Manuel Cardoso
Comunicação
no âmbito do projeto
Interrreg Sudoe, I-ReWater, Jornada de Sensibilização, na qualidade de
Presidente da Associação de Beneficiários de Macedo de Cavaleiros, em
Mirandela, 30 de outubro de 2025. 
Agradeço o honroso convite para vir,
mais uma vez, meter água, de leigo entre especialistas na matéria e, ainda por
cima, na qualidade de transmontano, glosando o tema Potencial
Hidroagrícola de Trás-os-Montes, um título de quatro palavras que, por
si só, é um programa científico, político e humano capaz de ocupar uma vida. 
Potencial Hidroagrícola de
Trás-os-Montes: filosoficamente,
 potencial é o que é susceptível
de existir mas ainda não tem existência real; que pode realizar-se ou ter a
capacidade de ser trabalhado mas que ainda não passou da ideia ao acto. Em
termos técnicos, hidroagrícola é algo que relaciona a agricultura e a
água, pela ordem inversa, a água e a agricultura, já que não só o elemento água
é um dos primordiais na existência mas também a agricultura, como actividade,
pressupõe o homem a agir. Interessantíssimo, o conceito de agricultura, porque
é uma actividade exclusivamente humana e em que intervêm a inteligência e a
cultura, em diferentes acepções, e que lança mão da água, da terra, do fogo e
do ar para conseguir obter o seu resultado. Seja a que escala for e seja em que
geografia se entenda. Até no Espaço! Ora, entendendo bem o sentido da palavra hidroagrícola,
nesta sala e no ano 2025, com certeza que todos a compreendemos como
referindo-se à água e à sua utilização agrícola. Àquela que já é usada para a
produção dos nossos alimentos? Precisamente à outra, àquela que potencialmente
poderia ser usada para a produção dos nossos alimentos mas ainda não o é
(na maioria dos casos por razões políticas), já que o nosso tema é o do
Potencial Hidroagrícola. 
Potencial do de qualquer um? Não, do de
Trás-os-Montes. E aqui batemos em mais um ponto muito importante. É que não
estamos a referir-nos ao Alto Minho, ao Alentejo, ao Ribatejo, ao Oeste, às
Beiras, a Espanha, à Galiza ou a Castela, a Marrocos ou ao Deserto do Sahara ou
à bacia Mediterrânica. Estamos a referir-nos a Trás-os-Montes, a este pedaço do
Norte interior de Portugal a que vulgarmente uma visão apressada chama
planalto, e não deixa de o ser, ou um conjunto de serras, que também o é, ou
uma sucessão de vales todos eles a confluir para o Douro, no que é uma
realidade inegável. Com uma outra realidade interessante, para quem nos visita,
agora que a A4, a A24, a A7 o IP2 e o IC5 permitem atravessar toda a paisagem
mais depressa que os pássaros: 
“Estávamos a ver que nunca mais
chegávamos: um nevão no Alto do Pópulo fez-nos estar horas à espera do
limpa-neves!”; 
“Estivemos aí neste fim de semana:
Trás-os-Montes está todo seco e amarelo!”; 
“Fomos até ao Montesinho na passagem
de ano: apanhámos um frio de rachar mas dias lindos de sol!”; 
“Disseram-nos para irmos ver começar
as vindimas: sufocámos a quarenta graus no Pinhão – e à sombra!”;
“…E em Mirandela? Nem se respirava!”;
“Estivemos lá em Dezembro: um
nevoeiro gelado que não se via um palmo!”; 
“Carnaval dos Caretos?! Choveu o
tempo todo!”; 
“Chegámos a Miranda num dia tórrido!”;
“– Ah! Connosco, ao sairmos do
Lareira, em Mogadouro, estava um vento que só de samarra!”;
“Em Bragança íamos caindo ao
escorregarmos no gelo do passeio!”.
Todas estas exclamações, que podem
ser tomados como elogios, são de quem contacta com o Trás-os-Montes real,
somatório de planaltos, vales, serras, rios e uma ou outra montanha mais alta,
por onde se reparte um tempo atmosférico, geograficamente simplificado em Terra
Fria e Terra Quente, e em que a sucessão de anos climáticos e hidrológicos,
variados pela evolução inconstante do clima, vem particularizar as paisagens,
geograficamente também simplificadas em mais ou menos atlânticas, mais ou menos
continentais, mais ou menos mediterrânicas, com a vegetação e as culturas
agrícolas que lhes correspondem. 
E para os que conhecemos
Trás-os-Montes de andarmos por cá, por ser a nossa casa, conseguimos a sensação
do estarmos por fora cá dentro, porque temos o Alto Minho, no Barroso; o
Alentejo, no Planalto de Mogadouro; o Ribatejo, na parte baixa da Vilariça; o
Oeste, no vale de Macedo; as Beiras, na nossa orla Sul; Espanha, um pouquinho
por todo o lado e até para cá de Miranda; Galiza, no norte de Vinhais, de
Valpaços, de Chaves; Castela, a chegar a Bragança; Marrocos, entre Moncorvo e
Freixo; o Mediterrâneo, espalhado nos olivais e nas vinhas, nas amendoeiras e
nas figueiras, até temos sobreiros e azinheiras que só não são montados e dehesas
porque aqui crescem em interstícios de grandes fraguedos e em despenhadeiros
inacessíveis do Quadraçal; e o Deserto do Sahara, a mostrar-se em manchas pela
bacia da Terra Quente, a ameaçar Mirandela, e pelo Monte de Morais, e por mais
sítios se não lhe atalharmos com urgência, isto é, se não gerarmos novas fontes
de água. 
Trás-os-Montes é assim, entre rincões
úberes e espaços agrestes. Com dois denominadores comuns: o da existência de
água e o da sua falta. Se a há e a terra dá, temos tudo. O problema é se a não
há: mesmo que a terra dê, dará cada vez menos. Porque cada vez mais, por
Trás-os-Montes, ou haverá hidroagricultura ou não haverá agricultura. 
Daí a importância de reflectirmos um
pouco sobre o potencial. O potencial de Trás-os-Montes. Que só o será na
medida em que for hidro-agrícola. Só o será se houver água.
Este potencial existe como tal,
carece é de ser trabalhado. Não precisamos dum Alqueva, apenas precisamos de
mais uma dúzia e meia de relativamente pequenas albufeiras e das suas condutas
de ligação e dos seus perímetros de rega definidos. Estão estudados os sítios
desde há anos, há apenas que num caso ou noutro actualizar esses estudos. Há
que construir as que já têm projecto. E há que estabelecer um funcionamento em
rede entre todos, ou quase, esses aproveitamentos hidroagrícolas,
articulando-os com os investimentos privados que, um pouco por todo o lado, se
têm substituído ao Estado em barragens, em charcas, em condutas e redes. 
Se dizemos que não precisamos dum
Alqueva, é, porque, na realidade, já o temos: se somarmos as massas de água das
albufeiras do Alto Rabagão, do Vale de Chaves, do Tâmega, do Tua, do Azibo, da
Vilariça, do Sabor, do Douro, do Távora e Varosa, temos um total de água que
chega para as nossas necessidades de diferentes usos. Há é que mudar a
legislação, o que se faz em gabinete, para permissão da fruição também agrícola
dessas massas de água. Há que planear a sua integração e complementaridade, há
que pensar com o pensamento no futuro e a acção na realidade.
Precisamos, isso sim, duma “EDIA”
para Trás-os-Montes. Uma entidade que unifique um pensamento e uma acção sobre
o regadio, que tutele a gestão do investimento e capacite a região duma visão
integrada e esteja dotada da equipa técnica habilitada ao objectivo de que
possa haver agricultura com água em quantidade e qualidade e nos espaços
geográficos necessários.   
Em Trás-os-Montes chove todos os
anos, mesmo em anos de seca, mais do que o necessário para as redes de rega. Reter
e gerir essa água à luz do que a ciência hoje nos permite, é uma obrigação. 
Prometi a mim mesmo, ao escrever
estas notas, não vir para aqui com milímetros de precipitação, nem com índices
de aridez, nem com hectómetros cúbicos de albufeiras, nem, sequer, com
quilómetros de canais ou condutas e muito menos com hectares de regadio. Assim
como não falar em alterações climáticas. Porque não há necessidade: está tudo
implícito. Implícito nestas linhas e explícito nos projectos de Câmaras
Municipais, das CIM, da CCDRN, da DGADR, do Água que Une. Está tudo implícito
nos trabalhos que os agricultores fazem ao investir em plantações de olivais e
vinha em cotas cada vez mais altas – e com sistemas de rega modernos e
eficientes, gastando cada vez menos água para o mesmo bom resultado. 
Pode haver quem pense que as
quantidades de água reciclada que fica patente no I-ReWater e seus congéneres
sejam desprezíveis ou menosprezáveis e que o próprio processo “não valha a
pena”. Convido quem assim pense a ir deambular pelas ETAR e cercanias e a fazer
um exercício de imaginar o potencial que representa a vários níveis, o do
reaproveitamento da água, o do respeito pelo ambiente, o da conservação da
Natureza, um tal trabalho de uso deste nosso tão precioso recurso. E o exemplo
moral de, sabendo dar valor ao que aparentemente possa parecer um pormenor em
quantidade, poder assim pretender e aspirar a mais volumosas quantidades de
água, porque merecidas, obtidas pelos meios mais convencionais. Se valorizamos
o pouco, merecemos o muito. E, por tudo isto, ao valorizarmos a água para o
olival, para outas plantações permanentes, para as hortas, para os linhares
(ainda há quem saiba o que era um linhar?), para os lameiros, obtida pelo I-ReWater,
pelos regadios tradicionais, pelas redes modernas de aproveitamentos
hidroagrícolas, estamos a dar uma lição de que compreendemos, na sua
globalidade, o que é o verdadeiro Potencial Hidroagrícola de Trás-os-Montes. É
o da água, evidentemente, e é o das cabeças que a saibam pensar e a saibam
fruir. I-ReWater é uma bandeira de presença científica, da atenção das
Universidades e Institutos Superiores, de ligação a Espanha e à outra Europa.
Finalmente, o desenvolvimento, o
Potencial Hidroagrícola de Trás-os-Montes e as pessoas, porque é de pessoas de
que se trata. Está a haver privados a investir, e em montantes sem precedentes,
um pouco por todo o lado daqui. Nesta terceira década do século XXI os privados
estão a investir como nunca se viu nas décadas anteriores, com o seu próprio
dinheiro, associado ou não a fundos da União Europeia, conforme. Em Valpaços,
em Moncorvo, em Mirandela, em Vila Flor, em Macedo, em Bragança, em Alfândega
da Fé, em Mogadouro, um pouco por todo o lado mas sobretudo nesses, basta um
pouco de atenção quando andamos pelas estradas para reconhecermos milhões,
muitos milhões, em plantações, em adegas e lagares, em armazéns e equipamentos,
em novas pessoas a trabalhar. Só agora começam a ser perceptíveis nas
estatísticas (o Estado atrasa-se sempre um bocado a fazer o tratamento e
disponibilização de dados…) mas já o são no movimento nos campos e nas nossas
pequenas vilas e cidades. Ora, o Estado (o Estado Central, o desconcentrado das
CCDRs e o das Autarquias) tem a obrigação de acompanhar os privados nestes
investimentos, fazendo a parte que lhe compete em água e rega e em caminhos
rurais (para só citar estas coisas). Se os privados investem milhões, o estado
tem a obrigação de o fazer também, funcionando assim a economia real.
Sendo uma região ainda em depressão
nos índices populacionais e em que, por alguns anos, a paisagem exprimiu
abandono e desistência, todo este movimento a que agora assistimos faz-nos ter
esperança de que hoje há quem acredita e queira acontecer. Olhando para a
História, faz-nos pensar, à nossa pequena escala mas que é grande na nossa
vida, no que se passou na América após a Grande Depressão, no Japão após a II Grande
Guerra, na Europa quando Sicco Mansholt e os pensadores de Roma e de Bruxelas
desenharam a Política Agrícola Comum e a reconstrução do tecido produtivo dos
campos. 
Faz-nos ter uma grande emoção
interior assistir a tudo isto e vermos que ainda há quem saiba que o Potencial
Hidroagrícola de Trás-os-Montes é o nosso desenvolvimento, a nossa
possibilidade de estarmos aqui, de vivermos aqui e aqui voltarmos a ver surgir
um Trás-os-Montes curado da sua depressão e mais jovem, mais moderno e com
Futuro.           

 
 
 
 
 
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