© Manuel Cardoso, Setembro 2021
(actualizado em 5.09.2021)

1. Desde
a nossa Primeira Dinastia, quiçá antes, que os vinhos do Entre-Douro e Minho
foram exportados pela barra de Caminha e, sobretudo, pela barra de Viana do
Castelo, então Viana da Foz do Lima, de onde há mesmo a referência da expedição
duma pipa para as cerimónias de entronização dum Bispo de Inglaterra em 1295!
Já antes, 1261, está documentada a produção de vinhos de qualidade em Monção.
Esses vinhos, que seriam predominantemente tintos, gozavam de sólida reputação
e evoluíram até ao fim da Idade Média de tal modo que chegaram a ser
considerados tão finos e apaladados como os de Borgonha, evolução essa a que
não foi estranha a acção dos monges beneditinos e de Cister. A produção
assegurava quantidades que satisfaziam o autoconsumo e o negócio local e
sobravam para ser comercializadas para fora: para o Porto, para Lisboa, para o
estrangeiro, sobretudo para Inglaterra, tendo-se estabelecido uma feitoria
inglesa em Viana da Foz do Lima com actividade também em Monção, que comprava e
fazia embarcar vinhos provenientes sobretudo desta última vila e da Ribeira
Lima (Ponte de Lima, Arcos de Vale de Vez, Ponte da Barca). As zonas de
produção foram-se estendendo e a acção de prospecção de fornecedores por parte
dos negociantes foi-se especializando tendo chegado mesmo a haver vinhos de
Basto e de Riba Douro a ser expedidos por aquela cidade costeira do Minho. Com
a segunda metade do século XVII assistir-se-á ao declínio do movimento por
Viana e suceder-lhe-á o Porto, sendo a data de ponto de não retorno a de 1677-78,
tornando-se tal inevitável devido a políticas administrativas e fiscais que
beneficiaram sobretudo os ingleses nesta última cidade, a tratados
internacionais, à preferência dos exportadores por vinhos de outro perfil e
ainda às dificuldades de acostagem e navegação no porto de Viana, cujo cais
terá sido danificado por mau tempo várias vezes e as vias de navegação
assoreadas também várias vezes, uma das quais em 1709 e após despesas e
trabalhos de correcção anteriores. Apesar disto, os vinhos de Monção
continuaram a ter procura e eram feitos transportar em lanchas de cabotagem de
Caminha e Viana para o Porto, sendo apreciáveis as suas quantidades mesmo em
1730, já com um florescente movimento de vinhos do Cima Douro para a barra
deste rio, com trato pelos mercadores e taberneiros do Porto e de Gaia aos
estrangeiros que os exportavam. O que acabámos de escrever é consensual entre
os autores António Barros Cardoso, Charles Sellers, Aurélio de Oliveira, Gonçalo
Maia Marques, Anselmo Mendes e muitos outros que, mais profundamente do que eu,
estudaram e publicaram trabalhos, teses, artigos e livros sobre o assunto dos
Vinhos Verdes.
2.
Queremos pedir a atenção para que esta fase da
história dos Vinhos Verdes, da Idade Média até aos setecentos, seja considerada
em três períodos distintos: um que dura cerca de três séculos, XIII, XIV e XV,
em que se estabelece de forma segura a produção de vinho do Entre Douro e Minho
com exportação sobretudo por Viana, um vinho sobre o qual não há referência de
defeitos; o dos séculos XVI e parte do XVII, ao longo dos quais a sua qualidade
se terá pouco a pouco deteriorado, em que os comerciantes começam à procura de
outras fontes de vinho tentando manter as que tradicionalmente são fornecedoras
e demandando ainda a barra de Viana mas em que está já documentada a existência
de diferentes tipos de vinho, denotando-se diferenciação entre vinhos de
diferentes perfis; o do final do século XVII e do início do século XVIII, em
que se assiste ao declínio da produção de vinho do Entre Douro e Minho para
exportação e a sua “substituição” pelos vinhos do Cima Douro e do Porto, em
rápida expansão, sendo que se estabelece a feitoria inglesa no Porto e passa a
haver a presença dum Cônsul residente. Para tal declínio são apontadas guerras
e devastações, fugas das populações e abandono dos campos e das vinhas, problemas
de navegação na barra de Viana, medidas discricionárias que beneficiaram os
ingleses no Porto e uma misteriosa e não identificada doença que teria afectado
as vinhas do Minho. Charles
Sellers no seu Oporto Old and New resume de forma eloquente mas redutora:
“In course of years the exports of wine from the Province of Minho ceased
because that from the Douro region was preferred; furthermore, many of the
Minho wines succumbed to a disease of wich we have no details”.
3. Os
vinhos então conhecidos como “vinho de Viana” terão sido de muitos perfis. Para
gozarem da fama de “comparáveis aos de Borgonha”, os “maduros de Monção” seriam
diferentes dos de hoje e, na sua
maioria, tintos. Eram conhecidos, tal como os de Ribadavia, por serem “vinhos
parduscos” isto é, feitos com uvas brancas e tintas. A sua qualidade fê-los
ganhar distinção e notoriedade a ponto de terem valor de exportação para a
Inglaterra, a Flandres (o flamengo Clenardo, no século XVI, a viver em Portugal,
refere-se-lhes positivamente como “vinhos de estalo”!), a Alemanha, a Terra
Nova e o Rio de Janeiro. Aguentaram-se em competição com os vinhos do Douro,
tendo Thomas Woodmass, citado por Gonçalo Maia Marques, afirmado: “os vinhos
de Monção e de Viana são muito judiciosamente tidos como muito similares aos da
Borgonha (…) paguei muito mais caro por um pouco de Borgonha que não se
igualava com o que, por muito menos dinheiro, bebi em Viana”. É a partir dos finais do século XVI que surge
a designação de vinho verde para outra categoria de vinhos, também exportada
por Viana. Tinham baixo valor alcoólico, frescura natural, mas com sabor “um
pouco ao agraço” por serem feitos de “uva mal sazonada”. Eram despachados em
grande quantidade para as armadas e tabernas por serem mais baratos e
comparáveis aos amarais (do latim amarus, amargo), sendo designados pelos
ingleses de eager wine (in old English and old French the word eager – aigre
– meant sour or sharp). Era o verde de ramo, dito azedo por Sá de Miranda,
e que teve grande comercialização para marinheiros e trabalhadores rurais, a par
dos de melhor qualidade para as classes mais abastadas. Nos conventos era o
vinho dos trabalhadores rurais e que era vendido para fora. Quem negociou muito
destes vinhos de Viana já na segunda metade do século XVII foram os Bearsley, estabelecidos
primeiro em Viana e, depois, no Porto.
4. Após
alguns pioneiros, terá sido Job Bearsley a partir de 1659 quem se terá
interessado em mais larga escala pelos vinhos durienses (“calibrados” com
aguardente pelos mercadores e taberneiros do Porto pelo menos desde 1610,
quando se deu um recrudescimento do seu comércio após anos de estagnação), com
paladar mais ao gosto preferido pelos seus clientes ingleses. A pouco e pouco
foram crescendo as quantidades de vinho preparado no Porto e em Gaia por si adquiridas
e exportadas e cada vez mais decrescendo as de vinhos de Viana, com a excepção
de se manter ininterrupto o interesse pelo de Monção. Os Bearsley percorreram
bem o Minho, subindo o Lima nos barcos de água-arriba até Ponte de Lima e,
depois, a cavalo ou noutro meio de transporte ficaram a conhecer bem os
produtores da Ribeira Lima e de Monção. Empreenderam mesmo uma ou mais
incursões ao Douro a partir de Viana e, tomando conhecimento da região, essa
informação terá pesado nas decisões empresariais da família que chegou a
adquirir, algumas décadas depois, uma quinta nesta região. As rotas comerciais
de então estavam estabelecidas e a comunidade estrangeira de Viana tão bem
implantada, com Vice-Cônsul residente, que durante anos houve várias tentativas
e obras para o conserto dos cais e desassoreamento da barra mas a natureza terá
repetido, em maus invernos quase sucessivos, os estragos que inviabilizaram a sua
utilização segura por navios de maior porte. Pelo que a atractividade do Porto,
para a qual contribuiu também a política fiscal, como dissemos, acabou por
levar a melhor. Podemos resumir que a ascensão do vinho do Porto se dá com o
declínio do vinho de Viana pela alteração verificada nos perfis destes vinhos, pelos
benefícios fiscais dados no Porto e por uma questão de navegabilidade e
comunicações. Os Bearsley, tal como outros, viveram nessas realidades e tiveram
de tomar decisões.
5. O
primeiro dos três períodos a que nos referimos acima, em que o vinho verde,
pardusco ou tinto, ganhou notoriedade e passou a ser exportado, coincide com o
chamado óptimo climático medieval em que as temperaturas foram superiores à
média e houve chuvas e estações amenas e regulares. Cremos que tal foi particularmente
bom para a agricultura e, nomeadamente, a viticultura, excepto alguns anos
pontualmente irregulares. A actividade agrícola e económica em geral ganhou um
grande incremento durante o óptimo climático medieval e ainda se manteve
durante quase um século após, beneficiando da experiência das culturas
entretanto implantadas (houve entretanto a ocorrência calamitosa da peste negra
em diversos surtos mas não nos vamos ocupar agora dessa perturbação). No
segundo período, nos séculos XV e, sobretudo, XVI, o clima foi fortemente
alterado, agravaram-se as condições da chamada Pequena Idade do Gelo sentida
por toda a Europa e a que não escapou o Noroeste Peninsular, as temperaturas
desceram e muito, as estações passaram a ser irregulares e com anomalias climáticas
frequentes com chuvas a estender-se até Julho e anos de seca extrema em que as
árvores secaram. A regra passou a ser uma grande imprevisibilidade devido a uma
grande irregularidade e variabilidade térmica e pluviométrica. Houve muitos
anos em que as chuvas prolongadas impediram trabalhos agrícolas em Maio, Junho
e Julho! Os verões passaram a ser frescos com picos de temperaturas extremas,
muitos anos chuvosos ou com falta de chuva a ponto de que “as viñas se
secassem por el estio e falta de agua”. Ora, para a fotossíntese e para a
maturação das uvas exige-se uma amplitude de temperaturas entre 10°C
e 35°C,
que os terrenos tenham boa drenagem e que o stress hídrico não ultrapasse a
tolerância de cada casta. Por isso esse período terá feito com que as uvas não
amadurecessem completamente em todos os locais e daí, cremos, não ser
coincidência que a expressão vinho verde e eager wine e as suas
características tenham surgido a partir do século XVI e tenham perdurado.
Porque esses anos de temperaturas médias mais baixas e clima mais rigoroso e
anómalo durou até meados do século XIX. Aliás, agravou-se especialmente no
período em que estamos focados, que temporalmente ocorre de finais do século
XVII e início do século XVIII, acima referido, conhecido na história do clima
como o Mínimo de Maunder Tardio, de 1675 a 1715, em que as colheitas foram
irregularíssimas, houve cheias frequentes, Primaveras e Outonos frios, Verões
amenos ou mesmo frios, anos de secas estivais prolongadas em Setembro e Outubro
e anos de chuvas persistentes que não deixaram amadurecer os frutos. O ano de
1694 ficou conhecido como o da grande seca e o de 1709 como o do grande Inverno.
Tudo isto cremos que não será coincidência nem alheio às mudanças verificadas
na produção e comércio de vinhos nos séculos XVII e XVIII. O declínio do vinho
verde dessa época e a ascensão do vinho do Cima Douro, onde o clima é mais
quente porque com maior influência continental e mediterrânica e onde as condições extremas terão tido menos impacto nas vinhas do que o do atlântico
Entre Douro e Minho, foi em boa parte o produto de tais irregularidades climáticas que,
vividas pelos comerciantes e repercutidas na qualidade dos vinhos, os obrigaram
a decidir ano a ano em face das melhores ou piores, neste caso bem piores,
vindimas no Entre Douro e Minho. Não terá sido uma disease a acontecer
no Minho, como referia Charles Sellers, mas terá sido o clima, um clima que não
terá devastado todas as vinhas mas terá comprometido muitas e sucessivas
vindimas.
6. Esta
proposta de interpretação sobre o declínio do vinho de Viana e, como tal, dos
Vinhos Verdes há quatro e três séculos é falível, evidentemente, mas merece
alguma atenção e discussão para o presente já que, estando agora nós num
período em que há um aquecimento global e as temperaturas voltam a ser da ordem
das que ocorreram durante o óptimo climático medieval, surge uma oportunidade
climática para tentar recuperar algumas das características que terão estado na
base da fama antiga e internacional, que vem do tempo da nossa primeira
dinastia!, dos vinhos tintos de Entre Douro e Minho. Em gabinetes de estudos das
empresas deve ter havido esta consideração para alguns dos investimentos que têm
estado, ultimamente, a ser feitos na região. Não será fruto do acaso que
algumas castas em determinados terroirs e geografias apareçam a desafiar
o status quo. O terroir é o mesmo de há quinhentos e de há mil anos,
haverá que adequar a biologia ao climat que se adivinha para os próximos
tempos. Numa leitura rápida poder-se-á logo questionar: então se a Pequena
Idade do Gelo terminou em meados do século XIX, por que não recuperaram os
vinhos verdes as suas características anteriores, entretanto? Não sabemos a
resposta mas há desde logo variáveis em hipótese a considerar para discussão –
e uma discussão interessante!: a implantação e tipo da vinha, os sistemas de
condução e o facto, de suma importância, de que desde a segunda metade do
século XIX as castas no Entre Douro e Minho obrigam a porta-enxertos para a sua
sobrevivência e isso terá alterado, e muitas vezes de forma cega, tanto para o
melhor como para o pior, a expressão fenológica e as características produtivas
da videira… mas tal ficará para discussão de especialistas, que ouvirei ou
lerei atentamente.
7. Bibliografia
consultada para a redacção deste artigo:
-Francisco
Girão, um inovador da vitivinicultura do Norte de Portugal, Vol. I e II, coordenação
de Nuno Magalhães, edição da Fundação Francisco Girão, 2011;
-Vinhos
Verdes, a região, a História e o Património, António Barros Cardoso, ed.
Município de Ponte de Lima, 2016;
-La Pequeña
Edad de Hielo en Galicia: Estado de la cuestión y Estudio Histórico, Camilo
Fernández Cortizo, Universidad de Santiago de Compostela, in Obradoiro de
Historia Moderna, n.º 25, 9-39, 2016;
-Alterações
Climáticas e Agricultura, Dionísio Afonso Gonçalves, Tomás de Figueiredo e
António Castro Ribeiro, in Revista da APH, n.º 110, 30-33, 2012;
-Do vinho
de Deus ao vinho dos Homens: o vinho, os Mosteiros e o Entre Douro e Minho. Gonçalo
Maia Marques. Dissertação de Doutoramento em História. Faculdade de
Letras da Universidade do Porto. FCG. 2011;
-O Sector dos
Vinhos no Entre Douro e Minho nos tempos do Antigo Regime, Aurélio de Oliveira,
FLUP, 2012, disponível em pdf online;
-Os vinhos no
Porto, Aurélio de Oliveira, in Douro, Estudos e Documentos, Vol. I (3), 1997 (2.º),
45-70;
-Os Vinhos em
Portugal (1300-1820), Aurélio de Oliveira, comunicação apresentada no Congresso
internacional VIII Seminario Iberoamericano. Viticultura e Ciencias Sociales, universidade
de Talca, Janeiro 2006, disponível online;
-Estrangeiros, Vinhos de Viana e Vinhos do Porto (Séculos
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Viticultura, Agroindustria y Ruralidad, vol. 4, núm. 12, septiembre-, 2017, pp.
163-179. Universidad
de Santiago de Chile;
-Oporto Old and New, Charles Sellers, ed.
Herbert E. Harper, London, 1899;
-Metz : une « ville du vin » confrontée au petit âge glaciaire à la fin
du Moyen Âge (v. 1400-1540), Laurent Litzenburger, Extrait de : Patrick Demouy
(dir.), Les Boissons, éd. électronique, Paris, Éd. du Comité des travaux
historiques et scientifiques (Actes des congrès nationaux des sociétés
historiques et scientifiques), 2014. Disponível online;
-Variações
climáticas do passado: chave para o entendimento do presente? Exemplo referente
a Portugal (1675-1715), Maria João Alcoforado, UL, in Territorium 6, 1999.
Disponível online;
Agradeço à Doutora Anabela Ramos algumas
pistas bibliográficas importantes que me indicou.