domingo, 6 de julho de 2025

Papéis estupendos e deliciosos


 

©Manuel Cardoso

 

“Rosquilhas de aguardente – Um arrátel de assucar, 20 ovos tiram-se-lhe dez claras tudo vem batido até que a massa esteja vem grossa depois deita-se na masseira deitando-se-lhe um quarteirão de aguardente para lavar o tacho e ao amassar deita-se-lhe meio arrátel de manteiga de porco mas que seja vem quente”.

Não sei quem foi a autora. Este pequeno parágrafo está com muitos outros numa folha de papel escurecida pelo tempo e pelo uso em cozinhas antigas, manchas a fazerem-lhe decoração de saboroso currículo de trabalho. Manuseamos tais páginas respeitando o tacto que tiveram de cozinheiras ancestrais e curiosas na sua leitura, de certeza copiadas mais vezes, repetidas ao ouvido de aprendizes e de donas de casa. Estas folhas estariam numa gaveta ou numa caixa do escano ou entaladas num maço que apanhava o fumo e os vapores da cozinha. Apesar de sabidas de cor, serviriam de cábula às iniciantes ou para desfazer teimas e, seguramente, para emprestar às visitas que, da cerimónia fazia parte, pediam para ter a receita do que acabavam de provar.

Aromáticas da aguardente e da canela, ao cozinharem-se e ao trincarem-se, as rosquilhas eram essenciais numa viagem e havia-as guardadas numa terrina, num armário, à espera de visitas inesperadas. Faziam-se fritas em azeite ou, então, iam ao forno num tabuleiro polvilhado, estas mais próprias para poderem ser embebidas em vinho do porto ou da madeira. Como muitas das receitas antigas de bolachas e biscoitos, os amarantinos e os económicos, os cabacos, as broas de amêndoa, as rosquilhas de viúva, todos eles eram munições de boca fáceis de transportar em saquinhos de linho ou cestinhos de verga, úteis para quebrar o jejum e para preencher as horas nas diligências, a pé ou a cavalo, nos comboios ou nos barcos. Nas festas e nos bailes, uma rosquilha a servir de mata-borrão a uma taça de champagne era – e é! – uma forma instantânea de recuperar o fôlego para mais uns quantos rodopios aos saltos.

É com um enorme respeito que se devem coleccionar e preservar bem estas folhas manuscritas, autenticamente desenhadas em escrita cursiva com aparo molhado em tinteiro,  com uma letra que envergonharia as letras de hoje, caligrafia de estilo aprendido e tão treinado quanto as receitas sobre que informa, protegendo-as agora eu em micas mas, sempre que se retiram da transparência para se lhes examinar qualquer pormenor à lupa, libertam o seu cheiro antigo em que se adivinham canelas, açúcar queimado, por vezes pimentas e até louro – algumas com cânforas e alfazemas do tempo guardado e resguardo das traças. Palpitam de vida e inspiram azáfama. 

O núcleo mais antigo de papéis veio-nos parar às mãos no lote dos “que já ninguém quer”, nas palavras da nossa divertida prima Batija, que fez comigo o rebusco final em casa das Tias Sousas, no tempo da outra senhora, antes de ser posta à venda, e me perguntou se eu não quereria escolher algum papel que ainda se aproveitasse, daquele pequeno monte no chão do fundo do corredor, a casa estava já sem móveis – fiquei com todos! Umas dezenas de jornais velhos, partituras para piano com capas de Belle Époque, algumas cosidas com fios de seda porque o uso lhes gastara e rasgara o vinco (imagina-se a cena da pianista e duma ou dum ajudante a dobrar e a mudar-lhe a partitura da valsa para se manter o ritmo da dança, a provocar-lhe o frisson pelo gesto de galanteio…), e umas folhas desirmanadas de velhos livros de receitas. Esta era uma delas. 

Toucinhos do Céu, pudins de pão, de batata, de laranja, pudim gelado em banho-maria, velos de raiba, pudinzinhos dos Remédios, trouxas, castanhas de doces de limas, ameixas e damascos, broas, morcelas pretas e morcelas de lombo, pastéis de Lamego, calda de perdiz, celestes, tigelinhas de Londres, esquecidas de Coimbra, doces das Pedrosas, bolos do Paraíso, francelinos, caracóis, esses, Manuéis, Napolitanos, suspiros de freira, doces de ovos, … muitos mais! Numa das sequências há, à margem, em letras mais pequenas, “Adosinda de Sousa”, o que bate certo com a nossa velhinha tia-avó (então envelhecia-se muito depressa) que ainda conheci e que morreu em 1970 antes de fazer 93 anos: muito culta e inteligente, era a humildade em pessoa, letra a sumir-se, mas muito perfeita, muito correcta.

Lidas hoje, as unidades de medida dessas receitas são notáveis: arráteis, quarteirões, vintenas, meios-tostões, quartilhos, quartas e onças, assim como as designações de peneira de cabelo, água de flor, manteiga do norte…

Podemos pensar estarmos muito longe do tempo destas folhas, com antiguidade mais do que centenária, mas, lendo-as bem e olhando os escaparates de muitas pastelarias, está bem vivo e junto de nós. Com menos coisas pisadas em almofariz ou tendidas com o rolo da massa, porque os electrodomésticos vieram mudar imenso os procedimentos; com muito menos coisas em unidades misteriosas, porque o sistema métrico veio pôr tudo em grama e kilo; com menos alguns dos ingredientes, porque o conhecimento dietético relacionado com a saúde veio impor novas regras. Mas, linha a linha e página a página, ao lerem-se os enunciados de quantidades, dos processos, das recomendações para a massa não ficar grossa ou para o tempo de espera até cozer, arrefecer, ou passar, simplesmente, até poderem consumir-se, ao ler-se todo o empenho que esteve nas descrições e ao sentir-se que havia experiência e amor em toda a actividade da cozinha, é impossível não nos comovermos com a vinda até nós, a 2023, de toda esta informação em suporte papel, desafiando anos e anos, trazendo conhecimento, dando vontade de desatar a experimentar e a provar todas e cada uma das receitas.

Já agora, um arrátel são 459 grama, hoje. Um arrátel valia catorze a dezasseis onças, conforme as zonas do nosso país. O “nosso”, daqui de casa, valia 14 e, por isso, uma onça destas receitas vale 33 grama, tudo aproximadamente, se quiserem experimentar, não se precisa de balança de precisão – precisa-se de sensibilidade culinária, o que não é pouco!

Impossível não terminar com a receita de cup, está-se mesmo a ver os convidados da festa a remexê-lo com uma concha de prata e a vertê-lo para as taças, senhoras a espreitar o colorido da terrina, música de gramofone de manivela, toilettes em esplendor, trincadelas num biscoito com a mão esquerda enquanto a direita, segurando com elegância no cristal, o levava aos lábios na pose estudada e treinada para depois surgir a frase, olhos o fitar o alvo, tom sedutor, “uma delícia estupenda! O que levou?”: 3 garrafas de vinho branco, 3 litros de água mineral bem gasosa, 1 garrafa de champagne, 1 cálice de cognac, 300 gramas de açúcar, variedade de frutas aromáticas (laranja, morangos, ananaz, etc.) cortada em bocadinhos e gelo cortado de igual modo. Junta-se tudo durante duas horas, excepto o champagne, que é na ocasião.     



Este artigo foi previamente por mim publicado no EGGAS.                    

sábado, 21 de junho de 2025

Iogurte grego numa receita francesa comida no Minho

 


©Manuel Cardoso

 

Se num dia de muito calor acontecer passarmos diante dum escaparate com boiões grandes de iogurte grego, devemos comprar pelo menos um e ainda um limão, três pepinos e hortelã de bom perfume (que seja suficiente para enchermos, a mais do que a trasbordar, uma chávena de chá com as folhas cortadas à tesoura). Descascamos os pepinos, rapamos-lhes as sementes e cortamo-los em picado de modo a ficarem quase em papa, salgamo-los e deixamo-los a escorrer bem num coador. Acrescentamos dois dentes de alho esmagadíssimos. E o sumo do limão. E misturamos tudo: o iogurte, os pepinos escorridos com o sal e o alho, o sumo de limão. Provamos para ajustar o sal. Misturamos, cuidadosa e finalmente, a hortelã. Contenhamos a gulodice e deixemos ficar por umas horas no frigorífico. Depois…

…depois podemos provar com salada, ou com carne grelhada, ou com um cabrito no forno, ou com um arroz solto, ou à colherada por puro deleite numa tostinha e cama feita a um branco gelado, um rosé mais gelado ainda, um tinto aberto dos raros que se provam às vezes.

No nosso almoço, o de amigos nascidos nos anos 50, em casa, aliás, nos jardins secretos da Patrícia Jacquot e do Acácio Pimentel, há dias, havia uma mesa cuja decoração foi mudando e por onde passaram coisas óptimas, até as fotografámos para memória futura. Mas quando pensamos nessas mesas sucessivas de cores e surpresas, de mão do Acácio, em que houve queijos e azeitonas, bacalhau, tripas, couscous, milhos, verduras várias e temperos soberbos, cabrito que se cortava com um prato, sabores trasmontanos e minhotos com sangue, cominhos e cravinho, havia uma taça, que se distingue na nossa imagem mental: a do creme de iogurte com pepino, da mão da Patrícia, em que o pepino estava lá, mas tão bem acompanhado que se sumia sem perder a personalidade – seria  o mesmo que uma das fotos de um de nós num museu de cera ao lado da Raquel Welch: nós estamos lá mas o que salta à vista é a Raquel Welch vestida ou não como se quiser. O que tinha aquele iogurte? Houve imensos palpites, mas o aahhh! foi geral quando a Patrícia revelou que o creme tinha pepino: depois de se saber era fácil, só um fruto desses para dar aquela estrutura – e havia ali uma grande mestria em conseguir-se o resultado, aquele resultado e não outro. Rapámos a taça!

A Casa da Deveza, em Azevedo, faz jus ao nome: no Dicionário da Academia, uma devesa é uma alameda que delimita um terreno; lugar cercado por arvoredo; mata ou arvoredo cercado ou murado; souto; campo fértil na margem dum rio. Ora, a casa da Patrícia e do Acácio é isso tudo e ainda mais! Aliás, é o dicionário que está incompleto já que deveria acrescentar (não duvidamos que o será em edições futuras!) pedaço de éden em que os donos recebem os amigos. Com uma vantagem sobre o Éden primordial, já que esse não se sabe onde ficava – e este fica mesmo ao pé de Caminha! (É uma casa particular e não um estabelecimento público, esclareça-se!). Passear naqueles jardins de gosto inglês, em que os nossos pés se afundam em muitos centímetros de relva de folha larga, fez-nos mudar tão bem da nossa vida nesse dia que foi com motivos de alegrias e sem nostalgias tristes que conversámos sobre infâncias, carreiras, negócios, amigos presentes e ausentes, festas e lutos como se um caleidoscópio, especial porque todo ele verde (estávamos no Minho, para todos os efeitos), para lá desse especial porque o verde tinha as intermitências dos áceres, do bambu, do colorido das fatiotas de todos nós, as nossas vozes, o passear dos leões-da-rodésia com a sua agitação e imponência, o imaginar mitológico e anedótico dum canguru por ali aos saltos, o vôo das garças a vir buscar os peixes da taça de água, como se um caleidoscópio, dizia, nos maravilhasse com os vislumbres dos nossos professores, das aulas, das férias, das marotices ingénuas de há meio século em Trás-os-Montes que nos fizeram, afinal, a todos, estarmos ali.

Tenho a certeza de que ao experimentar construir o creme de iogurte, o pepino vai estar a mais ou a menos. O que até será bom, porque teremos de repetir a experiência, até acertarmos, e cada repetição exigirá aprumo e denodo culinário. A Mariana zelará pelo meu aprumo. Para o denodo já pusemos o rosé no frigorífico. Falta vir um dia de calor com uma tarde de sol para irmos buscar o boião de iogurte grego. Até lá, vamo-nos consolando com a amizade das mensagens, das fotos, dos videoclips do nosso grupo dos anos cinquenta no whatsapp!... Qual o rosé que pusemos no frigorífico?! Ah! Pois é!... revelaremos num dia de Verão a sério já que é um rosé a sério, intencional. Saúde, Patrícia e Acácio! 


[Este post foi anteriormente publicado no EGGAS em Junho de 2023]  

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Batatas de toda a vida

 


©Manuel Cardoso

 

 

A minha década de todos os possíveis foi a dos anos setenta. Na faixa de aceleração para a faculdade lia um livro por dia, dos da Colecção Vampiro ou da Argonauta, e lembro-me de, numa tarde de calor, acompanhando o Carlos Cordeiro Ferreira aos Vilares da Vilariça, eu ficar nos degraus de cantaria da casa, à sombra, vale desenrolando-se ao fundo com o bafo quente de Verão, retirar o livro do bolso das blue-jeans, e começar a lê-lo, enquanto ele foi com um caseiro dar uma volta às propriedades. Acabei-o já à noite, em casa, idealizando o seu final como se pudesse ter sido no mesmíssimo vale: A Última Fome, de John Christopher, numa edição mole da Europa-América, versão portuguesa de The Death of Grass. A partir desse dia passei a considerar as batatas num patamar bem acima daquele em que as tinha.

Anos antes, predilecção de brincadeiras de miúdo, nos trabalhos de se plantarem as batatas no Lameirão – que hoje é um parque de estacionamento! – junto ao ribeiro, em Macedo, era divertido ir em cima da grade de alisar a terra, seguro com a mão forte do Henrique Ginja para não me deixar escorregar o pé, bem agarrado ao pau que na vertical nos servia de prumo e em baixo engatava a argola da vara que a parelha de machos puxava. Tal como me era fascinante conduzir a água, com um sacho, vertida da nora engenhosa movida a burro ou, inovação!, dum motor eléctrico do poço, despejada caudalosamente numa pequena vala à cabeceira da horta, percorrendo um a um cada rego, que tínhamos de obstruir logo que o seu percurso chegava à ponta, com uma sachada de terra empapada, soerguida como um pequeno dique, e mudava-se para outro onde entrava cheia de vontade, correspondendo à minha emoção. Cheguei a ter um barquinho de papel a ir por aqueles canais como se estivesse no Nilo e fosse o cesto onde se escondera Moisés! Quantos fins de tarde ali passei com os tão amigos Irene e Norberto Silva, o Senhor Silva electricista, cheios de paciência para mim, explicando coisas, apontando os escaravelhos que tinham vindo da América e que eu achava bonitos e lógicos porque as batatas tinham vindo também. Eram apanhadas em dias de safra e canseira, nem todas ao mesmo tempo, porque umas eram as arran consul, outras as arran banner e outras as kennebec (aprendi nesse tempo rancônsul, rambana e canibet, está visto!). Depois eram guardadas no escuro, palha por cima, num dia misterioso polvilhadas com um pó perigosíssimo que nos impedia de irmos brincar para a loja das batatas (ouvi sussurros na cozinha de que a mulher do…… se tinha matado com “remédio das batatas” e pensei que fosse esse pó – só anos mais tarde percebi que tinha sido com o líquido de pulverizar contra o escaravelho!).

Há centenas de maneiras de comer batatas, mas as que se me gravaram de infância foram as batatas cozidas, as assadas e as fritas, nas variantes de rodelas e em palitos, com mais variantes ainda. Os purés! As palha, do bacalhau à Braz. As do pudim de batata (que era enformado de forma a parecer um castelo da Disney e em que uma das torres desabava no trajecto, do tabuleiro com a travessa, entre a cozinha e a sala de jantar). As novas, cozidas com casca! Todas elas eram batatas e ponto!

Já no Colégio de Cernache (o CAIC dos Jesuítas) apareciam de vez em quando umas batatas feitas pelo Irmão Leal com pontos verdes de salsa e cheiro de vinagre, cujo sabor recordo com saudade. O ligeiro travo ácido do vinagrete misturava-se com a polpa e eu não deixava sobrar nenhuma.

Nesses anos setenta, a Pilar e eu aprendemos a fazer tortilhas, com batatas fatiadas com uma pré-cozedura, e saiam-nos sempre bem. Com cenas cómicas das tentativas de as virarmos como na TV, impulso da frigideira, splash que nem sempre ficava centrado! Foi por causa do meu Pai e, sobretudo, por causa da Pilar que eu comecei a ler os livros da Colecção Vampiro e os outros – eles e a minha Mãe andavam sempre com um para todo o lado, iniciado, e chegava a discutir-se o caso à mesa, sem revelar desfechos, com a ajuda das capas crípticas de Cândido Costa Pinto – e sem revelar alguns pormenores mais tarde muito interessantes, mas que para a minha Mãe, mais puritana, seria intolerável serem ali desvendados. Nesses livros havia venenos, como os das nossas batatas, capazes de colocar problemas aos melhores detectives! E comecei a pensar que este “fruto”, logo a seguir à maçã da Bíblia, seria o mais importante. Como eram simples, fantásticas e cultas, essas conversas à mesa: fiquei a saber que nem a Bíblia se refere, alguma vez que seja, a batatas, nem que estas sejam um fruto: isso sim, um tubérculo, uma forma de caule!

Todo esse mundo novo me foi envolvendo, revelando-se passo a passo, ordenado com lógica pelo Padre Pinheiro (divertidamente o “Zèquinha”, para os alunos do tal colégio) nas aulas em que nos deu botânica! Até chegarmos à tal tarde, anos depois, nos Vilares da Vilariça, a partir da qual as gramíneas começaram a morrer e as batatas a representar uma forma ficcionada de esperança e desesperança, a da última fome.

Nesta altura do ano,[1] a não ser as batatas apátridas vendidas nas grandes superfícies, que vieram de longe ou estiveram em atmosferas controladas em grandes câmaras, não há batatas frescas. Temos em casa as do ano passado, mantidas na obscuridade, de que irrompem rebentos e que, vistas nessa perspectiva, parecem seres de outro planeta. Ainda ontem, quando descascava uma abóbora para uma sopa, uma dezena de batatas aguardava sob a torneira do lava-loiça com os seus cabeludos rebentos, eriçados como se fosse um pelotão de recrutas, e eu olhei-as de lado, não fossem mover-se e vir estender-me uma radícula adventícia como no filme A Terra em Perigo. É claro que não há como uma batata nova, cozida com casca, firme na companhia duma sardinha assada ou, então, cozida de propósito para lá do ponto, ligeiramente calcada com o garfo para a fender, embebê-la depois com um fio de azeite que se espalhe pela polpa de amido. Água, batata a sério, sal e azeite, quem disse que a simplicidade não pode ser gourmet?!  Temos imensa sorte, em Trás-os-Montes, com as nossas batatas! São das melhores. E, então, as daqui de Latães, vicejando no Urzedo, no Pai-Mouro, na Portela, no Vale Côvo, no Prado de Cima, no Vale da Gruda, no Lameirão, nas Fontelas, no Carriçal, na Cortinha do Vale, no Mosqueiro e noutros sítios onde, além do chão antigo, têm o esmero do trato como se fossem um tesouro que se desenterra na altura certa como diamantes, são daquelas que em mercado deveriam ser sempre mais caras do que as outras porque são muito melhores do que as outras! Mesmo estas velhas, que são de cá, já chegadas a Fevereiro, livres dos grelos, descascadas com cuidado, cheiradas para selecionar as íntegras, cozidas na água de cozer as carnes, são a companhia impagável para compor uma tarde de Inverno com uma travessa de chouriços, tiras da barriga, febras de ave, cubos de alcatra, uma orelha e um pé de porco que ferveram lentamente!

Na semana passada a Perpétua e o Marco António deixaram-me entrar na cozinha do restaurante – que cheirava bem! – e deitar o olho às batatas fritas. Especiais, a fazer lembrar as da antiga Estalagem. Pareceram-me ser das ágria, das que também se cultivam nas nossas serras e muitas vêm de Montalegre. São laminadas numa máquina, mergulhadas em água fria e repousam no frigorífico, imersas, durante horas. Mais umas horas depois, são escorridas e secas; fritam em azeite e ficam prontas no momento de irem para mesa, amarelas, encarquilhadas, crocantes qb. Habitualmente, as estupendas carnes grelhadas são doses grandes demais e sobram. As deliciosas batatas também nos chegam à mesa em doses enormes. Costumamos pedir mais.   



[1] Este artigo foi escrito no Inverno e publicado inicialmente no EGGAS, em Fevereiro de 2023. A fotografia que o acompanha aqui no blogue é duma estampa do “Botânica Elementar”, de Manuel da Conceição Pires, manual escolar do 3.º ano dos liceus, 1971.

A Maria Rita

 



©Manuel Cardoso

 

Todos os que o frequentamos, sabemos parte da história e repetimo-la aos iniciados: era ali o tasco da Senhora Maria Rita a que Clemente Menéres recorreu, a meio da tarde de 18 de Maio de 1874, da primeira vez em que chegou ao Romeu, a cavalo num muar, no reconhecimento de terras com sobreiros que tencionava comprar. Nada havendo disponível para comer, mandou-a preparar bacalhau assado, acompanhado de pão negro de centeio que nunca tinha experimentado. Nos seus apontamentos autobiográficos, 40 Anos de Trás-os-Montes, descreve-nos esses momentos primordiais no Romeu, a conversa com o Padre Pascoal Rodrigues, seu fiel depositário para pagamento e escrita das aquisições de terras, a ida a Mirandela a levantar dinheiro, dois contos de réis. O tasco da Maria Rita foi o seu quartel-general de operações, onde passou a dispor dum quarto em que dormia de arma à cabeceira.

O restaurante Maria Rita abriu ao público em 12 de Maio de 1966. Se tivesse um balcão a servir bebidas, seria um autêntico pub inglês, mas mesmo assim respira-se nesse ambiente cosy, um conforto e vontade de estar, aquela sensação amiga, familiar, que as madeiras e a pedra, as lareiras e o aroma a fumo de sobro nos fazem apreciar, noutro nível, o tal pão de centeio com azeite, o bacalhau, as feijoadas e feijocas, os bifes na caçarola, as sopas secas absolutamente glutonas que no tempo certo vêm com espargos silvestres apanhados nos olivais do Romeu e nas matas do Quadraçal. Houve um lendário pudim de ovos, durante muitos anos, que hoje é lembrado com saudades! A mousse de chocolate é feita com azeite. Toda esta sofisticação, que parece simples e fácil como sempre o parecem as coisas excelentes e de qualidade, resultou da vara de condão com que, nos anos sessenta do século XX, Manuel Menéres tocou as pequenas aldeias e o casario, com visão e missão social. Os lucros do restaurante financiaram o infantário e a creche, do Romeu, e a Conferência de S. Vicente de Paulo, de Mirandela. Foi nessa altura que foi ressuscitado o nome da senhora e que, de certo modo, o tasco do século XIX, assim descrito por Clemente Menéres, passou a ser conhecido por estalagem, após a aquisição das casas e das obras feitas pelo seu filho Manuel Menéres. Durante décadas, o dono da taberna que antecedeu a actual Maria Rita tinha sido o Zé Maria, conhecido por Trá-lá-rá, grande lavrador, cheio de filhos, com duas malhadeiras com que trabalhava à maquia, que se viu forçado a emigrar nos anos cinquenta ou sessenta e antes pôs todos os seus bens na praça.

Antes da chegada de Clemente Menéres, a taberna do Romeu tinha-se vindo a apagar desde que nela deixaram de pairar os bandos do cabralismo e a estrada do fontismo, a passar-lhe um quilómetro ao lado, lhe roubara o movimento que antes atravessava a aldeia. Só alguma diligência mais recoveira aportava ali esporadicamente, se bem que os ranchos, das segadas, das vindimas e da apanha da azeitona, a frequentassem nas épocas de safra.

Ter aparecido Clemente Menéres, tasco adentro, homem com vinte e nove anos a arejar a nota para comprar terras, a pedir de comer e uma cama para dormir, foi para a Senhora Maria Rita o mesmo que chegar mais azeite a uma torcida cuja chama se apagava, ela já nos seus sessenta: e brilhou no resto da sua vida. A casa devia ser humilde, mas com aprumo, como o são sempre as casas de alfaiate: era o ofício do marido, Francisco Inácio, dez anos mais novo do que ela, sem filhos e já casados há vinte. Ela tinha nascido de mãe de Mirandela e pai do planalto mirandês, refugiara-se no Romeu, gravidez solteira e parto dum filho espúrio (1836) que não lhe sobreviveria, estabelecendo-se por conta própria a vender vitualhas a forasteiros. Enviuvaria aos sessenta e quatro e morreu já com 77, em 1891, resto da vida animada pelo movimento que viu crescer com os ranchos dos tiradores de cortiça e dos “trabalhadores do Menéres” que passaram a frequentar o seu balcão e a dar-lhe conversa sobre o mundo fora da pequenina aldeia.  

18 de Maio de 1874: Clemente Menéres, num périplo à procura de sobreiros, de diligência, barca, cavalo, macho e burro, partira do Porto para a Régua, a Pesqueira, a Foz Coa, à Vilariça, a Bemlhevai, subindo pela Burga, descendo ao Quadraçal pelo Vale da Sinada e chegando, finalmente, ao Romeu, ao fim de quatro dias, a meio da tarde. Feliz, por ter encontrado a mancha de sobreiros que pretendia. Desmontou e perguntou o que poderia comer, à Senhora Maria Rita. Já passaram mais de cento e cinquenta anos sobre esse dia de Maio de 1874, o que é significativo para um lugar recôndito como o Romeu. Hoje, com muito mais do que bacalhau com centeio, no Maria Rita! 

        

domingo, 15 de junho de 2025

Sardinhas Assadas

De junho de 2022 até ao fim de 2024 publiquei regularmente no eggas.pt quase quarenta artigos que me deram imenso prazer escrever e que suscitaram uma troca de opiniões e conversa interessante com os seus leitores. Como esse site deixou de estar disponível online, esperamos que temporariamente, aqui se republicam para que possam manter-se acessíveis a quem os procurar. Foram revistos num pormenor ou outro. A ordem da sua republicação não é a mesma da que foi a da sua edição original. Mas começamos pelo primeiro, Sardinhas Assadas, em todo o caso, por vir a propósito do mês em que estamos. MC


terça-feira, 10 de junho de 2025

Copo de Cocktail Newmen

© Manuel Cardoso

 

Por sugestão do então meu Executive Advisor Jorge M. Fonseca, escrevi mais duma dezena de artigos para um site, newmen.pt , entre Novembro de 2022 e Julho de 2023.

Considerando que os mesmos deixaram de estar online sem explicação, aqui os coloco republicados, revistos e anotados, já que, entretanto – e felizmente! – foram referidos noutras publicações e, assim, poderão ser repescados, por quem faça buscas relacionadas na net. Como digo, foram para aqui transcritos, revistos e anotados pelo que poderão não estar ipsis verbis em relação à sua primeira publicação. Alguns contêm hiperligações.

Estão pela ordem cronológica com que nesse período foram colocados online, excepto os dois últimos, trocados por uma questão de lógica de arrumação aqui.

O título deste post, Copo de Cocktail Newmen, está relacionado com o sortido dos temas abordados. Algo caótico, como caótico é o objectivo polímato deste blogue! Estão sob um mesmo chapéu, aliás, confinados num mesmo espaço, o dum copo de cocktail, que se agita, porque o seu destino era só um: poderem ser bebidos, digo, lidos, por um público que os pudesse ter como denominador comum de interesses, o mesmo é dizer, gosto requintado por coisas apetitosas. Que os pudesse ter, não!: que os possa ter!

Espero que gostem!

 

 

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Água, a senhora dos montes

Manuel Cardoso*

Mirandela, 21 de Maio de 2025

Comunicação em nome da CAP na sessão do Workshop de Agricultura e Alimentação, sobre Sustentabilidade e Tecnologia da Gestão da Água em regiões de Montanha, Plano de Água, integrado no SUSTEC – Associate Laboratory for Sustainability and Technology in Inland Regions

 

 [introdução sem mais]

Estamos sentados nesta sala cerca de 5 a 6 m3 de água. Espero que todos tenhamos consciência deste facto e da importância de manter essa água equilibrada, com a temperatura correcta e elementos em solução na proporção certa, e com a necessária polaridade eléctrica. A água é um dipolo permanente e é esta característica, que lhe é conferida pelas cargas de 0- e H++, que faz com que tenha as extraordinárias propriedades essenciais à vida, a começar pela interacção com os sais e as proteínas.

Apesar de vivermos aqui no interior, em Trás-os-Montes, onde criamos galinhas que matamos para comer e acendemos uma fogueira para assarmos uma posta de carne que pingue no pão, tal como os nossos antepassados pré-históricos, porque gostamos de coisas boas, simples e autênticas, como o nosso vinho, o azeite, o queijo, os enchidos, sabemos o que é a água e o que vale, nos seus conceitos científicos e económicos mais modernos.

Os que aqui vivemos não somos nada como a mentalidade urbana instalada nos retrata tantas vezes, a de arcaicos gastadores de água, que a tem em excesso e que a usa mal. Bem pelo contrário: nós cuidamos muito mais da água e da natureza no nosso dia a dia e temos sofrido com a sua falta. Precisamos de mais investimentos para a reter em mais e novas albufeiras, para a usar a partir dessas e das hidroeléctricas que existem, limitados como fomos de o fazermos, pelos políticos que têm privilegiado o litoral e o Sul, até agora.

[cumprimentos e agradecimentos]

Muito boa tarde a todos, é muito bom podermos estar aqui a conversar sobre água e foi com muito interesse que ouvi as intervenções anteriores, que saúdo, e que espero sejam frutuosas em conseguir mais água e mais áreas de regadio para o Interior Norte de Portugal.

 




1.     Quando aprendi a regar batatas não sabia nada do que acabei de dizer. Eu era ainda muito pequeno, tinha um sacho com tamanho a condizer, esperava que a água viesse a correr a partir dum rego, primeiro num sulco construído por pedras de granito, duma nora, que um macho ou uma vaca, era conforme, accionava horas a fio. Era um fascínio todo aquele movimento das rodas dentadas, os alcatruzes presos uns aos outros subindo do poço misterioso e pingando água com um barulho fresco, que a vertiam na lata aparadora com uma calha e daqui corria continuamente até à horta. Sob o olhar da Irene ou do Senhor Silva electricista, que traziam a horta à renda, eu podia ir fazendo e desfazendo um a um os pequenos montes de terra que serviam para a ir distribuindo para os diferentes sulcos das batatas.

2.     Abundando na horta e onde tinha a sua rotina de horas certas, os alcatruzes içavam a água até que já não havia mais para esse dia. E tenho presente a imagem em nossa casa, na vila, onde faltava: no Verão apenas circulava em poucas horas, e a pressão não dava para accionar um esquentador, na maioria das vezes. Recorria-se, então, a um poço no quintal, com uma bomba de volante, aspirante-premente, que a fazia ir até a um depósito sobre o telhado da casa e de onde, por gravidade, a canalização a trazia à cozinha e à casa de banho. Mas sempre contada, economizada, na tentativa de não faltar absolutamente e de, em Setembro, ainda a haver, até chegarem as primeiras chuvas de Outono, em anos com sorte.

3.     Vem isto a propósito de dar uma ideia, neste Workshop de Agricultura e Alimentação, intitulado muito oportunamente Sustentabilidade e Tecnologia da Gestão da Água em regiões de Montanha, de que nesta região trasmontana, no interior de Portugal, sujeita a extremos climáticos (nove meses de Inverno e três de Inferno, diz bem das nossas amplitudes, hoje ampliadas pela evolução do clima nos últimos tempos) e com uma geologia e orografia tais que nos dizem que estará em desertificação, tal como o Sul do País, é ancestral e está-nos intrínseca a cultura da economia da água e a sua consideração como um bem precioso e essencial. A água sempre foi entendida por nós como factor de segurança alimentar, e as diferentes formas de nós lidarmos com ela, os açudes e os moinhos (onde também tomávamos banho e nadávamos), os rios e ribeiros correntes (em que também pescávamos), as fontelas (que serviam para as vacas beberem nos lameiros e para se ir fazer uma espera aos javalis), todas as formas em que quiserem pensar, da bilha dos segadores e jeireiros à jarra de cristal nas mesas fidalgas, do cantil dos caçadores e pescadores à garrafa de água mineral comprada num supermercado ou num café de aldeia, a água sempre foi, para nós, trasmontanos, sinónimo querido dum bem útil e precioso.

4.     Até para a paisagem, onde o deleite (quem nunca esteve no Verão sobre uma manta de riscas à sombra de freixos num lameiro, copo de vinho, merenda, conversa de olhar fulminante, não entende o que é uma das melhores fruições da paisagem em Trás-os-Montes!) e o útil se misturam com o cheiro dos mentrastos, vacas ou ovelhas a pastar, rega de lima silenciosa a deslizar por entre fenos e flores.

5.     Na nossa cultura rural da água sempre coube uma dimensão estética, intuitiva na maioria dos casos, capaz de despertar saudades sem dela se sentir a distância a não ser quando a distância era medida a partir da emigração para a cidade ou para outros países. Só que esta dimensão estética aparecia e aparece sempre unida à sua função principal: a de assegurar a nossa sobrevivência. Mais ainda: a de assegurar a nossa sobrevivência numa região de onde muitos têm saído e para onde poucos, muito poucos, têm vindo – a não ser episodicamente, para turismo ou em funções oficiais.

6.     Muitos, imensos, saíram de cá, de Trás-os-Montes, por causa da água, ou melhor, por causa da falta de água. É que sem água não é possível a produção de alimentos, não é possível a produção rentável de alimentos e, sem isso, não é possível a quem queira produzir para si os seus alimentos, conseguir gerar um excedente que lhe permita ter o rendimento para sobreviver dignamente nestes montes.

7.     Fico capaz, por isso, de dar logo um murro na mesa (embora a vontade fosse a de dar um murro mais eficaz, tão cansado já estou de ouvir dizer asneiras sobretudo aos citadinos que do campo só têm a sua visão preconceituosa, por muito científica que seja, mesmo muito preconceituosa e teórica!) quando ouço a expressão de que “a agricultura gasta muita água” porque essa expressão revela um enorme desconhecimento da cultura da água, da vida das pessoas do interior do País, do processo de transformação da água em alimentos usando micro e macro-nutrientes e DNA. Mas fazendo isto sem ser hidroponicamente, fazendo isto ao mesmo tempo que se cuida da paisagem, se evitam condições para os incêndios florestais, se protegem ecossistemas, se combate o despovoamento e se evita ir aumentar o congestionamento das cidades. A utilização da água pela agricultura conserva o planeta. A agricultura recicla continuamente. A agricultura não gasta: transporta água para cada um poder tê-la no pão, nos biscoitos, nos frutos, na carne, no café e no chá. Para cada um poder tê-la, e em qualidade, ao estar sentado neste auditório.

8.     Nunca poderemos viver aqui nos nossos montes se não tivermos água.

9.     Desde os anos sessenta do século XX que, em Trás-os-Montes, começámos a ter formas modernas de reter a água da chuva e a reconduzi-la aos campos com a construção dos primeiros regadios modernos, possibilitados pelas primeiras barragens agrícolas  e instalação de perímetros de rega. Há que prosseguir este trabalho e mormente hoje, em que estamos em despovoamento acelerado e em desertificação geográfica patente.

10.          No documento Água que Une, que a CAP saudou desde a primeira hora, espera-se que agora sejam integrados os contributos que lhe foram aduzidos na consulta pública, quer pela CAP quer pelas associações locais como a ABMC, a ADVID, a APPITAD, e nacionais como a FENAREG, em que há um foco em Trás-os-Montes (muito menorizados na sua primeira versão) e com a imperiosa necessidade de novas origens de água em barragens e albufeiras e mudança de estatuto das hidroeléctricas existentes.

11.          O argumento muito usado nalguns organismos oficiais para desmotivar ou menorizar estas pretensões (o de que no Aproveitamento Hidroagrícola de Macedo de Cavaleiros ainda há terrenos infraestruturados com rede de rega e que os agricultores  não utilizam a água disponibilizada) não colhe, pelo facto de que tal perímetro de rega ter sido idealizado para um modelo de agro-pecuária que o próprio Estado condenou a partir do momento em que mandou parar os investimentos PDRITM e a abandonar a construção de SCOMs, na transição dos anos oitenta para os noventa, bem como fez cessar, aos agricultores, a produção de leite no vale de Macedo de Cavaleiros-Castelãos-Carrapatas-Cortiços e em Vale da Porca-Valdrez-Salselas. Temos, assim, centenas, ou milhares de hectares infraestruturados, que seriam bons para pastagens e forragens, à luz do que eram as intenções dessa altura, mas não para culturas permanentes. O paradigma da agricultura de hoje é o de culturas permanentes, em especial o olival, a par de algumas hortícolas e fruteiras, cuja base de implantação é diversa da que foi infraestruturada no início dos anos 80 do século XX, para outra visão e modelo que, repetimos, o Estado mandou parar.

12.          Compete ao Estado corresponder às aspirações de desenvolvimento das populações, resilientes numa paisagem em abandono e que estará condenada se não dispuser de água, afectadas como estão pela desertificação geográfica e pelo despovoamento por fuga dos mais novos. Compete ao Estado corresponder às iniciativas de investimento de que tem sido dado exemplo pelos particulares, visíveis nas novas plantações e na construção de inúmeras charcas. Compete ao Estado dotar de equipamentos capazes de, no futuro próximo, poderem suprir de água em quantidade suficiente todas essas charcas e perímetros privados de rega que, a não serem articulados pelos investimentos públicos, estarão, seguramente, comprometidos e virão, num futuro mais ou menos próximo, a ser inviáveis. Compete ao Estado não ser omisso e mandar incluir na Estratégia Água que Une os instrumentos necessários, financeiros, de planeamento e de governança, para garantir o futuro da nossa região.

13.          Sem água e sem se preverem investimentos em água para a agricultura, são vãs as afirmações políticas de querer promover a coesão territorial e dar sustentabilidade ao interior de Portugal.

14.           Podem contar com o nosso papel de ocupação do território e sermos resilientes no povoamento dos nossos montes e montanhas, desde que possamos contar com o papel do Estado em construir novas barragens, permitir-nos a utilização da água das albufeiras que existem e construir novos perímetros de rega, modernizando ainda as redes já instaladas.   

15.          Pela nossa parte, lançando mão dos mais modernos métodos de monitorização da água nas culturas, como já o fazemos em numerosos pontos do nosso território, com sondas, com drones, com satélites, e de termos uma boa gestão e economia na sua utilização, como os sistemas gota-a-gota ou a micro-aspersão, e todos os outros processos associados que não desconhecemos, esforçar-nos-emos para que a água, a senhora dos nossos montes, se mantenha como fonte da permanência e vida no nosso território. Mas não bastam as tecnologias de gestão, só teremos sustentabilidade nos nossos montes e montanhas se, para a nossa agricultura e vida, dispusermos de água.

Muito obrigado.

 

*Manuel Cardoso, consultor, representante da SMC - Sá Morais Castro, na presidência da ABMC, Associação de Beneficiários de Macedo de Cavaleiros