfazer um determinado público dum determinado mercado): deve ser uma demonstração de responsabilidade, de correspondência às exigências de clientes e uma atitude cultural de quem compreende o seu tempo – o nosso tempo – e  a nossa forma civilizada de estarmos no mundo. Sem perdermos de vista nem por um minuto que a garantia da sustentabilidade económica deve estar sempre subjacente em todo o edifício produtivo: sem ela não será possível a segurança e a qualidade dos vinhos, a sustentabilidade ambiental do sistema produtivo e sobrevivência dos produtores com um condigno nível de vida.

15.  Normalmente, em Portugal, temos um pouco a mania de ser mais papistas do que o Papa e de acabarmos por exigir de nós próprios mais do que seria necessário para conseguir o que os outros países fazem.

Mas também temos uma atitude diferente, por vezes, mesmo em relação a coisas que parecem fáceis: a do “já está bem assim!”, “para que é que é preciso mais?!”... Creio que nos reconhecemos em ambas: na demasiada exigência ou no desleixo de quem se contenta com menos. Ora, são um grande exemplo de que todos nós, em Portugal, PRECISAMOS MUITO DE CERTIFICAÇÃO. Temos capacidade para nos estimarmos como razão de sermos. A capacidade de ser honestos e de satisfazer os nossos clientes, os nossos turistas e a nós próprios também!

 

Muito obrigado!