5 de Maio de 2022
UTAD, Vila Real
Comunicação nas III Jornadas de Enologia e
Viticultura: Inovação e Criação de Valor
Associação Nacional de Estudantes de Enologia e Viticultura
A todos muito Boa Tarde!
1. Agradeço
o convite da ANEEV - Associação Nacional de Estudantes de Enologia e
Viticultura, que me foi endereçado pela Eng.ª Adriana Vicente, pela mão da
minha amiga Prof.ª Ana Alexandra Oliveira, e poder estar hoje
aqui nestas III Jornadas de Enologia e Viticultura: Inovação
e Criação de Valor, na Universidade
de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), onde fui aluno na pós-graduação de
Ciências Agrárias há mais de vinte anos. Este convite revela uma grande e
imerecida consideração por mim, pelo que o agradeço especialmente.
Compete-me falar sobre CERTIFICAÇÃO.
2. Devo
começar por dizer-lhes, especialmente às senhoras que me convidaram, que
deveriam ter feito uma certificação prévia do que vou dizer, para que se
pudesse cumprir um dos desígnios básicos dum processo de certificação: o de que
o produto corresponda às espectativas do seu fruidor porque, como já preveni
tantas vezes, sendo eu apenas um amador informado, correrão o risco de me ouvir
e no fim sair defraudadas, como acontece a tantos que adquirem vinho nos
supermercados, olhando só ao preço, por ser barato, não interpretando os sinais
do rótulo sobre certificações ou a sua ausência ou, pior ainda, assumindo uma
certificação determinada como correspondente, só por si, a qualidades que,
depois, não se revelam nem no copo nem na boca. Desculpem-me, se não
corresponder ao que esperam ouvir sobre este tema mas o que lhes direi será
feito de forma honesta e com o objectivo de ficarem contentes com o tempo
gasto: essas qualidades de certificação eu posso dar, a de que o processo foi
feito com honestidade e com o objectivo de os satisfazer, duas qualidades à
estimável razão de ser duma certificação de vinhos feita com ética: que seja
honesta e procure a satisfação do consumidor.
3. A
Certificação começou muito antes do que se poderá supor hoje em dia: os selos
das ânforas, as marcas nas barricas, as cartas de recomendação que acompanhavam
as suas remessas, transportadas nas embarcações que desde há milénios sulcavam
o Mediterrâneo, o Golfo Pérsico e as costas europeias e africanas do Atlântico,
tudo isso eram processos de certificação dos vinhos que circulavam pelo Cáucaso
e pela Ásia Menor, Grécia e Creta, Etrúria, Hispânia, Gália, Africa… O primeiro
“Mercado Único Europeu” existiu no extraordinário Império Romano que, bem
organizado administrativamente como era, não poderia deixar de ter os seus
documentos de acompanhamento de mercadorias, certificações e políticas de
protecção de produtos. Conceptualmente, não estamos a inventar nada, hoje em
dia, estamos a repetir o que foram leis, métodos e processos outrora já
utilizados numa sociedade sofisticada como era a romana e que também já antes,
nas sociedades sofisticadas da Babilónia, da Pérsia, da China e da Índia,
existiram como exigência das classes abastadas e cultas. O Vasco Avillez gosta
de contar que pelos portos de Corinto e do Pireu e por outros em que cada vez
mais se fazia essa circulação de vinho, havia umas ânforas e barricas
especiais, dum vinho destinado especialmente aos cristãos, assinaladas com as
letras XPTO, uma abreviatura da
palavra grega "Χριστός"
("Christós" - Cristo), sigla com que Jesus Cristo aparece
mencionado em numerosos documentos romanos, medievais e posteriores, vinho esse
que, por isso distinto e considerado melhor, desde a sua origem ao seu mercado
de destino, o dos cristãos para as suas cerimónias religiosas, hoje em dia, a
Missa. Era uma forma de certificação desse vinho, da sua qualidade especial.
Por extensão semântica, compreendemos assim porque dizemos que algo de especial
seja xpto, nos nossos dias!...
4. Várias
vezes ao longo da história a certificação tem surgido como um método de luta
contra a falta de qualidade provocada pela fraude e pela ganância: os casos do
Chianti, delimitado pelos Médici em 1716, do Tokaj, classificado em 1730, e o
caso, que muito nos deve orgulhar, em Portugal, da delimitação e regulamentação
da área de produção do vinho do porto no Alto Douro, em 1756, a primeira a ter
em simultâneo uma delimitação, classificação, regulamentação e organismo de
regulação e controlo, a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto
Douro, a Real Companhia Velha.
5. O
que é certificar? Uma leitura no nosso Dicionário da Academia das Ciências não
deixa quaisquer dúvidas: certificar é provar que é verdadeiro; provar que está
certo. Aquele que prova deve ser simultaneamente credível para quem quer
certificar e para quem quer certificar-se. Ser credível significa ter
idoneidade para o efeito o que, de forma simples, engloba, no “ser idóneo”, as
qualidades de ser apropriado (ou seja, adequado ao vinho), capaz (de distinguir
um vinho, por exemplo), apto (conveniente para o que se pretende) e competente
(conhece e consegue ajuizar e fazer determinada tarefa). Pode parecer ociosa
esta questão de vocabulário, mas se for entendida cientificamente, é fácil
descobrir nestas palavras a honestidade, a satisfação do consumidor e a
eficiência que deve fazer com que uma determinada menção num determinado
rótulo, garanta aquilo que se espera estar dentro duma garrafa.
6. Desde
os inícios, por isso, que a certificação está ligada às demarcações e
definições de origem dum produto como subjacentes à sua genuinidade e
qualidade. Daí que a nível de cada país fossem surgindo, sobretudo por
proteccionismo económico, as designações e delimitações regionais com o seu
órgão regulador e de controlo (que simplificadamente aqui designaremos por
CVRs), que todos conhecem, que tanto valor têm acrescentado aos vinhos – e
tanto poderão acrescentar ainda! Com a política europeia começou a prevalecer
uma visão de conjunto sobre estas matérias (não só para o vinho) e nas últimas
décadas do século XX o pensamento foi-se compondo também com o vector do
desenvolvimento regional. Convergindo todos esses desígnios, surgiram as DO,
DOC ou DOP e as IGP e IG, regulamentadas, produtos com distintivos de
qualidade, certificações que vieram dar segurança ao consumidor sobre a
origem e conformação a determinados critérios de qualidade na produção, ao
mesmo tempo que permitem ao produtor a diferenciação do seu produto e, com
isto, ser expectável a sua valorização. Os OC, Organismos de controlo das DO e
IG são as CVRs, o IVBAM e o IVDP, cada um na sua região (Aviso 175/2022 do
IVV).
7. Mas...
A evolução dum processo relacionado com um produto como o vinho não poderia ser
linear nem simples, porque tem numerosas variáveis a interferir na sua produção
e consumo, na sua oferta e procura e… na opinião pública – mesmo que os actores
desta opinião pública não produzam nem consumam, nas sociedades democráticas
com liberdade de expressão têm uma palavra a dizer sobre o assunto e temos que
viver com isso. E que nos condiciona. Ampliando, por desconhecimento, muitas
das variáveis negativas que já os produtores e demais operadores no sector há
muito vêm constatando e sobre elas tomando medidas. Aqui chegados, entramos num
outro patamar de importância da certificação, que passaremos a abordar
resumidamente, para não maçarmos, cingindo-nos ao essencial.
8. Desde
há século e meio que se começaram a generalizar novas práticas culturais,
intensivas, com um apoio técnico e científico que melhoraram a produtividade e
permitiram o acesso de muito mais pessoas a muito mais alimentos. Um deles, o
vinho. Com consequências na biodiversidade, na qualidade dos ecossistemas, na
paisagem: as áreas de vinha tornaram-se estremes na sua maioria e aumentaram de
extensão em muitas regiões, não respeitando o mosaico existente na paisagem. De
alguma forma, tal como são essenciais para o desenvolvimento regional, as
vinhas e a produção de vinho têm particularidades que fazem com que, quer os
viticultores, quer os vitivinicultores, quer as empresas do sector, quer os
consumidores informados, dêem cada vez mais importância aos factores
relacionados com a qualidade e com o impacto social e ambiental que possam ter.
9. Os
relacionados com a qualidade têm sido resolvidos – e muito bem – com os novos
conhecimentos e profissionalismo instalado em todas as etapas deste processo
que transforma as uvas em produto alimentar ou de deleite. Os sistemas de
garantia de qualidade, escritos e descritos nas normas ISO 8402-1994 e
9001-2008, em que os produtores assumem a responsabilidade por procedimentos e
métodos correctos e usam recursos para que o produto final tenha os atributos e
a ausência de defeitos expectável pelo consumidor, têm vindo a reforçar a
confiança deste consumidor no líquido que se encontra dentro das garrafas, dos
bag-in-box, das latas ou das embalagens PET ou mesmo daquele que lhe é servido
a copo nos bares e restaurantes. Segurança em higiene e toxicologia, em saúde,
em serviço (facilidade de utilização, apresentação e conservação) e em
satisfação (atributos sensoriais). Um sistema de garantia de qualidade assegura
que o conjunto de características do produto lhe confere aptidão para
satisfazer as suas necessidades implícitas e explícitas. Não é por acaso que
muitos momentos significativos, de felicidade ou de tristeza, de partilha de
emoções, de comemoração social ou do desencadear duma agradável e pessoal
tempestade romântica, decorram de se beber um copo – ou dois! – dum vinho de
qualidade!
10. Estamos
a uma distância espacial e temporal enorme da de há vinte ou trinta anos atrás
em matéria de confiança e qualidade nos nossos vinhos! Por causa dos
licenciados com competência em enologia? Sem dúvida. Mas também por causa dos
compromissos assumidos pelo produtor nos programas de qualidade certificada –
cá está! – e na sua transparência de declarar assumi-los e aceitar ser
controlado sobre o seu cumprimento.
11. Há
os aspectos relacionados com o respeito pelo ambiente, pela biodiversidade e
pela saúde: estarão salvaguardados pelos programas MPB, Modo de Produção
Biológico, com mais ou menos variantes, apoiados por incentivos financeiros da
União Europeia, no nosso caso, e com numerosos programas similares ou correlacionados
em quase todos os países produtores de uvas para vinho. Há o programa da
Produção e Protecção Integrada em que o objectivo é a obtenção de frutos sãos
com boas características organolépticas e de conservação e, simultaneamente,
com a preocupação de qualidade pelo produto associada à sua segurança alimentar
e rastreabilidade baseado em boas
práticas agrícolas, com gestão racional dos recursos naturais e privilegiando a
utilização dos mecanismos de regulação natural em substituição de fatores de
produção, contribuindo, deste modo, para uma agricultura sustentável. Em
Portugal é a DGADR quem superintende nos sistemas de Produção e Certificação de
Qualidade nomeadamente sobre Agricultura e Produção Biológica e Produção
Integrada, estando disponível e facilmente acessível no seu site toda a
informação pertinente sobre DOP/IGP/ETG e MBP, os laboratórios designados para
controlo oficial, os organismos de controlo delegado, etc. etc. Todos eles são
credíveis programas de execução, controlo e certificação que dão ao consumidor
uma imagem – substantiva – de confiança nos vinhos e demais produtos que
ostentam nos seus rótulos os símbolos destas certificações. Seria fastidioso
estar aqui a elencar os diferentes programas de todos os países, informação,
aliás, que está à distância de cliques e com possibilidade de interactividade
pessoal: quase todos os dias as redes sociais têm apresentações e debates com
grande nível e em que podemos colocar perguntas aos seus protagonistas nos
Estados Unidos, no Canadá, na Austrália, em todo o mundo! O sector do vinho
está a ser exemplar em transparência e em fluxo de informação em termos de
CERTIFICAÇÃO e de cumprimento de programas de sustentabilidade.
12. Decorrendo
do que já referimos, tem-se evoluído muito na consciência ambiental das
repercussões da agricultura/viticultura/vitivinicultura e tem ganho um relevo
assinalável a concepção de sustentabilidade, para muitos parcialmente entendida
como ambiental mas que tem de ser assumida na sua complexidade holística e base
económica. Recomendo vivamente, porque acessível, a leitura do artigo Inventory
of environmental certifications throughout the world, de V. Lempereur, M.
Balazard et C. Herbin, do Institut Français de la Vigne et du Vin,
apresentado ao 42nd World Congress of Vine and Wine em 2019,
com abundante e muito interessante informação a este respeito, em que vem
expressamente mencionado o Plano de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo e a
importância da aceitação transversal das Normas ISO 14001 respeitante à
salvaguarda ambiental e 26000, à responsabilidade social. Portugal, neste
campo, tem dado passos importantes e não estamos desfasados em relação ao resto
do mundo vitivinícola. Muitas das nossas empresas estão na vanguarda da
execução de programas de certificação, com cumprimentos exemplares e, na
maioria dos casos, irrepreensíveis. Há outras CVRs empenhadíssimas, como a CVR
Vinho Verde, a CVR Dão, a CVR Península de Setúbal e outras, que estão a
recorrer a serviços de empresas de referência para aconselhamento e formatação
de iniciativas. A Consagra, a Agroges, a Consulai, a PortoProtocol (e haverá
ainda outras que peço desculpa por não mencionar), têm feito trabalhos
notáveis, uns mais públicos do que outros, de assessoria e aconselhamento
actualizado. E entidades privadas e públicas, como a ViniPortugal, a ACIBEV, a
CAP, a FENADEGAS/CONFAGRI, a AEVP, a ADVID, a ATEVA, o INIAV, a DGADR, as
DRAPs, outras ainda, têm promovido sessões, nos últimos anos, de informação e
debate, em que estes temas da certificação e da sustentabilidade têm ganho a
importância que merecem.
13. A
OIV, pela sua Resolução 518-2016 (indispensável o estudo desta Resolução),
definiu os princípios gerais para uma Vitivinicultura Sustentável nas suas
vertentes ambientais, sociais, económicas e culturais. É uma resolução fulcral
em termos de dar uma perspectiva global ao mundo do vinho para o
estabelecimento dum referencial comum em sustentabilidade, para que cada país
possa ter o seu programa compatibilizado com os demais. Complementada pela Orientação
OIV 641-2020, toda ela um guia de aplicação da OIV dos princípios da
Vitivinicultura Sustentável. É à luz destes instrumentos normativos que o IVV
em articulação com a Vini Portugal – Wines of Portugal, desde 2021 está a
desenvolver um Programa Nacional de Certificação de Sustentabilidade para o
Sector Vitivinícola de Portugal, que estará disponível em breve, segundo
sabemos, e que será acessível a grandes e a pequenas empresas, voluntário,
faseado e inclusivo, que evita a duplicação de certificações para todos os que
já tenham em execução os seus próprios programas e nas cláusulas em que se
sobreponham, que respeita as diferenças regionais mas que uniformiza
procedimentos para as empresas multiregionais de forma a evitar burocracia e
despesas desnecessárias e que, finalmente e muito importante, permitirá ter, às
empresas portuguesas, um cunho distintivo e favorável para os seus negócios.
14. O Porquê
certificar um vinho não deve ter só a ver com o cumprimento de
legislação ou regulamentação, com o melhorar práticas culturais ultrapassadas
ou não conformes, com o reduzir impactos negativos no ambiente ou na saúde ou
com a sua diferenciação e ganhos económicos (se bem que os ganhos económicos
sejam importantes e baste como razão suficiente querer com ela satisfazer um
determinado público dum determinado mercado): deve ser uma demonstração de
responsabilidade, de correspondência às exigências de clientes e uma atitude
cultural de quem compreende o seu tempo – o nosso tempo – e a nossa
forma civilizada de estarmos no mundo. Sem perdermos de vista nem por um minuto
que a garantia da sustentabilidade económica deve estar sempre subjacente em
todo o edifício produtivo: sem ela não será possível a segurança e a qualidade
dos vinhos, a sustentabilidade ambiental do sistema produtivo e sobrevivência
dos produtores com um condigno nível de vida.
15. Normalmente,
em Portugal, temos um pouco a mania de ser mais papistas do que o Papa e de
acabarmos por exigir de nós próprios mais do que seria necessário para conseguir
o que os outros países fazem.
Mas também
temos uma atitude diferente, por vezes, mesmo em relação a coisas que parecem
fáceis: a do “já está bem assim!”, “para que é que é preciso mais?!”... Creio
que nos reconhecemos em ambas: na demasiada exigência ou no desleixo de quem se
contenta com menos. Ora, são um grande exemplo de que todos nós, em Portugal,
PRECISAMOS MUITO DE CERTIFICAÇÃO. Temos capacidade para nos estimarmos como
razão de sermos. A capacidade de ser honestos e de satisfazer os nossos clientes,
os nossos turistas e a nós próprios também!
Muito
obrigado!